8.5.09

Seis e dez num país em 2ª fila

Bem arrumado entre as linhas demarcadas no asfalto da Amadora (venho aqui porque tem de ser) leio um poema de Egito Gonçalves. Perco-me entre o vento fresquinho que entra pelo tecto de abrir e os gritos dos putos que saem da escola. De cada lado, à esquerda e à direita e à frente, há mais lugares, muitos mais lugares onde os paizinhos como eu podem arrumar os seus carros como o meu enquanto aguardam pelos rebentos. O mundo hoje, diz-se, é diferente do que era há uns anos. É possível, todos os dias ouço apelos a que o mudemos, mas acho que já mudou de mais, e por isso não lhes respondo.

Em cinco minutos a rua está cheia de carros em segunda fila, ou em terceira, pois que os seus condutores os estacionam, travados, janelas bem fechadas, de um lado e do outro da estrada. Alguns fá-lo-ão mesmo em frente a lugares que deixam vazios, não pensando em ocupá-los nem deixando que os demais o façam. 

Bloqueando a minha saída, uma senhora rotunda com sotaque de Leste responde-me (devo ter dito alguma coisa sem dar por isso) e diz que não sou democrático, que no meu lugar ela calar-se-ia e esperaria pela sua vez de sair como todos os que ali diariamente praticam este culto bizarro. 

Talvez a democracia seja isso mesmo, porque se há pessoas que não se importam de ver a sua vida atrasada para favorecer aqueles que desprezam a lógica e o senso comum, então de tempos a tempos serão eleitos para cargos de Estado toda a espécie de burlões, imbecis, criminosos ou pior. 

Nunca me senti Português (nasci aqui como qualquer enjeitado) mas hoje nasceu-me outra preocupação, que é reaprender a viver agora que cada vez menos me sinto pertença da espécie humana.

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