26.9.08

E quando tudo arde, tu e eu permanecemos.


E porque é grave que ninguém repare nisto,

Parabéns ao Blasfémias, e ao Gabriel.

O país está perigoso.

A propósito da ERC...

“A memória das pessoas é muito fraca. Passados seis meses já ninguém se lembra.”

- Jorge Coelho

(ex-responsável pela queda impune da ponte de Entre-os-Rios, responsável pela frase acima transcrita e também por ter dito "quem se mete com o PS, leva", um exemplo acabado de como cada povo tem o que merece)

"É urgente reforçar o peso científico dos programas. Os alunos não têm que passar mais tempo nas aulas: basta diminuir a carga, de resto muito ideológica, das áreas curriculares não disciplinares. A disciplina de Português não tem que ensinar tolerância e multiculturalismo, mas gramática e ortografia. A disciplina de Matemática não tem que ensinar a respeitar a opinião dos outros, mas que 1+1=2 (independentemente das opiniões). Só uma escola onde se ensina que 1+1=2 pode ensinar o respeito pelos outros. Porque respeita o conhecimento, respeita os alunos, respeita as famílias e respeita os contribuintes que a pagam."

- Pedro Picoito

Quote do dia

Não querendo lateralizar o importante, basta lembrar o anúncio do "Magalhães" como "Primeiro computador portátil português" (sic), se além de mentiroso o aspecto não era importante, não se percebe o seu exacerbado destaque; quanto ao rapidamente a ficar famoso "controlo parental", se é tão banal programa, menos se entende que não venha previamente instalado num computador destinado a crianças de tão tenra idade.

Até podia juntar mais um aspecto seguramente lateral, que é a existência de redes wi-fi nas salas de aula, cujos efeitos das suas ondas nas crianças se desconhecem, ou pelo menos desconhecem o suficiente para que a Cisco e outros fabricantes não assumam qualquer responsabilidade presente ou futura (nas letrinhas pequenas que acompanham os equipamentos). Noutras paragens, até se exige o desmantelamento dessas redes nas escolas (http://www.timesonline.co.uk/tol/life_and_style/education/article642575.ece). Os pais, tão atentos à radiação das antenas de telemóveis (que não querem perto de escolas), parecem não saber que a radiação das redes wi-fi é muito parecida e aparentemente pode chegar a ser três vezes mais forte que a de uma antena das operadoras de telemóveis (http://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/6676129.stm). De uma forma ou de outra, o debate existe.

Mas o principal, que me parece transparecer do que tenho lido no Abrupto, é que estando os níveis de literacia pelas ruas da amargura, os exames reduzidos a meros instrumentos estatísticos e os professores totalmente deprimidos, é se esta distribuição informática e os seus custos vão de encontro do que a escola e os alunos necessitam, ou se é meramente mais um exercício dispendioso de propaganda.

A minha opinião é que se insere numa linha de facilitismo que se desgraçadamente se instalou. É um computador atribuído sem representar qualquer tipo de esforço quer por parte dos alunos, quer por parte das famílias. De tudo o que li, ainda não percebi para que serve, de que forma se insere no programa escolar. Se é que se insere. Não percebi se será para uma disciplina específica, ou para apoio a outras disciplinas por exemplo.

- José Rui Fernandes

25.9.08

Um PM prepotente anda à chuva e molha-se...

Short

Publicado por jcd em 25 Setembro, 2008

O primeiro-ministro ficou muito indignado quando soube que existia um mecanismo chamado ’short-selling’, isto é, a possibilidade de alguém vender na bolsa aquilo que ainda não é seu. Mas se o primeiro-ministro se quer indignar com práticas correntes, não é preciso ir à bolsa. Pode indignar-se com o mercado imobiliário, por exemplo. Vejam bem que é possível comprar uma casa que ainda não foi construída. Só que não lhe chamamos short-selling. Chamamos-lhe contrato-promessa. Tanto no mercado de capitais como no mercado imobiliário, esperamos que os vendedores honrem o compromisso e tanto num mercado como noutro, se os vendedores forem à falência, os compradores terão que correr atrás do prejuízo. Outro exemplo de short-selling é a FNAC que tem por hábitos vender jogos que ainda não estão no mercado. Aqui está um exemplo.

Claro que o senhor primeiro-ministro deveria saber que corre muito mais riscos quando assina um contrato-promessa de compra e venda de uma casa que ainda está apenas no papel do que quando compra ou vende títulos a descoberto nos mercados de capitais. Mas isso são coisas muito complicadas de explicar e compreendê-las até pode tirar votos. Imagine-se o que seria dizer em público que os produtos derivados fazem falta. Que escândalo, o PM a defender a ‘economia de casino’.

Também ainda não percebi se o primeiro-ministro se indigna com os mercados de futuros. Provavelmente, se lhe explicarem para que servem tão bem como lhe explicaram o short-selling, dá dois gritos e exige medidas.

Mas o principal actor nesta história de exigir o que ainda não existe é o governo. Por exemplo, o Pagamento Especial por Conta. As empresas estão obrigadas a pagar impostos por conta de lucros que ainda não obtiveram e até podem nunca vir a obter. Sócrates devia indignar-se com isto. Devia mesmo proibir tal prática. No IVA também. O IVA é pago pela factura, muitas vezes antes de se saber se o cliente paga. Quando o cliente é o estado, o fornecedor, primeiro vende o produto, depois entrega ao estado o IVA que ainda não recebeu. Semanas, meses ou anos depois, o estado paga-lhe o produto e devolve-lhe o IVA. Podemos dizer que durante este tempo, o fornecedor ficou short no IVA e o estado ficou long no abarbatanço do dinheiro do fornecdor. Sócrates devia estar piurso com isto. Alguém que lhe explique.

24.9.08

Quote do dia

O que ontem se passou no Jornal das 13 é inacreditável: não só o governo é incompetente e demagógico, como tem ao seu dispor um bando de jornalistas nos jornais e televisão a fazer lembrar as sessões de propaganda do sr. Goebbels e do Nacional Socialismo alemão.
Senti-me idiotizado ao ver um sr. jornalista do Porto, a forçar uma criança a dizer que o "sistema do Magalhães” era mais fácil de trabalhar do que o “Windows” ou “Linux”. Só faltou uma bandeirinha na mão (talvez da União Europeia ou do PS!) e uma farda verde da União Nacional e um “S” na fivela do cinto a significar Sócrates.
- Anónimo


Arejar um bocado

NÃO ACREDITO NO QUE LI

"A Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2008-2015, a que a Lusa teve acesso, engloba um conjunto de medidas que vão ser tomadas até 2015 com o objectivo de diminuir de 850 para 579 o número de mortos nas estradas portuguesas e colocar Portugal nos dez primeiros países da União Europeia com menor taxa de sinistralidade rodoviária."

Então esta merda é assim? 579, porque poderiam ser 578, ou 580, mas não, a média estatística que emana da voz do dono é o critério último para a actuação...! Porra, é surreal, não escrevo mais nada (mentira) mas juro por todos os santinhos que a partir de agora não penso duas vezes antes de gamar uma laranja, afinal a média nacional é que conta.

