21.8.21

O homem mais temido em Portugal

 This was originally posted June 20, 2014.




Recordo-me reconfortadamente de quando, na minha pré-adolescência, aderi a um clube de pen-friends. À época, e aqui tratamos de contas simples uma vez que nasci em Abril de 1971, uma carta, que era simultaneamente o meio mais económico e mais eficaz de comunicação a longas distâncias, demorava seis a oito dias para executar a round trip entre Caneças e Oslo, e mais de três semanas se a ponta remota do trajecto ficasse situada além-oceanos. 

 

No decorrer de três anos, correspondi-me com perto de uma centena de jovens, cujas idades gravitavam em torno da minha com um desvio de 3 ou 4 anos para cada lado na recta da vida. Poucas coisas, à parte a leitura de um livro ou o visionamento de um filme, me davam tanta satisfação intelectual como a espera, a antecipação do momento em que, transpostos a três e três, oito lanços dos degraus que mediavam a porta da casa de meus pais e a caixa do correio, a abriria para nela encontrar palavras, expressões, imagens, informação, emoções e a explicação de mundos intangíveis e tão oníricos como Xanadu ou Rivendell.

 

Algumas dessas pessoas ainda fazem parte da minha vida, graças ao advento das redes sociais. Outras morreram. E ainda outras tornaram-se irrastreáveis, e delas não sei. 

 

Volvidas três décadas, venho confessar-vos que de todas as atrocidades, de todos os atropelos à dignidade humana, entre a miríade de aviltantes degenerescências impostas a este país, uma das piores -  senão mesmo a mais vil e soez - foi o assassinato de carácter perpetrado sobre aquela personagem, então ansiada, expectada, tida por Hermes Trismegisto completo com esperança, bonomia e Caduceu: o carteiro.

 

O carteiro hoje em dia já não entrega missivas da Rachel em Wellington onde vinha contar-me como estava feliz pelo trabalho que havia arranjado para as férias da Páscoa, nem do Timothy em Manchester cujos envelopes mais pareciam sapos inchados, tal era a dilatação do seu bojo repleto de autocolantes, fotografias de concertos, e recortes de bandas das quais por cá, somente dois anos depois se ouviria falar. 

 

O carteiro, nestes dias de depressão e torpor, entrega a morte lenta. 

 

Deposita-a na forma de notificações institucionais, às quais metade da população não consegue compreender, e quase outros tantos reagir, por manifesta falta de meios intelectuais, anímicos, financeiros.

 

Deposita-a na forma de facturas abusivas, erróneas, repetidas, trocadas e truncadas, perdidas. 

 

Deposita-a sobretudo na forma da ameaça. Há uma aura sobre o carteiro, ora fiel palafreneiro com a espada de Dâmocles na albarda, que é de ameaça, porque deixou de ser possível contar com as únicas três coisas que um Estado, por natureza e por ser pago a expensas da população, tem o Dever maior de cumprir: o apuramento da Verdade, o arbítrio de conflitos, e a protecção dos desprotegidos. 

 

Não havendo literacia, não existe Verdade. A Verdade é aquilo que o mais destro na urdidura da palavra bem entender que ela seja.

 

Não havendo justiça limpa, célere, impoluta e pragmática, não há arbítrio. Ganha sempre o que tiver o exército maior ou a bomba dissuasora mais temível.

 

Não havendo correlação entre a realidade da classe política (compadrios e satélites incluídos) e as pessoas normais, não há égide que valha aos que caem nas malhas do erro judiciário, da caderneta predial mal lavrada, da denúncia escarninha porque as galinhas do vizinho são menos fartas que as nossas.

 

E uns recebem correspondência tranquilos e serenos, sob a redoma que lhes foi permitido erigir, enquanto outros se esforçam para disfarçar o timbre nervoso e a passada trémula até à caixa do correio, para que a família não soçobre ainda mais enquanto tenta manter-se à tona.

 

Mergitur nec Fluctuat. Até quando, não sei. Sei que o carteiro era, para mim, uma figura arquetipal tão importante como todos os meus outros heróis da infância, desde os bombeiros de Armamar (quem se lembra levante o braço) até ao anónimo de Tian Nan Men.

 

E agora é a pessoa mais temida em muitos dos círculos onde ainda tenho paciência, vontade e ânimo para mover-me.

