28.11.08

He halted in the wind, and--what was that
Far in the maples, pale, but not a ghost?
He stood there bringing March against his thought,
And yet too ready to believe the most.

'Oh, that's the Paradise-in-bloom,' I said;
And truly it was fair enough for flowers
had we but in us to assume in march
Such white luxuriance of May for ours.

We stood a moment so in a strange world,
Myself as one his own pretense deceives;
And then I said the truth (and we moved on).
A young beech clinging to its last year's leaves.

- Robert Frost
When I have fears that I may cease to be
Before my pen has glean'd my teeming brain,
Before high-piled books, in charactery,
Hold like rich garners the full ripen'd grain;
When I behold, upon the night's starr'd face,
Huge cloudy symbols of a high romance,
And think that I may never live to trace
Their shadows, with the magic hand of chance;
And when I feel, fair creature of an hour,
That I shall never look upon thee more,
Never have relish in the faery power
Of unreflecting love;--then on the shore
Of the wide world I stand alone, and think
Till love and fame to nothingness do sink.

- John Keats

11.11.08

Há 2 anos disse: "agora bom mesmo era acontecer A, B e depois C".

A aconteceu, por minha exclusiva acção.

B aconteceu, pela minha mão e com uma ajudinha do... exterior.

Entretanto hoje aconteceu C, e ficou provado

- que Deus existe,
- que afinal, desde puto, sempre tenho um jeito sobrenatural para as artes divinatórias,
- e que não sei o que terei feito, nesta vida ou noutra, para ser o receptáculo destas benesses.


Que Deus existe.

4.11.08

Ad absurdum

Dito pelos do costume, os bancos são os culpados da crise porque quiseram ganhar lucros astronómicos à conta de submeter os pobrezinhos a práticas torcionárias. Logo o Estado tem que intervir, "regulando" e tomando conta, não se sabe com que dinheiros nem critérios, da actividade bancária.

Ou seja, como os bancos deram crédito a quem não deviam ter dado, o Estado paga aos bancos com dinheiro que é sacado aos contribuintes através de práticas torcionárias, para que venham dar crédito a toda a gente.



O cinema Quarteto fechou. O Monumental cedera lugar ao imediatismo vil e deslumbrado das torres de vidro, e o Nimas, ouvi dizer, está para fechar se é que ainda permite franquear as portas.

Parece que de repente (e estou a ouvir os Einsturzende Neubauten ao vivo em Oslo, lembras-te?) o grosso da humanidade assumiu-se torpe, reles, hedonista e trocável por todos los pesos duros.

Não sei, achas que construamos um qualquer reduto mais visível que este?

Isto foi no dia em que parei ao rememorar aquele meu aluno de ontem, a quem induzem quotidianamente uma reverência porcina pelo eco das calendas no ISEG, inculcando-lhe pavor atávico perante um desvio aos cânones, e durante cujas horas me exercito nos caminhos da engenharia social para que entenda, pobrezinho, que não vale a pena saber de cor a fórmula do juro composto se não se percebe o que é o juro.

"Obama is going to pay my mortgage and gas"



"Não sei se alguém reparou, mas dizem-nos (cronistas, intelectuais, políticos e homens de rua) que se Obama não ganhar é porque os americanos são racistas ou porque houve fraude(...) Não quero imaginar o que estes tolerantes democratas se lembrarão de fazer no caso do seu santo redentor perder."

- Luciano Amaral

28.10.08

A encomendar

Objectivismo

Existe a possibilidade, não nula, de que um dia ao chegar a minha vez, eu morra.

Escolas e xamanismos à parte, não é uma perspectiva que me apeteça sujeitar a baterias de testes empíricos, nem de indução.