Entretanto Bruxelas preocupa-se com assuntos sérios,

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1343796&idCanal=62

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1343770&idCanal=59

Porrada a rodos na margem sul


Jovens! Ou alegadamente jovens? “Signa inferre! Concursu! Ad pila!” (esta última não é o que parece)

Credincruz (para ser PC), vixe, unde é que isso vai pará?

Vou contratar o Warren Buffett para prever se o Arrastão vai escrever sobre “a repressão na margem sul que conduz a manifestações de liberdade neo-artística” ou sobre “como expurgar a culpa do que o meu trisavô fez ao trisavô dos grunhos de Corroios”.

1900 (III)

Nos últimos minutos bateu-me forte a ideia renovada de que o filme de Bertolucci, para muitos a sua obra-prima, retrata com lucidez e sabedoria, além de humor profundo, a natureza humana.

Senão vejamos: pegando no maniqueísmo persistente que domina o pensamento do eleitorado, só existe a esquerda, a direita e os outros, os neutros (não me refiro a partidos do "centro", e sim àqueles que escrevem sem dizer nada, faculdade proveitosa hoje em dia).

Assim há três situações possíveis para o futuro:

Um Estado entregue à esquerda, que é composta por pessoas aleivosamente humildes e bem-intencionadas (leia-se paternalistas e com duas caras consoante a brisa), caracterizar-se-à por uma total liberdade - de matar, roubar, procriar, comer, procrastinar, escrever, proibir - enfim, a habitual pluralidade que faz pautar os estados comunistas que o mundo conheceu, a troco da perda, também ela total, do conhecimento. Em poucas palavras, troca-se o intelecto pelo copo de vinho. Mas vinho bom, claro, que enólogos e chefs, a par dos tocadores de viola, é do que a malta precisa. Estudar e produzir é nos países onde há repressão.

Num Estado entregue à direita sucederia mais ou menos o inverso: a direita, sendo composta por pessoas com pouco sentido de discernimento para com realidades diversas das suas (designadamente "para baixo") rapidamente transmutaria a aldeia numa espécie de Metrópolis Fritzlangiana, mas sem a beleza cénica da obra citada. Os incapazes (o que é que fazemos aos inúteis? comemo-los?) aglomerar-se-iam fazendo o modelo social implodir, porque os mecanismos montados pura e simplesmente obrigam a gravitar em seu torno sem opção exequível, e os mais capazes rapidamente voltariam a fazer o que fazem hoje, ou seja, demitem-se do exercício da sua aldeania e procuram outros poisos.

Restaria pois apostar nos outros, nos neutros, como aquele pessoal que debita inanidades sobre matérias que desconhece em absoluto - artigos escritos por analfabetos científicos, ou se arvoram em edukadores expondo dois ou três lados da mesma questão sem dizer uma só palavra que conduza à reflexão.

Ou seja, o voto em branco é também em sociedade, e não só em política, a melhor opção.

Para quê mais vagas?

Lendo no Público de hoje que sobram vagas em vários cursos, entre eles Medicina e Arquitectura, sinto-me como perante uma folha de papel em branco. A banalidade medíocre das notícias, escritas pela rama, é o espelho do cerne acrítico que compõe hoje a massa humana em Portugal.

É pois natural que sobrem vagas: a infantiização dos alunos leva a que, num primeiro patamar, cheguem ao secundário habituados a raciocinar em termos de cores, formas geométricas, e outras alegorias próprias da puericultura. E depois, que cheguem ao superior pejados de laxismo, sem saber dividir 200 por 20 sem recorrer a uma calculadora, ou sem perceber que 2x = 45 é o mesmo que 45/2 = x (dados reais, obtidos empiricamente através de alunos que me passaram pelas mãos).

A investigação científica é hoje um pandemónio, entre bolsas da FCT que nunca mais chegam e cujo montante e regras de atribuição não permitem aos bolseiros uma vida condigna, chegando a ganhar menos em euros brutos e menos em meses por ano do que um caixa de supermercado; ademais, em 2006 havia faculdades onde, apesar de nada faltar à encrustada classe docente (são sempre os mesmos, ou seus correligionários que aturem a moléstia durante 30 anos até chegar a sua vez), chegou a faltar budget para papel higiénico.

E nada como rematar com a constatação de que uma larga maioria de licenciados pura e simplesmente não vai ter trabalho, uma vez que o sistema enferma, como sabemos, de nepotismo além da já clássica "fractalidade" que traduzida para o inglês, ficaria algo como "nobody's running the fucking show".


Se eu fosse extraterrestre, ficaria espantado com (V)

Um povo que se comporta de acordo com o seguinte algoritmo:

-> estamos mal -> não digam, não se apercebam, não revelem que estamos mal -> façamos de conta que estamos bem -> porque senão podemos ficar pior

-> não estamos mal -> não sabemos, não somos ninguém para dizer se estamos bem ou mal -> os outros são arrogantes, fora desta aldeia, humildade é que é preciso

Mais atávico que isto só o caso da Licenciatura Falsa.


(post a propósito da central para obter energia a partir das ondas, esse novo emblema do governo-pó-de-arroz, a cujo respeito se escreve que existe e coloca Portugal vários furos acima, sem explicar que é na escala dos que produzem as energias menos eficientes e menos fiáveis)
Penélope

Mais do que sonho: comoção!
sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço melhores dias
do nosso amor.

-David Mourão-Ferreira

22.9.08

Se eu fosse extraterrestre, ficaria assombrado com (IV)

A insistência obsessiva num sistema de crenças político-partidárias, mesmo e sobretudo perante evidências de que os mandatados padecem de claras e gritantes desvantagens intelectuais, quando não deontológicas, se comparados com os mandantes.

Se eu fosse extraterrestre, ficaria assombrado com (III)

Uma espécie que permite, na ausência de quaisquer dados científicos e empíricos que o sustentem, que uma exígua minoria declare, e consiga levar com sucesso a sufrágio, a inimputabilidade de quem atente contra a vida (por não se saber justamente se latente, em potencial ou de pleno direito) de um membro novo da mesma espécie, indefeso e incomunicável, em nome do progresso e da liberdade individual.


Se eu fosse extraterrestre, ficaria assombrado com (II)

O séquito de alminhas imberbes e impolutas que acredita, mercê da sua graça casta, não haver incoerência ou atentado ao intelecto no acto de apodar como "Geração Rebelde" um bando de personagens, fictícias é certo, cujos pais fictícios lhes fornecem dinheiro para roupinhas de marca, motas, skates, charros, copos, telemóveis e férias wherever. Não há receita como esta: é agir no sentido de propalar realidades virtuais como se da mais incrustada tradição se tratasse; o ónus do desmentido recai sobre os outros, os dinossauros apóstatas inimigos do catecismo social.

Intervencionismo, III

Estou farto de aleivosos.
Estou farto de néscios com tempo de antena.
Estou farto de ler gajos normais armados em pedagogos.


