29.1.09

Filantropia

Inquérito a “casas” de Sócrates na Guarda não ouviu ninguém e ignorou autoria 
29.01.2009 - 09h05 José António Cerejo

Praticamente um ano depois de o PÚBLICO ter revelado que José Sócrates assinou, na década de 80, dezenas de projectos de casas feitos por colegas seus, que estavam impedidos de os assinar por serem funcionários da Câmara da Guarda, o inquérito ordenado pelo presidente desta autarquia foi ontem dado como concluído.

O relatório apresentado na reunião do executivo municipal resume-se a 22 páginas em que os autores, todos altos quadros do município, se limitam a concluir que os processos de Sócrates tiveram um tratamento “similar” a outros da mesma época. Sobre o essencial, que são as chamadas “assinaturas de favor” de Sócrates - que foram confirmadas ao PÚBLICO por alguns dos verdadeiros autores dos projectos -, o texto nada diz.

Para chegarem às suas conclusões, os relatores pouco mais fizeram do que olhar para as datas de entrada e deferimento dos projectos correspondentes às 22 fotografias divulgadas pelo PÚBLICO em 1 de Fevereiro de 2008, e retirar, num ou noutro caso, meia dúzia de linhas cirurgicamente escolhidas dos pareceres dos arquitectos da câmara, que muitas vezes arrasavam os projectos assinados pelo actual primeiro-ministro. Mesmo assim, numa das situações descritas no relatório fica claro que a câmara aprovou um projecto de Sócrates contra os pareceres da administração central.

Da leitura do texto conclui-se que não foi feita uma única inquirição, nem sequer aos técnicos camarários que confirmaram ao PÚBLICO que, nalguns casos, Sócrates tinha assinado, sem nada receber em troca, projectos que eles não podiam assinar.

Sobre a questão da autoria o relatório diz apenas, num contexto totalmente incompreensível, que “concluir-se-á, salvo melhor juízo decorrente da análise em curso, o seguinte: foi publicamente declarado pelo autor dos projectos a sua autoria e responsabilidade; facto que é reconhecido notarialmente em vários documentos da época, constantes dos processos”.

Acerca dos prazos de aprovação dos projectos de Sócrates, as datas apresentadas permitem concluir que, dos 22 localizados pelo PÚBLICO por amostragem, 16 foram aprovados em menos de um mês; desses houve nove aprovados em menos de dez dias e, destes, três em menos de três dias. 

De acordo com os autores, que dizer ter feito igual análise a 18 outros projectos do mesmo período mas de outros autores, “seleccionados aleatoriamente”, não há “diferenças assinaláveis” entre a forma como foram tratados os de Sócrates e estes, e os prazos de deferimento de ambos os conjuntos são “similares”.

O presidente da câmara, o socialista Joaquim Valente, que também terá sido autor de um dos projectos assinados por Sócrates, já há dias tinha dito que estava “convicto” de que “toda a legislação foi cumprida”, apesar de ainda não conhecer o relatório. Os autores concluem o documento escrevendo: “Na sequência da reunião de 14/01/2009, o senhor presidente solicitou a emissão do presente documento.”

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