Advém daqui que a topologia de uma vida é, senão em universo, pelo menos num subconjunto pertinente ao vivente, finita; não contável, mas finita. E tal conduz a uma só saída, uma só conclusão:

JAMAIS PEDIREI A UM PÉ LICENÇA PARA MOVER O OUTRO, JAMAIS FICAREI TOLHIDO PELA MOLE IMENSA DAS RELATIVIDADES ENQUANTO A INACÇÃO LEVAR AO MEU PREJUÍZO,

onde se alarga o interior desse intervalo ao bem-estar daqueles que me são queridos, etc.etc., cf já foi dito elsewhere.

Um dia meu amor as lendas da paixão.

Um dia o regresso à chuva na estrada.

Blog do dia

http://outrafisica.blogs.sapo.pt/



“Espera ai, disseste que o universo aumentou 10^50 vezes em 10^-34 s ???”

“Sim, segundo alguns autores, porque há umas variantes desses números; nota que «aumentou» não é a palavra correcta, pois pressupõe que o Universo tem um tamanho finito e nós não sabemos isso, é preferível dizeres «expandiu».”

“Explicas isso depois, ainda estou a ver se dijiro o que acabei de ouvir... em relação à velocidade de expansão actual, qual é a velocidade de inflação?”

“Aí umas 10^100 vezes mais... a taxa de expansão da inflação é 10^50/10^-34/s=10^84/s enquanto o valor actual da constante de Hubble é de 2,4*10^-18/s... é mais ou menos isso.”

“10^100 ? Mas isso não é um número absurdamente grande?”

“É, a hipótese da Inflação não foi facilmente aceite, mas as observações exibem um acordo crescente com as previsões desta hipótese e nós não temos de presumir que o Universo está de acordo com as nossas ideias mas sim com as nossas observações.”

“Já estou a perceber a hipótese do Magueijo, da velocidade da luz variável... em vez de considerar que o Universo «inflou» 10^50 vezes, considera que a velocidade da luz era 10^50 vezes maior por forma a poder considerar que todo o Universo observado esteve em contacto...”

“Mais ou menos isso, creio que ele considera 10^60; só que essa hipótese vai mexer com as leis físicas já estabelecidas enquanto a da Inflação não, limita-se a adicionar mais uma partícula, o
Inflatão, responsável pelo campo que produziu a Inflação; assim o edifício do conhecimento construído fica intacto, apenas adicionamos qualquer coisa mais, o que é preferível a mexer na estrutura edificada e longamente testada.”

27.10.08

Ora isto é assim em Portugal há pelo menos 34 anos de forma instituída, e instituída sob a máscara da liberdade e igualdade... porque todos, mesmo os que não são nem querem ser capazes, têm de ter a sua oportunidade. E há muitos mais anos antes disto, mas nesse tempo aos inúteis dava-se os seus nomes por direito.

A geração que andava a saltar para cima das mesas aos berros encarnando em cada um de si o avatar d'el Che, agora, anda de fato e gravata a sorver quanto pode; a geração que lhe sucedeu anda às aranhas a gozar o bónus de poder viver na ignorância tirando ainda proveito disso. E os próximos estão tão fodidos que nem vão ter onde cair.

Daqui decorre que o mal de tudo isto, de facto os males do Mundo ou sua grande parte, é que ao contrário do que tem forçosamente de ocorrer - um exame no terreno - para que possamos conduzir um carro, são concedidos, de forma discricionária, privilégios que permitem ao mais frágil e perigoso mentecapto cometer actos de força maior, como votar (equiparando-se a outros que possam ler a realidade com maior lucidez), ocupar um posto de trabalho auferindo remuneração (excluindo desse benefício outros que possam produzir mais e melhor) e mais tarde quiçá examinar, escrutinar e seleccionar, por seu turno, candidatos às mais díspares funções.

Abstracção (II)

Vitrúvio (nome fictício) está no 12º ano e tem 18 anos. Para o ano poderá votar, e desde há umas semanas que conduz quotidianamente o carro do pai.
Presume-se que Vitrúvio deverá estar munido das faculdades básicas de cognição por forma a desempenhar responsavelmente as suas funções vitais em interacção com os demais concidadãos.