De resto, Delenda Carthago, ou mais vale sacar este texto ao Bruno Alves.

Como seria de esperar, a crise financeira tem dominado a agenda mediática dos últimos tempos. O Governo, que durante muito tempo fingiu acreditar que em nada o nosso país seria afectado por ela, usa-a agora para justificar todo e qualquer resultado “menos bom”, ao mesmo tempo que insiste que as “reformas” que levou a cabo tornam o nosso país “melhor preparado para enfrentar a crise”. Aparentemente, não ocorre a nenhum dos membros do Governo a contradição entre a afirmação de suposta fortaleza que as “reformas” construíram e a afirmação de que se elas não trouxeram bons resultados foi porque a “crise” não o permitiu. Em São Bento, nem a tempestade no mundo real faz o Primeiro-Ministro cair do Olimpo propagandístico que montou.

“Cá fora”, no entanto, a tempestade é bem real. As notícias de bancos e seguradoras a entrarem em falência assustam as pessoas, e os elevados preços de produtos alimentares ou da gasolina não ajudam a acalmar os espíritos. Tal como não se acalmam todos aqueles que rejubilam com o “colapso do capitalismo”, vendo na “crise” a Segunda Vinda do seu avermelhado Salvador (como se a primeira não tivesse dado no que deu). A maioria, felizmente, não exulta. Apenas vê na “crise” uma oportunidade para ver que “erros” se cometeram, e que “lições” daí se poderão retirar, para que não voltemos a passar pelo mesmo. Embora a sensatez de procurar não entrar em histeria seja de louvar, corremos o risco de estarmos a aprender as “lições” erradas.

Veja-se o editorial do Público do passado Sábado: Manuel Carvalho escreve que “as receitas recomendadas para debelar a crise são um claro atestado de óbito ao capitalismo libertário dos últimos anos”. Por outras palavras, a “grande lição da crise” é a de que é necessária a “atribuição de poderes mais efectivos a instâncias emanadas do Estado”, e as medidas tomadas pelo Governo americano são a prova disso mesmo. Manuel Carvalho comete aqui o erro de pensar que o facto de uma série de medidas serem relativamente consensuais é uma evidência da sua necessidade e validade. O facto de uma medida ser relativamente consensual e recomendada por muitos especialistas quer dizer apenas isso: ela é relativamente consensual e recomendada por muitos especialistas. Isso não faz dela uma medida acertada. Ela possa ser acertada ou não, e a quantidade de pessoas que a recomendam, tal como as suas qualificações, são irrelevantes para a avaliação dos méritos da medida em si. O facto de muita gente “recomendar” estas “receitas” para a crise não significa que não haja razões para temer os seus efeitos secundários: como é dito num artigo citado pelo João Miranda, “any talk of a government bail-out reduces the debtholders’ incentives to act, making the government bail-out more necessary”, e que acabem por ser os contribuintes a pagar os erros dos accionistas das empresas. O facto de muita gente “recomendar” estas “receitas” para a crise não significa que não haja razões para pensar que a “lição” que esta crise deixa não é a de que é necessária uma maior intervenção estatal, mas precisamente a “lição” contrária: compreender-se que a actividade financeira comporta riscos gigantescos, uma actividade particularmente sujeita aos efeitos causados pelos “cisnes negros” de que fala Nassim Taleb, uma actividade em que ninguém sabe realmente o que vai acontecer amanhã, e que portanto mais vale deixar as empresas correrem livremente os riscos que quiserem correr, e pagarem o preço que tiverem a pagar se a coisa correr mal, do que ter o Estado (que como qualquer outro agente, também não pode prever o futuro) a intervir directamente no mercado, e a estar sujeito a que um qualquer “cisne negro” lhe apareça à frente, e todos nós sejamos forçados a pagar o preço do risco que não compensou.

Se eu fosse extraterrestre, ficaria assombrado com (I)

A existência de fronteiras, de Estados. Não ter ocorrido ainda a transcendência do mesquinho conceito de "nação" é algo que desafia (estando em linha com as futuras actualizações a esta série) a compreensão racional.

O problema do Intervencionismo, II

"Nunca vi o liberalismo, como ideia e como prática, ser dominante, a não ser na imaginação dos seus adversários, muito menos ter o papel de hegemonia intelectual e política que se lhe atribui. Na verdade, basta ir aos filmes de Hollywood, cheios de vilões “neoliberais”, os yuppies corretores de bolsa, os inside traders, os que controlam as bolsas de mercadorias, seja do porco ou do sumo de laranja, até com Eddie Murphy, para perceber que esse período de glória do “neoliberalismo” deve ter passado ao lado da imaginação popular a não ser como prefiguração do Mal. Hollywood não fez outra coisa nestes anos de suposto apogeu “neoliberal” senão dar-nos Tio Patinhas cada vez piores.

É, nestas alturas de “crise do liberalismo”, que eu me sinto mais liberal, que eu tenho mais aguda percepção de como na crítica socialista à “economia do casino” vai um preocupante pacote de restrição de liberdade para as pessoas e para as empresas, de fechamento do mundo, de paroquialismo e intervencionismo e, a prazo, muito maior mediocridade e pobreza remediada do que aquela que a queda do Lehman Brothers e dos seus parentes causa ou pode causar."

- Pacheco Pereira no "Abrupto" de hoje
Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por dente:
não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escarlate,
o vómito nos pulsos por cada noite roubada;
nem um minuto para a glória da pele.

Despertar de lado: olho por olho: conservar a família em respeito,
a esperança à distância de todas as fomes,
o corno de cada dia nos intestinos.

Aos dezoito anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva
e do amor, os olhos postos à prova do nojo.
Entrar de costas no festival das letras,
abrir passagem a golpes de fígado para a saída do escarro.
Se não temos saúde bastante sejamos pelo menos
doentes exemplares.

Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane
aos artelhos dos que rangem os dentes;
no meu reino apenas palavras provisórias, ódio breve e escarlate.
Nem um gesto de paciência: o sonho ao nível de todos os perigos.

Pelo meu relógio são horas de matar, de chamar o amor
para a mesa dos sanguinários.
Dente por dente: a boca no coração do sangue:
escolher a tempo a nossa morte e amá-la.

- António José Forte

Bullies with Ties

«”Fiquei com uma boa relação com o seu accionista [Paulo Azevedo] e vamos ver se isto não se altera.»

- José Sócrates, primeiro-ministro, em telefonema para o director do Público a propósito da intenção deste jornal publicar notícias sobre as dúvidas da sua licenciatura.


(no Público de hoje)



Quando o Público publicou a reportagem, o seu autor, Ricardo Felner, e conforme consta no processo da ERC sobre o assunto, recebeu sete ou oito telefonemas do primeiro-ministro.

Não de José Sócrates, pessoa individualizada, privada; ou da sua residência ou lugar privado*.
Não, foi mesmo do gabinete oficial do Estado. No primeiro desses telefonemas, o primeiro-ministro, no seu fato de Estado, referia-se aos rumores, boatos e calúnias, vindas do "bas-fond" da blogosfera.
Ou seja, forçosamente, do blog de António Caldeira. Uma injúria, obviamente, proferida oficiosamente num gabinete do Estado, por um indivíduo que é primeiro-ministro.

