14.7.13

Eu não queria vir a Guimarães. Vimara Peres, ou mesmo o Pero da terra dita, não me diziam nada no beco duodeno-jejuno final de uma semana que se revelara galharda e pródiga no bem-estar almejado fora do quadrado pátrio.

Foi contudo o meu filho, a quem há quase tantos anos como ele tem de vida, eu devia estas férias, que escrutinou o burgo onde havíamos de vir calhar na tarde hodierna. Aterro na praça central e vejo uma esplanada burilada com gente mista, tatuados à mistura com betos, crinas roxas pelo vale meão de camisas alvas. Um caldo, senhores.

Mas ouço Alice in Chains e a moçoila que carrega as copas tem um ar giro, salubre, esperto e bem posto. Sento-me e obrigo o pós-púbere a seguir-me na senda.

Três Carlsberg e uns amendoins depois, sei que a terraça se chama El Rock Bar, e que ali perdura há dezasseis anos, proeza em que supera o meu ido Conspiração Café-Bar em cerca de quinze anos e quatro meses. Os cilindros de cevada descrevem evoluções húmidas por entre as mesas, e a rapariga é conversadora sem dar-se ares de mais nada.

Explico ao meu filho que não deve assumir que uma pessoa, ao meter conversa com outra que é vinte anos mais nova, estará a fazê-lo por motivos de engate (pese embora a possibilidade, não probabilidade que assim seja) caso contrário, perante interlocutor sabido, fica logo a braços com um argumento vazio sob pena de servir para acusar qualquer octogenário de assédio, ao pedir lume ou perguntar as horas a quem passa pelo banco do jardim.

No hotel haviam recomendado, como poiso para o pasto, o Histórico, no Largo João Franco, alvitre corroborado pela noviça rockeira, ora Paty. Não há fome mas há vontade de comer.

Vamos então na peugada do pórtico por onde se lhe adentra ao tabernáculo proposto. Conversamos sobre as indústrias, que as há, mais do agrado e interesse que ao meu outrora petiz, à idade com que eu da dependência paterna já nem podia ou queria ouvir falar, mais aprazem. Ganhei perspectiva e sempre aquiesci a romper a dieta.

Comecei, no meu ego e naquele momento, a traduzir-lhe a proporcionalidade inversa entre o tempo que resta e a importância cedida a merdinhas relativizáveis como se a gaja pensou que eu era tarado, quatro quilos a mais, ou cinquenta euros a menos. Quis com isto prover-lhe a que galgasse mais um degrau nessa suma exibição de força, a supressão do ego sem que no entanto abdiquemos, por dentro ou no cerne, dos princípios directores que nos deixam subsistir, justamente, à conta de um Eu imacerável.

Entretanto quis Taránis, que como todos sabem martela o céu por cima das nossas cabeças, mandar chover e ribombar; todos, a começar pelos franceses que se haviam dirigido a todos e cada um dos restantes convivas, em várias línguas, inquirindo da sapidez e teor mineral dos pratos em marcha, recolheram em debandada para as mesas situadas a coberto da intempérie.

Eu não.

Por razão alguma, porque um cavalheiro não se molha quando chove, porque às senhoras, em última análise, cabe reparar na placidez que destrinça, hora limite, o gentil-homem do banal burguês, mas acima de tudo, estratosfericamente além de toda e qualquer outra razão, motivo ou agenda, porque eu havia dito, e por ser verdade teria de agi-lo, que a supressão do ego (eu não gosto que me chova em cima; mas perco mais se parecer um tonto em fuga do que se me caírem três gotas no vertex) está, em situações sociais às quais devemos atender, furos para lá da instantânea satisfação que ao ego, ainda que seja como o é para mim o primário motor do meu mundo, devemos conceder à medida que a derradeira hora se aproxima.

Eu penso que ele irá digerir a lição, que o meu cuidado e subtileza em limar cada precipitação ou encolher de ombros com um matraquear paciente de sinonímia emocional para as razões exclusivamente intelectuais dos meus actos, dará tudo em fruto temporão e ainda no meu tempo de saborear o penúltimo soçobrar dos galhos.

É evidente que a Paty não quer saber de entradotes tatuados que trazem num poro mais bandas, filmes, livros e amores à falésia em Agosto do que toda a canalha Vimaranense, alargada de orelha ou de mais forma inserida, saberia invocar mesmo limpa do catéter cereálico.

Mas também isso faz parte de ir-se por nuestra puta vida aceitando mistérios novos e rejeitando epitáfios antecipados. E por isso mesmo pedi a aguardente para rematar o jantar, e passei pelo El Rock entre os pingos da chuva só para ver que som de lá vinha.

11.7.13

Rivotril (Clonazepam), dia quarenta e três

when the dreams finally came back
fallen asleep in some different city
having dined with different people
of a different air under different weather

turning and cowering at the break of day
unlike before, you were not about to leave
unlike before, there was noone lurking in wait
at the kitchen door, waiting to carry your bags

but waking up to a foreign, different future
differently grey, differently daunting now
you were to stay forever behind, in my reverie
and unlike before no longer asleep at my side

asturias
11.VII.2013

2.7.13

#560

Oh day of fire and sun,
Pure as a naked flame,
Blue sea, blue sky and dun
Sands where he spoke my name;
 Laughter and hearts so high
That the spirit flew off free,
Lifting into the sky
Diving into the sea;
 Oh day of fire and sun
Like a crystal burning,
Slow days go one by one,
But you have no returning.

 -Sara Teasdale