Vitrúvio não sabe bem o que quer seguir quando for para o ensino superior. Contabilidade, economia, marketing, relações internacionais ou qualquer outra ciência inexacta para cujo estudo não lhe seja requerido rigor, desenvoltura algébrica ou fuga à mediana das escolhas feitas pelos colegas e amigos com quem se relaciona.

Considere-se o seguinte problema:

Evento A: num saco certa bola é amarela
Evento B: no mesmo saco certa bola tem o número 1
Existe um evento A-e-B (ainda nesse saco) cuja probabilidade é calculável

Frente a isto Vitrúvio é incapaz, findos vinte minutos, de descrever o evento A-e-B, e de perceber, sendo-lhe dado que a probabilidade desse evento é 12.5%, que isso significa existir dentro do saco uma bola amarela com o número 1.

Recordo que Vitrúvio é eleitor e encartado para veículos automóveis.

Abstracção

O Sancho (nome fictício) tem 12 anos e frequenta o 7º ano. Nunca chumbou até aqui.

A primeira percepção é de que o Sancho está sempre cansado, a pestanejar, e não se concentra. Inquirido, diz que dorme pouco porque tem muitas actividades: joga playstation, vai a festas, faz natação e passa algum tempo às compras com a mãe, e no cinema com o pai.

O Sancho sabe calcular a área dum triângulo, mas apresenta dificuldades acrescidas em fazê-lo sem a ajuda da calculadora (mesmo quando se trata de dividir 20 por 20) sobretudo porque não apreendeu, nas aulas, que a operação inversa da multiplicação é a divisão, e a da adição, a subtracção; ademais, se o triângulo aparecer desenhado numa perspectiva ou orientação diferente, o Sancho perde um tempo considerável a tentar interpretar o problema.

Foi demonstrado ao Sancho nas aulas de Matemática como converter metros cúbicos para litros, bem como foram recebidos alguns exemplos de reduções relativas a ordens de grandeza - centímetros para decímetros, etc.. Mas o Sancho não sabe ou não compreende porque é que não pode converter metros quadrados para metros cúbicos, nem decímetros para mililitros.

Saindo um pouco do âmbito estritamente académico, o Sancho até tem sorte porque particularmente tem um pai racional e uma mãe empenhada, que não são excessivamente laxistas por isso balizando tão responsavelmente quanto possível a evolução do seu filho. Mas o Sancho pertence, e isto é que assusta, a uma minoria de uns quantos 1% ou 2% da população estudantil, sendo que há ainda menos - muitos menos - alunos que estejam a maturar melhor do que ele.

O resto anda para aí a ver os Morangos e vão provavelmente crescer para serem economistas, gestores, jornalistas ou comentadores. Ou aparadores de relva em campos de golfe.
O negócio prospera, mas porquê?

Nas escolas supostamente haverá aulas de apoio, de complemento à aprendizagem padrão que é vivida durante o horário regular. Ora, nunca houve tanta procura de explicações como este ano; constato à cabeça três factores arrepiantes:

os alunos estão mais desmiolados, infantis até aos 18 ou 19 anos - coisa por mim nunca vista antes de 2001, 2002*

os professores, se por um lado sofrem com a carga burocrática imposta pelas sucessivamente medíocres administrações ministeriais, por outro é certo que cada vez mais são seleccionados sem pensar em aptidões cognitivas e vocacionais, e sim com base em critérios absurdos como a "média a concurso" que depende primariamente da antiguidade e da classificação académica**

o desajuste entre a realidade empiricamente perceptível (através do senso comum, porra!) e os programas - sem falar nos manuais para mentecaptos - é cada vez maior***