Ninguém se incomodou particularmente com isto, por várias razões. Uma delas, porventura a mais forte e relevante, é que este indivíduo que é primeiro ministro, tem poder de influência suficiente para dizer, impunemente, pelo telefone, uma coisa como esta, ao director do Público, José Manuel Fernandes, a propósito do mesmo assunto e segundo o Expresso:

"Fiquei com uma boa relação com o seu accionista ( Paulo Azevedo) e vamos ver se isto não se altera".

Esta frase, se verdadeira, dita por um primeiro-ministro, a um director de jornal, no sentido inequívoco de o avisar de consequências nefastas por causa de uma notícia que o afectava gravemente, revela tudo sobre este mesmo PM, no que se refere ao seu real poder de influência e vontade pessoal de o exercer.
Nem sequer o próprio director do jornal Público, José Manuel Fernandes, ousou denunciar, imediatamente, esta atitude de prepotência extrema de um indivíduo imbuído de poder político executivo. Nem sequer hoje, no seu editorial no jornal que dirige, o mesmo José Manuel Fernandes, explica por que não o fez. Aliás, no artigo no jornal, sobre o assunto, referindo-se a esta frase, reproduzida tal quale, o jornal, pela tecla de José Bento Amaro, escreve que "o primeiro-ministro teria dito" . Teria? Então o director do jornal não sabe de disse ou deixou de dizer?!! E transcreve-se a frase, mesmo na dúvida?!!
Ficamos a adivinhar as razões deste continuado mistério...

Num país um pouco mais exigente e civilizado, este mesmo primeiro-ministro, seria democraticamente corrido do lugar, na mesma hora em que isto se soubesse e se realmente fosse verdade. Se fosse no antigo faroeste, ainda coberto de penas e alcatrão, como no mesmo Expresso escreve ,esse expoente do jornalismo, Sousa Tavares, a propósito de um artigo que intitula: "a honra: alguém se lembra?" e que copio como título deste postal .

Aqui, não só nada lhe acontece, como ainda vê aqueles cinco magníficos conselheiros da ERC, a branquear esse comportamento.
Como?
O Expresso desta semana, conta tudo:
A ERC, teve um processo Sócrates, para saber se este indivíduo, também como primeiro-ministro, e os seus pressurosos assessores de imprensa, os ditos Bernardo & Damião, tinham pressionado ilegitimamente os media, no sentido de evitarem notícias vindas do "bas-fond" da blogosfera.
Pressionaram nada, disse então a ERC. Pressões deste género são mato, nesta actividade. Vulgares. Correntes, como a água que branqueia a sujidade. O mais que o PM e sus muchachos fizeram, foram algumas "démarches" ( sic), para controlar os rumores vindos do "bas-fond".

O processo, para se concluirem estes juízos valorativos da bondade deste exercício concreto do poder político executivo, num caso pessoal que atingiu um indivíduo que é primeiro-ministro, terminou em Agosto de 2007, tem 300 páginas. Com audições a oito jornalistas, dois assessores de imprensa do PM e a audição deste, por escrito, prerrogativa de Estado, num caso pessoal. Caso que nada tem a ver com o exercício de governo e que nada tem a ver com os ógãos de Estado onde se coloca agora este mesmo PM.

Depois disso, os jornalistas do Expresso quiseram ler o processo. A ERC não permitiu. Os jornalistas recorreram à CADA, e a ERC lá teve que ceder, mostrando os papéis. Logo? Não. Nove meses depois da decisão da CADA e mediante o custo de € 169,22 que o jornal pagou, como se fosse uma multa pelo abuso.

Uma especialista em Direito da Comunicação Social ( uma disciplina um pouco diferente da Sociologia da Comunicação ou até das Ciências da Comunicação ministrada, pelo ISCTE), Isabel Duarte, citada pelo Expresso, considera, esta actuação da ERC, muito simplesmente, do seguinte modo:

"Agiu como instrumento de impedimento da liberdade de informar e de ser informado". Referindo ao mesmo tempo a suprema ironia de a ERC ser uma entidade criada precisamente para assegurar o exercício dessa liberdade...

O Público, pelo seu lado, na edição de hoje, trata o caso com um título também sugestivo da grave actuação daquela entidade que zela pela correcção da liberdade de informação: "ERC escondeu processo Sócrates".




A ERC concluiu ser normal que existam pressões nas relações entre jornalistas e políticos. Esta conclusão é aventada no acórdão que se reporta às diligências efectuadas pelo Governo e pelo próprio primeiro-ministro, José Sócrates, para que fossem travadas as notícias sobre a sua licenciatura na Universidade Independente.
Assumindo “um certo grau de tensão”, a ERC refere que ela é compreensível “dada a cultura profissional dos primeiros e pelo choque que resulta do facto de ambas as partes agirem com interesses divergentes”. Por outro lado, a ERC entende que Sócrates, ao tentar travar na imprensa as notícias sobre a sua licenciatura, não efectuou qualquer pressão, antes fez démarches.
A ERC concluiu que os telefonemas efectuados para o jornalista do PÚBLICO que investigava o caso, Ricardo Dias Felner, e para o director do jornal, José Manuel Fernandes, apesar de terem sido feitos pelo próprio Sócrates, não reuniam “elementos factuais que comprovem ter existido o objectivo de impedir, em concreto, a investigação”.
Tanto Ricardo Dias Felner como José Manuel Fernandes, nos depoimentos que fizeram na ERC, disseram que o modo como foram abordados pelo primeiro-ministro resultou numa “tentativa de pressão ilegítima”. O director do PÚBLICO foi ainda mais longe, reportando-se à conversa com Sócrates, no decurso da qual o primeiro-ministro teria dito: “Fiquei com uma boa relação com o seu accionista [Paulo Azevedo] e vamos ver se isto não se altera.”

O problema do intervencionismo

"As bolhas têm de começar a ser vistas como a doença e a recessão a cura. O problema é que o intervencionismo económico tende a prolongar desnecessariamente a recessão, um período onde a relação entre investimento e poupança está a reequilibrar-se. Exemplo disso é a frequência de comentários sobre como é preciso incentivar o consumo, na verdade, a forma mais rápida de ajustamento é mesmo aumentar a poupança para tentar suster o processo de liquidação que se dá sempre com muito maior intensidade nos sectores de produção de bens de capital. Mas o contrário é o advogado, ou seja, a própria origem do fenómeno: um período de incentivo artificial ao investimento e consumo permitido pela ilusão da expansão monetária, o que desequilibra a relação entre a poupança real e o investimento que está a ser realizado."

- Carlos Novais

19.9.08

...

Primeiro Comando de Portugal
Jovens das favelas brasileiras criam nova criminalidade nos arredores de Lisboa
19.09.2008 - 08h21


Serão centenas os jovens que vieram das favelas brasileiras para a Margem Sul de Lisboa e criaram o Primeiro Comando de Portugal (PCP). Não têm documentos mas sim cadastro e as autoridades acreditam estarem por trás de actos de violência, como o que vitimou um ourives de Setúbal, noticia hoje o "Correio da Manhã".