 

 

1.7.21

 tu és a flor do teu erro e a mais imprescindível pétala,

a cor da cor e a ausência da cor

a negação do meu ferro e um mal

na falta de males onde nasce o ferro

és a derrota dos argumentos e um argumento maior,

na casa onde se argumenta és a maior das vozes chãs

amo-te com caules das mães que falecem

e és a raiz da minha cura, és tu no ar

longe da tortura do fogo és a rocha

e da rocha és barro nas mãos que aceitas.

4.3.21

 É-me dirigida, com frequência exacerbada pela insanidade confinatória, a pergunta: porque deixei eu , há já áridos anos, de escrever para o Mundo?

Aquém de qualquer resposta, é preciso descontextualizar a indagação, uma vez que o confinamento não me causa mácula ou agrura, isto é, não mais do que sempre senti perante a constatação, seminal, da minha insularidade num atol, inefável embora atol, de ideias, análise e percepções. Vivo no campo, a minha família está bem de saúde, tenho amigos, animais e plantas dos quais cuidar e as minhas necessidades resumem-se ao acto de conservar. Em toda a verdade, a era dos grilhões sociais constitui uma oportunidade única para o anacoreta hodierno. 

Ora acontece que não tenho nada a dizer ao Mundo, pois o Mundo na sua pubescência grandiloquente de hormonas, é incapaz de ouvir. O Homem é o falso silêncio, a ilusão de uma voz; toda a letra e toda a canção da Humanidade são inaudíveis se postas à sombra da torrente ensurdecedora da Existência, como quem quisesse ilustrar a dualidade da condição humana - excruciante para os muito impantes da sua pequenez, quanto para aqueles que desta se apercebem - à qual subjaz a tortura de viver desperto como uma vela no seio do Sol. Daqui, decorre que Deus não está no silêncio, mas sim no verdadeiro ruído, na constatação de serem humanas, e não divinas, as pegadas ausentes da areia.  Como ter a pretensão de acrescentar, esclarecer ou burilar seja que ínfimo naco for de um plano perfeito, que flutua sem se afundar, e não carece de interpretação para manter o seu inexorável funcionamento? Não se pode, é infazível. 

Mais ainda, a Humanidade é filha de famílias monoparentais num divórcio de polaridades acentuadas. A instabilidade e os recalcamentos de um progenitor obliteram a presença do outro, e o mutismo contemplativo na ausência deste último acaba por vindicar a entropia que espoleta, ab initio, a única projecção terrena que a parca mente antrópica consegue dar à realidade maior: a de um ciclo inescapável, com eterno retorno e revolucões a esmo, onde na verdade não há ciclicidade ou devir alguns, apenas a imutabilidade daquilo que É e "que já estava acontecido" muito para além da comezinha rotação das colheitas. 

Todos sabemos que é atributo dos filhos que sejam injustos para com seus pais, pois na inocência noviça sob cuja lente tudo dentro deles é o Mundo e nada do Mundo a eles extrínseco, são surdos à mais óbvia das deduções - a vinha que lhes deu vida foi, ela própria, durante largos tempos bacelo. 

Tentando pois (que é da pessoa pensante pensar) conciliar o inconciliável - a herança do Pai Deus imanente e inaudível, com a da Mãe Biologia estrepitosa no furor da carne que cresce - regressa  o equívoco entre evidência de ausência e ausência de evidência, decuplicado por lides de frustração, em avatares de dúvida e raiva.

Isto posto, a dúvida, a raiva e por conseguinte a voz são a arma do adversário, enquanto a certeza, a serenidade e o silêncio caracterizam necessária e suficientemente o agonista. Ao Mundo, como aos filhos, pertence chegar por si mesmo ao grande legado folclórico da espécie, que passarão, polvilhado de paralaxe individual e aleatória, em diante. 

Perante a contemplação indiferente do Absoluto.

E é por isto que não tenho nada a escrever ao Mundo.

29.7.19

em dia de IMI

pai estado que estas em nos
damos hoje loas pelos teus braços
sem cujo amplexo estariamos sos
desnudos de rumo, luz e laços

o braço fiscal que nos poupa ao mal
o braço de toga, que nunca se arroga
de cercear o braço da secretaria
longe da qual qualquer um morreria

pai estado, alberga bem as tuas vagens
somos nada debaixo do sol abrilino
não nos tires citações, portais e portagens
e conserva o contribuinte em cada menino

23.8.18

do meu vazio que nao se estancava
esculpiste a paixão como Deus a ama
nas minhas mãos o teu mar desaguava
na minha boca, a tua chama

pelo quarto perdura o pó do prazer
a casa estremece ainda com os sons
por ti vertidos na libertação
por mim bebidos da tua monção

antes de ti era o frio céu sem estrelas
quando inexistias, apenas degelos
pontuavam dias, lúgubres celas
antes da salvação ardente nos teus cabelos.