Comentário:

sobre * - a culpa é dos papás, a quem, bastando vê-los no shopping e nos comboios, pouca mente resta depois de lidadas as contas mensais, a conversa de café com os amigos, e a dose matinal de notícias, seja ora a bola, ora as gajas, ora cosmética, ora demais mesquinhez sortida

sobre ** - conforme tenho dito, a cada eleição seu destino, "continuamos" sem perceber como é que na Noruega não existe o provincianismo pedante que por cá grassa, e que permite a manutenção de aberrações comportamentais como o constante tecer de loas a gente reles, rasa, porque mediante fax ou sms se tornaram de repente doutores, engenheiros, arquitectos, generais num enclave bantustanesco em que o ridículo deixou de ser legível

sobre *** - como te disse meu amor somos peças de um jogo em vias de extinção, não as peças mas o mote em si, e o tabuleiro é a única coisa que permanece. Mas antes, muito antes da queda meu amor, eu posso garantir-te que teremos uma palavra a dizer, senão por eles então por ti e por mim.

Link de hoje

http://www.jomfruin.is/



A seguir iremos aqui.

Até ao fim dos nossos dias

A mentira dos mercados desregulados
por Nuno Garoupa

Descobre-se que, até agora (isto é, antes da crise dos mercados financeiros), se vivia um capitalismo selvagem desregulado de inspiração neoliberal, ou, na expressão patusca do Dr. Mário Soares, uma economia de casino e de "off-shores". Infelizmente isso é uma mentira, e que por mais repetida que seja continua a ser uma mentira.

Nunca a economia esteve tão regulada e regulamentada como nos últimos dez anos. Nunca houve tanta legislação técnica, tanta burocracia, tanta regulamentação, tantas e múltiplas agências administrativas e regulatórias, tanta intervenção do mundo político na organização dos mercados. Estado regulador existe e bem forte. Em Portugal, na União Europeia (basta ver o conteúdo quase exclusivamente regulador das directivas e dos regulamentos), e não menos nos Estados Unidos. O problema não é, nem nunca foi, de falta de regulação dos mercados, mas de uma má regulação desde o ponto de vista do interesse público.

Na última década, a forte regulação exercida pelo Estado foi capturada por interesses privados bem conhecidos. Entre os favores políticos e sem a atenção aos óbvios conflitos de interesse, o poder político permitiu aos grandes interesses económicos utilizar a regulação pública para aumentar os lucros privados. Foram ignoradas as externalidades sociais para favorecer, de forma sustentada, os grandes interesses económicos. Fala-se de economia de mercado, mas isso é uma grosseria técnica. Temos, sim, uma economia de oligopólios dominantes regulada por favores políticos. No caso português, uma versão modernizada e em grande escala do Estado corporativo.

O problema é, pois, político, e não económico. A classe política, durante os últimos dez anos, conviveu, promoveu, defendeu (e em muito beneficiou) a captura da regulação pública por interesses privados. Que credibilidade pode ter agora? Como podemos acreditar que o "novo" Estado regulador não é mais do mesmo, se os personagens são exactamente e literalmente os mesmos? Muito provavelmente, os mesmos interesses políticos de sempre vão "re-regular" o que já está regulado, para favorecer os mesmos interesses económicos de sempre.

Um novo Estado regulador não exige tanto profundas reformas económicas como nos querem vender, mas, sim, significativas mudanças políticas que não se vislumbram. Veremos a seu tempo quanto efectivamente mudará, mas a minha previsão é que, no essencial, muito pouco. Esta crise nos mercados financeiros não passará de um sobressalto passageiro para os oligopólios dominantes, que, no mínimo, já conseguiram o objectivo de curto prazo, a socialização das perdas.