O homem, 20 anos, que disparou sobre o ourives José Correia, que reagiu a um assalto, foi preso pela Polícia Judiciária na semana passada e está hoje em prisão preventiva. É membro do PCP.

O Primeiro Comando de Portugal será um clone do Primeiro Comando da Capital, que promete trazer uma nova justiça, criado no Brasil nos anos 90.

Segundo o "Correio da Manhã", as autoridades estão preocupadas com esta nova realidade trazida por centenas de jovens que se instalaram no distrito de Setúbal, organizados e dispostos a recriar os guetos brasileiros.


Há uns autómatos do governo que dizem que não...

16.9.08

Bloquismo nos manuais escolares

P. 8, 11 SETEMBRO 2008 SÁBADO

O Ministério da Educação está preocupado com a colocação dos professores e com as condições das escolas, com as reivindicações dos sindicatos e com as críticas da oposição, com as exigências da burocracia e com as notas dos alunos – está tão preocupado com todas estas coisas meritórias que parece que alguém se esqueceu de um pequeno, inocente e irrelevante detalhe: o que é que se ensina, exactamente, nas salas de aula?

A pergunta é simples e a resposta devia ser simples – mas é um pouco mais complicada do que parece. Nas aulas de História, por exemplo, devia ensinar-se História. Mas, como a SÁBADO percebeu esta semana (num artigo que pode ler a partir da página 56), o que se ensina é uma visão perturbadora, ideológica e falsa, absolutamente falsa, da História.

No manual Caminhos da História, para o 12.º ano, editado pela ASA, escreve-se: “Qualquer que seja o modo como se encare a filosofia comunista, a verdade é que devem ser-lhe creditadas realizações positivas na economia: uma acentuada melhoria dos métodos agrícolas e do rendimento do solo, expansão considerável da industrialização; introdução da planificação que tem, pelo menos, a vantagem de evitar a superprodução”. Nem uma palavra sobre a fome nos campos soviéticos, sobre a escassez de produtos nas lojas e supermercados ou sobre a falta de capacidade de inovação económica dos países comunistas.

No mesmo livro, o Exército Zapatista mexicano é considerado um "movimento social" que defende o ambiente, a democracia e a justiça, esquecendo que se trata de um movimento de guerrilha num país democrático. Noutro manual, Cadernos de História, para o 9.º ano, da Texto Editores, o maoísmo é visto como "uma longa luta revolucionária apoiada, sobretudo, pelos camponeses", deixando para mais tarde a referência aos milhões de mortos provocados pelo regime de Mao. E há muito mais: a globalização vista como um incentivo a que o mundo se transforme "num vasto casino", a crise dos sindicatos como uma consequência do "egoísmo" de alguns trabalhadores, e etc., etc., etc.

O Ministério da Educação não tem que escolher todos os livros que cada aluno do País vai ler. E é bom que as escolas possam decidir que manuais pretendem adoptar. Mas, arranje-se a desculpa que se arranjar, livros escolares que falsificam a História não podem ser aprovados pelo Estado. Ou será que o Ministério também permitiria que as escolas escolhessem um manual que ensinasse que Hitler pretendia apenas um mundo mais harmonioso, que Pinochet afastou de forma pacífica alguns opositores e que Salazar era um homem bom que desconhecia as torturas da PIDE?


Mao, sem ou com poucos mortos

COM. “A ‘revolução cultural’ saldou-se em dois milhões de mortos, cem milhões de perseguidos e vinte milhões de jovens enviados, após o fim do movimento, para campos de reeducação.”

- O Tempo da História, 12° ano, Volume II Porto Editora

SEM. “O maoismo estabelecia a criação de comunas populares rurais, constituídas por milhares de famílias que viviam numa lógica de auto-suficiência. Contudo, estas experiências ficariam muito aquém do desejado e provocaram a oposição de muitos membros do Partido Comunista Chinês. Por isso, em 1966, o líder chinês desenvolveu um programa de Revolução Cultural, que tinha como objectivo o afastamento dos opositores ao regime, objectivo apoiado por muitos jovens chineses que veneravam a figura de Mao.”

- Cadernos de História 9, Areal.

“A proclamação da República Popular da China, por Mao Tse-Tung, após uma longa luta revolucionária apoiada, sobretudo, pelos camponeses, afastou definitivamente as forças nacionalistas e deu um novo vigor à economia do país, cuja reconstrução foi, em parte, suportada pelos soviéticos. [Ilustrado por uma imagem de Mao entre camponeses] O fracasso desta experiência [Grande Salto em Frente] levou Mao a iniciar, em 1966, a Revolução Cultural que, com a ajuda dos Guardas Vermelhos, rapidamente alastrou a todo o país. O objectivo era eliminar todos os opositores do regime e educar a população segundo os princípios maoistas”

- Novo História 9, Texto Editores




Fonix!

12.9.08

http://gatodocheshire.wordpress.com/2008/09/11/big-god/

"Ontem, a propósito do acelerador de partículas do CERN, todo o mundo discutiu grandes questões: a origem do universo, o big bang, o bosão de Higgs, a existência de Deus. Fez-me um pouco de impressão o teor de algumas conversas, falando da partícula divina e outras expressões do género, como se o acelerador de partículas fosse capaz de fornecer a solução absoluta para a compreensão do universo. Como muito bem disse a Professora Amélia Maio na SIC-N ontem à noite, mesmo se admitirmos que a experiência deixa ao nosso alcance a explicação do big bang, continua a deixar fora dele aquilo que existia antes do big bang. Ou seja, se, numa linguagem mais filosófica, dissermos que o big bang deu origem ao universo e que, portanto, antes dele era o nada, resta uma coisa por esclarecer: como é que o nada pode ter dado origem a tudo? Ou seja, se antes do universo já existia qualquer coisa que lhe deu origem, é porque essa coisa era já qualquer coisa.

Aliás, isto é algo que me intriga: é que quanto mais sabemos do universo e da vida (graças ao avanço da ciência) mais necessidade temos de recorrer a Deus para explicar o que ignoramos. Quando o mundo era visto como um disco, sobre o qual se erguia uma cúpula com estrelas penduradas, era já suficientemente complicado, mas era só isso. Quando a terra passou a ser vista como um elemento infinitesimal num universo colossal, o espaço da nossa ignorância aumentou muito mais do que o espaço do nosso conhecimento (que também aumentou enormemente). Todo o avanço da ciência tem este condão: quanto mais sabemos, mais ignoramos e mais espaço reservamos para a presença divina."

O fim da nossa história?