25.2.17

worst.date.ever i thought nothing could taste worse than the reek of long, unwittingly dead tobacco breeding into the car seats not satisfied with having torn apart every wall seam brick tile and glass then she says oh wait this i have to take it's my ex not the ex, just another ex whose exdom is kinda recent but y'see i'm under construction right you should not bar y'self from construction and exs are like parts that you must hang on to nothing i lived you see is ever done with ever finished, otherwise i'd be finished that's one of the moments when the nicotine and tar kick into my health sense wrecking the peace, those finely tuned stanzas here see? this line just went off and her comm link rings again tied to infinite humanity like algae it's my son, oh, wait, wait, wa wait, wait he wants his appointment scheduled, with a dentist, it's he's i'm he just turned thirty, his dad that's my Ex, he never (eyes glaze) ((mine)) but you and i we are so different in that your foundations allow for, and i quote from roman law no room for anything but the rule my left foot twitches and remembers how as a kid i saw daniel day lewis playing christy someone his father wrote about years and the bleeding that comes with the writing of years it was a nice movie several irishmen drank and smoked but the couch and the walls did not take in the stench from the stubs i say you should go, let's have dinner someday always the gentleman never wishing to be even close to the cavalierdom which furrows under the skin of most latinos how quaint she says that one can go on on one's own gender not being something you build without for a moment stopping to see that all the exs are exs no? we hug the engine drones up, maybe nothing will come of the wheezing noise on cold damp days after the last fix whatever happened to people - unrelated, i surmise, to this here tall glass - since blowing soap bubbles was as cool as any sunset complete with orange peel and kisses must have creeped upon everyone ever so slowly

14.2.17

Even this late it happens:
the coming of love, the coming of light.
You wake and the candles are lit as if by themselves,
stars gather, dreams pour into your pillows,
sending up warm bouquets of air.
Even this late the bones of the body shine
and tomorrow's dust flares into breath.
- Mark Strand

31.8.16


Every day after this world
is done with its preaching
we exhale and hand over
our stronger ties
unconscious and dilluted
whatever that might mean
or maybe not ever, sometimes
we hand over the anchor
of promising hope
for pursed lips
and white smiles
over glittering counters
we arrive still tied to the knot
of too many left hands
clutching an ankle in hunger
as the road winds down
all operations halted
by the executive board
since arrival comes too soon
and there were things
in the scrubland to begin with
so nothing is left to us
but to soak it down and surrender
for a dawn falling short
of yet another solo sunrise
say the word unshaven for me
facing another mirror,
say that daybreak has missed
its connecting flight
we do not know
every day
we do not know
still
some things are amiss
and neither of us quite dead yet.

23.7.16

wish I met you when I was twelve
petals, flower buds and many a drop
of rainbowed strolls away from our
grandmothers would have tinted
every sunset and every whiff
of summer 's end with the promise
of neverending youth
unrelenting rebirth.

17.6.16

agora o quarto é maior do que a morte
e qualquer rua ou estrada onde eu te beije
será a nossa casa plena de humores
da alvenaria com que fazes os muros
por cima dos quais a criança em ti salta

agora ainda tenho vontade da tua boca
e nada nos lençóis cheira a anteontem
quem quer que aqui entre saberá da pele
deixada por nós no dia zero do amor
a verdade passou a escrever-se deitada

agora o teu auge continuo
agora noite sem data
agora crer
agora recomeçar

3.6.16

quando o silencio perene e feroz
 das florestas por mim reclama
vem de dentro uma velha voz
vem a furia acalentar esta chama
e deliro com a ideia de ti esvaída

em sons e suor que jorram dos poros
abertos ao fremito dos meus dedos
onde segregas os teus tesouros,
onde assalto o reduto dos medos
e te seguro em dolor, possuida

como se a pele fosse um sol
saciando ate ao fundo
todo o celestial rol
toda a fome do mundo
a celebrar a teimosia da vida.

5.4.16

- Bom dia e bem vindos ao Forum, o nosso convidado de hoje é Ibrahima Khalid el-Brusseli ibn Khaled ibn Mussa ibn Pierre, burgomestre de Jalojamilamilobalabad (anterior Antuérpia) que aceitou gentilmente a nossa proposta de conversação entre a terceira e quarta orações do dia. Olá, burgomestre, muito obrigado por estar aqui. 

- Alá assim o quis. 