PS. Foi com enorme justiça que o Prémio Nobel da Economia foi este ano para Paul Krugman. Mas lê-se o muito que se escreveu na imprensa escrita e na blogosfera portuguesa, e não se acredita. Desconfio que a esmagadora maioria jamais leu um artigo científico de Krugman. Os mais sinceros lá foram dizendo que só conheciam os seus artigos no NYT (ficámos mesmo a saber que nalgumas faculdades de economia em Portugal lêem-se os artigos do NYT mas não a obra científica). Pois só a mais completa ignorância científica pode falar de um Krugman heterodoxo, arraigado do "mainstream" da ciência económica, ignorado pelos consequencialistas que dominam na academia norte-americana, e, claro, está ostracizado em Princeton. Krugman, cientista económico pelo qual merece o Prémio Nobel, é um utilitarista "mainstream" da ciência económica moderna, como são Friedman ou Becker. Para muitos, habituados ao panorama nacional, é difícil entender que ser de esquerda ou de direita é uma opção ideológica, não uma escolha metodológica. O reconhecido rigor científico e técnico dos economistas que constituem o comité do Banco central sueco é incompatível com os favores políticos ou alinhamentos ideológicos. E os artigos no NYT não são obra científica (por muito que alguns famosos economistas portugueses tenham dificuldade em o aceitar, dada a dominante escassez de obra científica em Portugal).

24.10.08

Lavagem cerebral instituída




Tudo farei para que os meus filhos não sejam transformados em vegetais sem espírito crítico.
"There will be more margin calls today and something sinister is brewing."

- Tom Hougaard
Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

- William Ernest Henley
Em sobressalto

As notícias me sobressaltam. Dia a dia
cada vez mais terríveis.
Brotam da terra pelos poros
entram pela janela em silvos ásperos
fazem pilha no chão em letras tortas
caem das nuvens em mortalhas.
E já são outras realidades apostas
ao retoque dos memorandos
às interpretações da ribalta
ao sortilégio da casa dos contos
ao ruminar dos bois — fuga e refúgio.
Em confronto são dúbias
precipitam-se acotovelam-se
em contramarcha se repelem.
Na deturpação do humano
anunciam com alvoroço
através de pinças de fogo
em cartazes de gelo
— o suicídio da multidão em nome de Deus
— o império do vício em nome da Arte
— o sequestro do juiz em prol da Justiça
— o arremesso de touros em via pública
para a alegria dos que se salvam.

Recuso-me a acreditar nas notícias
mas elas se impõem de cátedra
com implacável desfaçatez
talvez para convencer-nos
de que somos todos culpados.
Agem assim como tóxicos
impunemente sorvidos
nas delongas do tédio.
A busca de notícias é um mórbido
caminhar para a cruz
Sem embargo as procuro com empenho
na expectativa tantas vezes vã
de que à noite se mudem
na reparação no contraveneno
das notícias colhidas pela manhã.

- Henriqueta Lisboa

16.10.08

Abjecção

Isto é real. É uma "sessão de formação" paga a peso de ouro com dinheiro dos contribuintes, para fomento da propaganda infantilizante do Governo, e estas pessoas desprovidas de coluna vertebral são "professores", que "ensinam" os nossos filhos.
Isto, repito, é real.