Vasco Pulido Valente



Portugal está sem destino. Deixou de ser um país colonial. Já não é um "bom aluno da "Europa".Portugal está sem destino. Deixou de ser um país colonial. Já não é um "bom aluno da "Europa". Pior ainda, apesar de muito esforço e muita propaganda, não se conseguiu "modernizar". O "atraso" continua e até aumentou. Não se vive hoje como se vivia durante Salazar, mas também não se vive numa mediocridade tranquila. Pelo contrário, o mundo muda e a insegurança cresce. O mundo muda e Portugal não se adapta: o desemprego cresce; as pensões diminuem, a educação é um artifício, o serviço de saúde vai pouco a pouco empobrecendo e a fisco oprime toda gente. No meio disto, o país não quer, nem está à espera de nenhuma reviravolta dramática. A "Europa", por que antigamente suspirava, obriga à imobilidade. É uma espécie de paragem definitiva, para além da qual nada existe - é pelo menos, por enquanto, um verdadeiro "fim da história".De resto, trinta e tal anos de regime criaram um cinismo político geral. À volta do PS e do PSD há meia dúzia de fanáticos, que ninguém leva a sério, e uma corte de carreiristas, que ninguém respeita. Tendo governado o país simultânea ou alternadamente, nem o PS nem o PSD inspiram hoje qualquer confiança. Colonizaram o Estado e a administração local por interesse próprio e cometeram (ou permitiram que se cometessem) erros sem desculpa. Desorganizaram a sociedade, ou mesmo impedirem que ela se fosse por sua vontade organizando, e levaram Portugal a uma espécie de paralisia de que não se vê saída. Apesar de um ou outro protesto melancólico e corporativo, o público já não se interessa pelo seu futuro, ou pelo seu presente, colectivo.Nem Sócrates, nem Ferreira Leite percebem, no fundo, o que se passa. Sócrates persiste em repetir a sua velha ladainha, inteiramente desacreditada, com o entusiasmo de 2006. Ferreira Leite (a "tia Manuela", como agora popularmente lhe chamam) critica a evidência e recomenda os remédios do costume. Cada um à sua maneira, os dois falam uma nova "língua de pau", que os portugueses não ouvem ou que não registam. Talvez por isso, não falam muito e quando falam, excepto pelas querelas de partido e pelo vaguíssimo contraste entre o maior "liberalismo" de Ferreira Leite e o improvisado "neo-keynesianismo" de Sócrates, concordam no essencial. O PS e o PSD são o regime e não podem ou tencionam tocar no regime. A reforma de Portugal, se por absurdo vier, não virá dali.

11.9.08

Se fosse preciso usar de uma só palavra para com ela definir o estado presente da mentalidade portuguesa, a palavra seria “provincianismo”.Como todas as definições simples esta, que é muito simples, precisa, depois de feita, de uma explicação completa.