- Burgomestre, começaria por uma notícia de ultima hora, que nos dá conta de um incidente na sua cidade, em que um grupo de doze jovens recusou deixar-se violar. Tem conhecimento desta situação?

- Sim, isso já está resolvido, pela graça do profeta. Tratou-se de uma emergência sexual colectiva por parte dos estudiosos da terceira madrassa que abriu agora - estamos a receber muita, muita gente nova, puros e impuros, dos que se convertem - e terá havido alguns erros de interpretação da escritura por parte dos destinatários passivos da vontade de Alá, mas a autoridade integradora agiu a tempo; já foram todos enviados para a Escola da Verdade mais proxima, onde estao neste momento a ser violados ate que compreendam que nao ha outra forma de todos vivermos em sociedade, que caso contrario nao teriamos chegado aqui.

- Burgomestre, e as necessidades dos vossos eruditos? Ja foram satisfeitas?

- Sim, sim, populares, para nosso agrado muitos ainda do tempo em que este territorio nao era parte do califado, trouxeram-lhes oferendas. Algumas ate eram virgens. Nao se preocupe. Alá o tenha em boa conta pelo seu cuidado. 

- Burgomestre, como é que surgiu esta ideia das Escolas? Sei que as há da Verdade, da Pureza, do Fogo Que Mata o Ímpio, da Encadernação Obsessiva, da Cópia com Sangue... como é que surge tudo isto?

- Bom. Nós pegámos no excelente trabalho que vocês tinham feito antes, com os vossos infiéis, aqueles que comiam sal, fumavam tabaco, bebiam cerveja, nao se prostravam no angulo certo, trabalhavam para se vestirem e às suas famílias sem pagar o noventaenovízimo - como se fosse Socio-Corânico, o profeta unja o nosso partido integrado, deixar mais de 1% do rendimento nas maos de cada um - e com fundos do Califado (aquilo que dantes era gasto em invencoes posteriores à morte de Maomé, logo inuteis, ainda vocês eram europeus) fomos logo criar emprego nas obras, na construcao das escolas, como forma de integrar os descendentes da vossa antiga raça. Isto nao é xenofobia, é direito natural e divino, se assim nao fosse Alá nao o teria dito. 

- Burgomestre, muito bem. Já ouço o chamamento do Muezzim, pelo que lhe agradeço esta curta entrevista e em nome de toda a equipa que realizou este programa, deposito nas suas mãos um tapete de oração, cosido à mão pelas mais belas futuras concubinas do Emir, em cor verde-wahabita, e debruado a cabelo de sacerdote cristão. Alá o tenha.

- Alá é grande. Não se esqueça de declarar que de todas as vezes não me chamou Burgomestre em árabe. Problemas sao de evitar. 

8.9.15

I could praise you once with beautiful words ere you came
And entered my life with love in a wind of flame.
I could lure with a song from afar my bird to its nest,
But with pinions drooping together silence is best.
In the land of beautiful silence the winds are laid,
And life grows quietly one in the cloudy shade.
I will not waken the passion that sleeps in the heart,
For the winds that blew us together may blow us apart.
Fear not the stillness; for doubt and despair shall cease
With the gentle voices guiding us into peace.
Our dreams will change as they pass through the gates of gold,
And Quiet, the tender shepherd, shall keep the fold.

- George William Russell

6.8.15

Navegar a intrincada malha de urbe, pós-urbe, meta-urbe e para-urbe que interliga o Cassapo com a Charneca de Caparica pode constituir um desafio colossal, cosmogónico mesmo, para o rural homem anti-hodierno que pugna por ser deixado em paz na forma activa, passiva, transitiva, utente e paciente.

Dito isto, chegar ao atrivm do restaurante Simão & Filhas, na Rua dos Castanheiros 58 (2815-311) é uma retracção epifânica que expurga todas as fugas passadas, presentes e hipotéticas à realidade: ali te sentas, ali te servem e comerás à saciedade da melhor e mais irregulada cozinha que esta tribo te pode dar.

A atenção e habitacularidade caseiras só encontram coisa que as sobrepuje no instante em que ao termo "sobremesa" é renovado o sentido etimológico, de dominar, compor, campear, encimar a tábula onde atempadamente e sem delongas ou perdas aquilo a que cheira, e que bem que cheira, se fez presente. Peço uma mousse de côco. Comparece límpida, leve, desaçucarada, fofa, aérea, natural, trazida com paixão e humor. 

É uma composição da mais primordial engenharia libertária. É uma ode ao bom gosto.