14.10.08

Link do dia

"Quando esta crónica foi publicada na LER, recebi mensagens a perguntar que história era aquela de, em 1982, os portugueses terem dificuldade em comprar (sem esquemas pelo meio) whisky ou bacalhau. Agora que pus o texto em linha, novo coro de perplexidade. Como os e-mails não trazem agarrada a idade do autor, presumo que seja malta nova, habituada desde a puberdade a ver em qualquer hiper oitenta marcas diferentes de whisky, whiskey e bourbon, uma dúzia de espécies de bacalhau (seco, fresco e congelado), e por aí fora. Pois é. E não era só o whisky e o bacalhau. Era também o arroz. Exactamente: o arroz. Em Cascais, onde então vivia, a Casa Príncipe, o Fauchon lá do sítio — transformada em agência Nova Rede no tempo em que a Nova Rede engolia tudo; já não existe, o Millennium extinguiu o segmento Pobrezinhos —, arranjava embalagens “de agulha” para clientes habituais. Já não falo de artigos de luxo, como queijos e champanhes franceses, chás ingleses, chocolates belgas, salmão escocês e produtos similares, todos de importação, que hoje encontramos ao virar da esquina. Onde é que eu quero chegar? À crise actual. Hoje não temos uma crise cambial, mas contra a falta de liquidez pouco podemos. No fundo, para que serve a garantia de 20 mil milhões de euros dada ontem pelo Estado, na pessoa do ministro das Finanças, ao sistema bancário? Serve para garantir o padrão de consumo dos últimos vinte anos. Padrão de consumo em que o crédito à habitação tem parte de leão. No início dos anos 1980, quando o crédito à habitação ainda não tinha começado a “democratizar-se”, as condições de concessão tinham um código espartano: praticamente sozinha no negócio, a Caixa Geral de Depósitos não tinha pressa (com cunha, a coisa resolvia-se em 3 meses; o normal era o dobro), a situação financeira do interessado era esmiuçada, o montante concedido não excedia 80% da avaliação do imóvel, o prazo da hipoteca não excedia 20 anos, etc. Ninguém sem emprego estável (no Estado, na banca, em empresas públicas ou firmas sólidas) há pelo menos 10 anos... se atrevia a pedir um empréstimo. Depois foi o bodo aos pobres. Nos últimos seis ou sete anos, gente desempregada, ou com emprego precariíssimo, fechou empréstimos em 48 horas para comprar andares com pavimento ondulante, lareira de granito, banheira de hidromassagem, tectos estucados, cozinha hi-tech, luz regulada, vidros duplos, estores eléctricos, garagem para dois carros, etc. Pais que na véspera se queixavam do desemprego da Xana ou do João, taditos, «tiraram relações internacionais e não arranjam nada», gabavam-se no dia seguinte do T3 que a Xana ou o João tinham comprado em Telheiras ou no Parque das Nações, não por irem constituir família, mas por terem direito... à sua privacidade (ou seja, à queca do fim-de-semana). Ouvi conversas destas até à náusea. Receio bem que este padrão tenha de mudar. Porque se o aval de 20 mil milhões de euros servir para garantir o país do faz de conta, então caminharemos alegremente para o abismo."

- Eduardo Pitta

13.10.08

Aforismos

A mentalidade de "bailout" preconizada pelos governos da Europa é a mesma seguida pelas escolas que passam alunos sem estes saberem o mínimo da matéria.

10.10.08

Admito: nunca tinha visto.


DJ EURO STOXX 50 € Pr2,330.38-298.66-11.36%09:37
FTSE 100 INDEX3,892.36-421.44-9.77%09:36
CAC 40 INDEX3,055.39-387.31-11.25%09:36
DAX INDEX4,335.98-551.02-11.28%09:36
IBEX 35 INDEX8,852.00-1,050.90-10.61%09:36
S&P/MIB INDEX20,279.00-1,592.00-7.28%09:31
AEX-Index255.68-26.29-9.32%09:36
OMX STOCKHOLM 30 INDEX626.08-32.99-5.01%09:50
SWISS MARKET INDEX5,289.70-509.14-8.78%09:36

I could not decipher the living riddle of my body
put it to sleep when it hungered, and overfed it
when time came to dream

I nearly choked on the forked tongue of my spirit
between the real and the ideal, rejecting the one
and rejected by the other

I still have not mastered that art of storm-riding
without ears to apprehend howling winds
or eyes for rolling waves

Always the weather catches me unawares, baffled
by maps, compass, stars and the entire apparatus
of bearings or warning signals

Clutching at driftwood, eyes screwed shut, I tremble
hoping the unhinged night will pass and I remember
how once I shielded my flame.

- Yahia Lababidi
Pedro Lomba no DN:


"Sejam bem-vindos ao regresso do Estado. Foi isso no essencial que ontem anunciou José Sócrates no Parlamento durante o debate sobre a crise financeira. O primeiro-ministro não resistiu, como muitos humanamente não resistem, a um vago número ideológico. Acabou-se o fundamentalismo do mercado, a regulação "permissiva", o Estado mínimo. Sejam bem-vindos portanto a um mundo onde o Estado está de volta. Onde andava ele antes, apetece perguntar, que não o conseguíamos ver? Durante décadas, a economia mundial cresceu graças ao crédito fácil e democratizado, à energia barata e aos juros baixos. Mas tudo isso já deixou de interessar. Agora abram portas, acomodem-se, pacifiquem-se: vem aí o Estado, vêm aí a "mão visível".