Darei essa explicação em dois tempos: direi, primeiro, a que se aplica, isto é, o que deveras se entende por mentalidade de qualquer país, e portanto de Portugal; direi, depois, em que modo se aplica a essa mentalidade.
Por mentalidade de qualquer país entende-se, sem dúvida, a mentalidade das três camadas, organicamente distintas, que constituem a sua vida mental – a camada baixa, a que é uso chamar povo; a camada média, a que não é uso chamar nada, excepto neste caso por engano, burguesia; e a camada alta, que vulgarmente se designa por escol, ou, traduzindo para estrangeiro, para melhor compreensão, por elite.
O que caracteriza a primeira camada mental é, aqui e em toda a parte, a incapacidade de reflectir. O Povo, saiba ou não saiba ler, é incapaz de criticar o que lê ou lhe dizem. As suas ideias não são actos críticos, mas actos de fé ou de descrença, o que não implica, aliás, que sejam sempre erradas.Por natureza, forma um bloco, onde não há mentalmente indivíduos; e o pensamento é individual.
O que caracteriza a segunda camada que não é a burguesia, é a capacidade de reflectir, porém sem ideias próprias; de criticar, porém, com ideias de outrem. Na classe média mental, o indivíduo, que mentalmente já existe, sabe já escolher – por ideias e não por instinto – entre duas ideias ou doutrinas que lhe apresentem; não sabe, porém, contrapor ambas a uma terceira, que seja própria. Quando, aqui e ali, neste ou naquele, fica uma opinião média entre duas doutrinas, isso não representa um cuidado crítico, mas uma hesitação mental.
O que caracteriza a terceira camada, o escol, é, como é de ver por contraste com as outras duas, a capacidade de criticar com ideias próprias. Importa, porém, notar que essas ideias próprias podem não ser fundamentais. O indivíduo do escol pode, por exemplo, aceitar inteiramente uma doutrina alheia; aceita-a, porém, criticamente, e, quando a defende, defende-a com argumentos seus – os que o levam a aceitá-la – e não, como fará o mental da classe média, com os argumentos originais dos criadores ou expositores dessas doutrinas.
Esta divisão em camadas mentais, embora coincida em parte com a divisão em camadas sociais – económicas ou outras -, não se ajusta exactamente a essa. Muita gente das aristocracias de história e de dinheiro, pertence ao povo. Bastantes operários, sobretudo das cidades, pertencem à classe média mental. Um homem de génio ou de talento, ainda que nascido de camponeses, pertence de nascença ao escol.
Quando, portanto, digo que a palavra “provincianismo” define, sem outra que a condicione, o estado mental presente do povo português, digo que essa palavra “provincianismo”, que mais adiante definirei, define a mentalidade do povo português em todas as três camadas que a compõem. Como, porém, a primeira e a segunda camadas mentais não podem por natureza ser superiores ao escol, basta que eu prove o provincianismo do nosso escol presente, para que fique provado o provincianismo mental da generalidade da nação.
Os homens, desde que entre eles se levantou a ilusão ou realidade chamada civilização, passaram a viver em relação a ela, de uma de três maneiras, que definirei por símbolos, dizendo que vivem ou como os campónios, ou como os provincianos, ou como os citadinos.Não se esqueça que trato de estados mentais e não geográficos, e que portanto o campónio ou o provinciano pode ter vivido sempre em cidade, e o citadino sempre no que lhe é natural desterro.
Ora a civilização consiste simplesmente na substituição do artificial ao natural no uso e correnteza da vida. Tudo quanto constitui a civilização, por mais natural que nos hoje pareça, são artifícios: o transporte sobre rodas, o discurso disposto em verso escrito, renegam a naturalidade original dos pés e da prosa falada.
A artificialidade, porém, é de dois tipos. Há aquela, acumulada através das eras, e que, tendo-a já encontrado quando nascemos, achamos natural; e há aquela que todos os dias se vai acrescentando à primeira. A esta segunda é uso chamar “progresso” e dizer que é “moderno” o que vem dela.
Ora o campónio, o provinciano e o citadino diferenciam-se entre si pelas suas diferentes reacções a esta segunda artificialidade.O que chamei campónio sente violentamente a artificialidade do progresso; por isso se sente mal nele e com ele, e intimamente o detesta. Até das conveniências e das comodidades do progresso se serve constrangido, a ponto de, por vezes, e em desproveito próprio, se esquivar a servir-se delas. É o homem dos “bons tempos”, entendendo-se por isso os da sua mocidade, sejá é idoso, ou os da mocidade dos bisavós, se é simplesmente párvuo.
No pólo oposto, o citadino não sente a artificialidade do progresso. Para ele é como se fosse natural. Serve-se do que é dele, portanto, sem constrangimento nem apreço. Por isso o não ama nem desama: é-lhe indiferente. Viveu sempre (física ou mentalmente) em grandes cidades; viu nascer, mudar e passar (real ou idealmente) as modas e a novidade das invenções; são pois para ele aspectos correntes, e por isso incolores, de uma coisa continuamente já sabida, como as pessoas com quem convivemos, ainda que de dia para dia sejam realmente diversas, são todavia para nós idealmente sempre as mesmas.
Situado mentalmente entre os dois, o provinciano sente, sim, a artificialidade do progresso, mas por isso mesmo o ama. Para o seu espírito desperto, mas incompletamente desperto, o artificial novo, que é progresso, é atraente como novidade, mas ainda sentido como artificial. E, porque é sentido simultaneamente como artificial é sentido como atraente, e é por artificial que é amado.O amor às grandes cidades, às novas modas, às “últimas novidades”, é o característico distintivo do provinciano.
Se daqui se concluir que a grande maioria da humanidade civilizada é composta de provincianos, ter-se-á concluido bem, porque assim é. Nas nações deveras civilizadas, o escol escapa, porém, em grande parte, e por sua mesma natureza, ao provincianismo. A tragédia mental de Portugal presente é que, como veremos, o nosso escol é estruturalmente provinciano.
Não se estabeleça, pois seria erro, analogia, por justaposição, entre duas classificações, que se fizeram, de camadas e tipos mentais.A primeira, de sociologia estática, define estados mentais em si mesmos; a segunda, de sociologia dinâmica, define estados de adaptação mental ao ambiente.Há gente do povo mental que é citadina em suas relações com a civilização. Há gente do escol, e do melhor escol – homens de génio e de talento - que é campónio nessas relações.
Pelas características indicadas como as do provinciano, imediatamente se verifica que a mentalidade dele tem um semelhança perfeita com a da criança.A reacção do provinciano, às suas artificialidades, que são as novidades sociais, é igual à da criança às suas artificialidades, que são os brinquedos.Ambos as amam espontaneamente, e porque são artificiais.
Ora o que distingue a mentalidade da criança é, na inteligência, o espírito de imitação: na emoção, a vivacidade pobre; na vontade, a impulsividade incoordenada.São estes, portanto, os característicos que iremos achar no provinciano; fruto, na criança, da falta de desenvolvimento civilizacional, e assim ambos feitos da mesma causa – a falta de desenvolvimento.A criança é, como o provinciano, um espírito desperto, mas incompletamente desperto.
São estes característicos que distinguirão o provinciano do campónio e do citadino.No campónio, semelhante ao animal, a imitação existe, mas à superfície, e não, como na criança e no provinciano, vinda do fundo da alma; a emoção é pobre, porém não é vivaz, pois é concentrada e não dispersa; a vontade, se de facto é impulsiva, tem contudo a coordenação fechada do instinto, que substitui na prática, salvo em matéria complexa, a coordenação aberta da razão.No citadino, semelhante ao homem adulto, não há imitação, mas aproveitamento dos exemplos alheios, e a isso se chama, quando prático, experiência, quando teórico, cultura; a emoção, ainda quando não seja vivaz, é contudo rica, porque complexa, e é complexa por ser complexo quem a terá; a vontade, filha da inteligência e não do impulso, é coordenada, tanto que, ainda quando faleça, falece coordenadamente, em propósitos frustes mas idealmente sistematizados.
Comecemos por não deixar de ver que o escol se compõe de duas camadas – os homens de inteligência, que formam a sua maioria, e os homens de génio e de talento, que formam a sua minoria, o escol do escol, por assim dizer.Aos primeiros exigimos espírito crítico; aos segundos exigimos originalidade, que é, em certo modo, um espírito crítico involuntário.Façamos pois incidir a análise que nos propusemos fazer, primeiro sobre o pequeno escol, que são os homens de génio e de talento, depois sobre o grande escol.
Temos, é certo, alguns escritores e artistas que são homens de talento; se algum deles o é de génio, não sabemos, nem para o caso importa.Nesses, evidentemente, não se pode revelar em absoluto o espírito de imitação, pois isso importaria a ausência de originalidade, e esta a ausência de talento.Esses nossos escritores e artistas são, porém, originais uma só ez, que é a inevitável. Depois disso, não evoluem, não crescem; fixado esse primeiro momento, vivem parasitas de si mesmos, plagiando-se indefinidamente.A tal ponto isto é assim, que não há, por exemplo, poeta nosso presente – dos célebres, pelo menos – que não fique completamente lido quando incompletamente lido, em que a parte não seja igual ao todo.E se em um ou outro se nota, em certa altura, o que parece ser uma modificação da sua “maneira”, a análise revelará que a modificação foi regressiva; o poeta, ou perdeu a originalidade e assim ficou diferente pelo processo simples de ficar inferior, ou decidiu começar a imitar outros por impotência de progredir de dentro, ou resoveu, por cansaço, atrelar a carroça do seu estro ao burro de uma doutrina externa, como o catolicismo ou o internacionalismo.Descrevo abstractamente, mas os casos que descrevo são concretos; não preciso de explicar porque não junto a cada exemplo o nome do indivíduo que mo fornece.
O mesmo provincianismo se nota na esfera da emoção. A pobreza, a monotonia da emoção dos nossos homens de talento literário e artístico, salta ao coração e confrange a inteligência. Emoção viva, sim, como aliás era de esperar, mas sempre a mesma, sempre simples, sempre simples emoção, sem auxílio crítico da inteligência ou da cultura. A ironia emotiva, a subtileza passional, a contradição no sentimento – não as encontrareis em nenhum dos nossos poetas emotivos, e são quase todos emotivos. Escrevem, em matéria do que sentem, como escreveria o Pai Adão, se tivesse dado à humanidade, além do mau exemplo já sabido, o, ainda pior, de escrever.
A demonstração fica completa quando conduzimos a análise à região da vontade. Os nossos escritores e artistas são incapazes de meditar uma obra antes de a fazer, desconhecem o que seja a coordenação, pela vontade intelectual, dos elementos fornecidos pela emoção, não sabem o que é a disposição das matérias, ignoram que um poema, não é mais que uma carne de emoção cobrindo um esqueleto de raciocínio. Nenhuma capacidade de atenção e concentração, nenhuma faculdade de inibição. Escrevem ou artistam ao sabor da chamada “inspiração”, que não é mais que um impulso complexo do subconsciente que cumpre sempre submeter, por uma aplicação centrípeta da vontade, à transmutação alquímica da consciência. Produzem como Deus é servido, e Deus fica mal servido. Não sei de poeta português de hoje que, construtivamente, seja de confiança para além do soneto.
Ora, feitos estes reparos analíticos quanto ao estado mental dos nossos homens de talento, é inútil alongar este breve estudo, tratando com igual pormenor a maioria do escol.Se o escol é assim, como será o não-escol do escol?Há, porem, um característico comum a ambos esses elementos da nossa camada mental superior, que aos dois irmana, e, irmanados, os dois define: é a ausência de ideias gerais e, portanto, do espírito crítico e filosófico que provém de as ter. O nosso escol político não tem ideias excepto sobre política, e as que tem sobre política são servilmente plagiadas do estrangeiro – aceites, não porque sejam boas, mas porque são francesas ou italianas, ou russas, ou o que quer que seja.O nosso escol literário é ainda pior: nem sobre literatura tem ideias. Seria trágico, à força de deixar de ser cómico, o resultado de uma investigação sobre, por exemplo, as ideias dos nossos poetas célebres.Já não quero que se submetesse qualquer deles ao enxovalho de lhe perguntar o que é a filosofia de Kant ou a teoria da evolução. Bastaria submetê-lo ao enxovalho maior de lhe perguntar o que é o ritmo.
- Fernando Pessoa

Publicado em 1932 na revista Fama, dirigida por Augusto Ferreira Gomes.