Ide ao Simão, que só serve almoços, sobretudo durante os dias tidos por úteis. A mim custa-me imaginar melhor troca de euros etéreos por conforto salvífico, e se agora em pleno estio é assim, mal posso esperar pela estação agreste.

3.8.15

no mapa do meu inferno pessoal
há um défice externo colossal
que corre termos no eterno tribunal
do Homem de bem, moderno e social

montículos de merda ocupam o ecran
a papoila, o punho, a coligação e o PAN
sente-se o atraso na epoca de incêndios
vermes cavam toca e preparam estipendios

desde que partiste, ha sempre um entrave
(faz agora dois anos que sobra uma chave)
para voltar à forma, a correr e àquele dia
em que nada faltava e nada mais queria

muito bom dia senhor passageiro
insira cartao, senha ou dinheiro
folgamos em sabe-lo medicado
viaje tranquilo à sombra do estado

atencao à passagem
de um comboio sem paragem
repleto de gentes felizes
contribuintes sem deslizes

nao conduza, a sua vida perdura
acautele uma velhice segura
1357 canais e chazinho de tilia
e talvez no fim um medico de familia

aceda toda a informacao oficial
pelo ar, em papel ou formato digital
e em prol das nossas belas criancas
registe-se ja no portal das financas

mesmo que a vida lhe pareca triste
lembre-se que ao menos o parlamento existe
usufrua em pleno dos dias mornos
antes de dar um tiro nos cornos

30.7.15

vilanela para a assembleia destituinte

mais um dia neste hemisferio oeste
nao ha ca nada que eu nao deteste
livros escritos por ladroes eleitos
numa praia urbana de lares desfeitos

outro round de calor insano está garantido
mães solteiras do cacém com o miolo ardido
e empresárias que só se vêm com marroquinos
mais um dia nesta terra de perfeitos suínos

mais um dia no calabouço inane do socialismo
a europa paga, o tuga gasta e reina o autismo
sucedem-se as selfies vãs por elogios baratos
os jornalistas cumprem o seu dever de mainatos

o messias a cavalo nos comodismos da cidade
conquista votos entronizando a mediocridade
o erário assegura o conforto mental de abortar
mais um dia neste limbo entre morrer ou matar

mais um dia na incerteza da hora H
a chuva, se existe, não anda por cá
os anestesistas de serviço acreditam
nas frases loucas dos idiotas que citam

ninguém nos inspira um sorriso
outro sinal claro de saturação
a manada segue tilintando o guizo
mais um dia à espera da destruição.

2.7.15

You shall thank your gods,
if they force you to go
where you have no footprints
to trust to.
You shall thank your gods,
if all shame on you they pin.
You must seek refuge
a little further in.
What the whole world condemns
sometimes manages quite well.
Outlaws were many
who gained their own soul.
He who is forced to wild wood
looks on all with new sight,
and he tastes with gratitude
life's bread and salt.
You shall thank your gods,
when your shell they break.
Reality and kernel
the sole choice you can make.

- Karin Boye

17.3.15

Young wills whine
like masterless spears.
Fear has hurled them
into space’s spheres.
Trembling with battle
and strength in surfeit
they seek targets to strike
they seek powers to worship.

But wills that ripen,
they become trees and strike root,
ready to shield
a land at your foot,
a small stretch of ground,
but necessary, like life,
where something precious grows,
torn by the winds’ strife.

If the glade seems narrow
against space without end
and the tree perhaps lifeless
against spears that blind,
then forget not the leaf
with its life-green colour,
and forget not the sap
that seethes through the marrow.

Be not afraid, be still
that harvest night,
when the voices say:
‘Your bounds are set.
You too shall be silent
among the watching faithful.
You also shall strike root,
and become tree, and ripen.’

- Karin Boye

2.3.15

under red and violet vespers
the wire coils scatter horseflies
lingering like tiny concertina suns

against the freshly painted (again)
wall where ivy and woe, not epitaph
have taken root - has anyone else

taken root as a hedge of evergreen
thorn, branch, leaf, bramble and spike
within, perpetual scorching air guides

most people raise colossal battlements
to keep the enemy abroad - finding peace
I build, improve, expand and fortify
so that the enemy remains within.

18.1.15

AN AUTUMN COTTAGE AT BASHANG

After the shower at Bashang,
I see an evening line of wildgeese,
The limp-hanging leaves of a foreign tree,
A lantern's cold gleam, lonely in the night,
An empty garden, white with dew,
The ruined wall of a neighbouring monastery.
...I have taken my ease here long enough.
What am I waiting for, I wonder.

-Ma Dai