9.9.08

Acredito, li "nas notícias"

Como comentar, senão sumariamente, o facto noticiado hoje de que o número de chumbos no secundário é o mais baixo das últimas décadas? Com o óbvio, dizendo que é o mais baixo porque as notas são puxadas para cima, os testes facilitados e os professores seleccionados com base em critérios desviantes face à aptidão vocacional e qualificações intelectuais?

Ou se calhar citando isto...

Crianças deviam ter jogos de PlayStation nas escolas

Jogos de “playstation” nas escolas para as crianças brincarem e descansarem do trabalho da “sala de aula” é uma proposta para as Actividades de Enriquecimento Curricular de uma especialista em Educação para evitar o “risco de acabar com a infância”

“É urgente respeitar o brincar das crianças e reabilitar o sentido da actividade lúdica” na Escola a Tempo Inteiro, disse à agência Lusa Maria José Araújo, investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativa da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.



5.9.08

When men stop believing in God, they don’t believe in nothing: they believe in anything.

- T. Chesterton
Ghosts

Some ghosts are women,
neither abstract nor pale,
their breasts as limp as killed fish.
Not witches, but ghosts
who come, moving their useless arms
like forsaken servants.

Not all ghosts are women,
I have seen others;
fat, white-bellied men,
wearing their genitals like old rags.
Not devils, but ghosts.
This one thumps barefoot, lurching
above my bed.

But that isn't all.
Some ghosts are children.
Not angels, but ghosts;
curling like pink tea cups
on any pillow, or kicking,
showing their innocent bottoms, wailing
for Lucifer.

- Anne Sexton

4.9.08

Retrógrado (n.) - geralmente aquele que defende ideias diferentes das "nossas".

(imagino que pudesse vir no Dicionário do Diabo, de Ambrose Bierce)

3.9.08

O Grunho de Dia

José Sócrates vai longe de mais ao dirigir-se aos professores - e aqui incluo aqueles que o são, bem como os que ensinam circunstancialmente nem por isso deixando de fazer parte da mão-de-obra qualificada que rareia em Portugal - como se de um bando de bestas se tratasse.
Não tenho palavras.
Transcrevo, d'O Cachimbo de Magritte, o que diz Carlos Botelho sobre a asneira.
"Mal pude acreditar no que ouvi há pouco de José Sócrates pela tsf (sublinhado meu):
'Muitos gostariam que o Estado contratasse professores, mesmo que não precisasse deles. Pois não é essa a minha visão e o tempo da facilidade acabou! Isso está fora de causa - o Estado agora contratar sem necessidade! Eu acho que não tem o mínimo sentido essa discussão e... para quem gosta de discutir sempre as mesmas coisas no início do ano escolar, pois fique-se com essa discussão!'
'Facilidade', gritou ele. Que 'facilidade'?
Ele, se não fosse um homenzinho arrogante, saberia que, no lugar que ocupa e com a responsabilidade pública que detém, para mais falando dentro de uma Escola e tocando (desgraçadamente, com os pés) num assunto sensível, saberia que não se fala daquela maneira a e de ninguém.
Alguém devia lembrar-lhe que ele é apenas um primeiro-ministro, que não está no serviço em que está por nenhuma espécie de privilégio "ontológico", mas sim porque outros (entre estes decerto muitos "facilitados") o puseram lá com o seu voto.
Aqueles milhares a quem ele arremessou, grosseiro, a inacreditável acusação insultuosa da 'facilidade' (e sem mostrar qualquer respeito nem pelo papel educativo que têm tido, nem pela situação delicada em que agora os colocaram), esses, são licenciados. Repito: licenciados. Isto é, obtiveram sem aspas uma licenciatura sem aspas. Certamente que, esses, não teriam de se achar embaraçados em explicações(?) trapalhonas para justificar "licenciaturas" obscuramente escolhidas numa "universidade" inenarrável ganhando um "diploma" da farinha Amparo. Um "diploma" fácil."

2.9.08



Ano escolar quase a começar
Ministra diz que contratou os professores pedidos pelas escolas

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"A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, considera estarem reunidas as condições para um melhor serviço público de Educação no próximo ano lectivo, em declarações à rádio TSF.
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Maria de Lurdes Rodrigues também falou dos protestos sindicais da Fenprof (Federação Nacional de Professores) e do desemprego dos docentes, tendo dito que as contratações agora feitas pelo Ministério respeitam as indicações dadas pelas escolas sobre as necessidades de mão-de-obra docente.
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A poucos dias da abertura de mais um ano escolar, a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues diz que o esforço do Governo tem sido compensado pelos resultados dos alunos."
-





Um
mínimo de professores para um máximo de alunos. Testes muito fáceis para os alunos obterem melhores notas. Indicações às escolas para que não contratem. Sucesso!

1.9.08



O grasso mondo di borghesi astuti
Di calcoli nudrido e di polpette,
Mondo di milionari ben pasciuti
E di bimbe civette;

O mondo di clorotiche donnine
Che vanno a messa a guardar l’amante
O mondo d’adulteri e di rapine
E di speranze infrante;

E sei tu dunque, tu, mondo bugiardo,
Che vuoi velarmi il sol de gl’ideali,
E sei tu dunque, tu, pigmeo codardo,
Che vuoi tarparmi l’ali? …

Tu strisci, io volo; tu sbadigli, io canto:
Tu menti e pungi e mordi, io ti disprezzo;
Dell’estro arride a me l’aurato incanto,
Tu t’affondi nel lezzo.

O grasso mondo d’oche e di serpenti,
Mondo vigliacco, che tu sia dannato;
Fiso lo sguardo negli astri fulgenti,
Io muovo incontro al fato;

Sitibonda di luce, inerme e sola,
Movo. _ E più tu ristai, scettico e gretto,
Più d’amor la fatidica parola
Mi prorompe nel petto! …

Va, grasso mondo, va per l’aere perso
Di prostitute e di denari in treccia;
Io, con la frusta del bollente verso,
Ti sferzo in su la faccia.

-Ada Negri