Comecemos por recordar o óbvio, já que o óbvio precisa agora de ser recordado. Não falo da América. Os mercados financeiros americanos andaram, sim, anos e anos numa roda-viva especuladora. Não que estivessem desprovidos de uma infinidade de regras e regulações. Mas, com a passividade e incompetência das autoridades centrais de fiscalização, não respeitaram essas regras e devem ser punidos por isso. Obama está certo: nem um cêntimo dos planos de recuperação para os executivos da banca de investimento responsáveis por esta balbúrdia. Ajude-se quem foi apanhado pela voragem e não tem culpa.

Mas viremo-nos para Portugal porque ainda vivemos em Portugal. Sejam bem-vindos, dizem por aí, ao regresso do Estado. Ao Estado regulador mas também, como advertiu Sócrates, ao Estado investidor. É caso para algumas perguntas soltas: houve por acaso algum momento na História da democracia portuguesa em que o Estado não esteve omnipresente na vida económica e social? Algum dia Portugal conheceu o Estado mínimo e a desregulação sistemática de que falava ontem, em tom acusatório, Sócrates? E pode um país que chegou tarde ao mercado, tal como chegou tarde ao Estado social, meter--se em ataques tontos à "ideologia" do mercado? Tudo se admite de Jerónimo de Sousa, mas espera-se mais de José Sócrates.

Em épocas de crise, é sempre tentadora a demagogia. Não haja dúvidas: vem mesmo aí o Estado; está aí o Estado. E muita coisa irá evoluir na regulação nacional e internacional do sistema financeiro. Os mercados vão mudar, como os Estados vão mudar. Mas o Estado está aí para o que primariamente serve e não pode nunca deixar de servir: acudir a crises, garantir a segurança de pessoas e bens, impor o bem comum, proteger os mais dependentes, repartir os sacrifícios nos tempos complicados. Essa é ainda felizmente a nossa tradição histórica. O discurso de um Estado contra o mercado é que não nos serve de nada. Oportunismo ideológico não nos serve de nada. O "espectáculo" de Sócrates ontem na Assembleia não interessa."

7.10.08

Este país não é para velhos

"As flores mais belas estão plantadas no limite de uma escarpa."
- Stendhal


Sabes que gosto de céus plúmbeos e ventos ferozes. Dos dias cinzentos e frios costumo dizer-te, ao corpo e ao coração, que me fazem sentir justiçado perante o resto da humanidade, como se o mundo mostrasse às pessoas quão vãs as questiúnculas que as regem, e quanto de imponderável há numa hora de estrada.

Vejo patrulhas da GNR caçando multas à beira das portagens na Vasco da Gama, enquanto ladrões e assassinos dormem - sonharão - impunemente à espera do próximo golpe. Ao chegar a casa até a senhora da loja dos móveis bate, por trás, no meu carro (sem danos neste, sem danos neste) e nem isso me afasta do sentimento que trago hoje: só não quero que os nossos filhos herdem esta noção doentia que tudo isto é normal, que este mal vivendo é defeito menor entre horrores impronunciáveis que grassam noutra parte.

Parece-me cada vez mais claro que o relativismo só funciona para dirimir as depressões dos que estão muito bem; para quem estiver entalado na selva que avança, o melhor é mesmo andar de olhos bem abertos e dar o menos possível nas vistas.

Thoreau era capaz de ter qualquer frase aplicável a estes dias.

(de)FORMAÇÃO «MAGALHÃES»

por Paulo Carvalho


"Sou coordenador TIC do meu Agrupamento de Escolas e fui convocado para me deslocar ao parque tecnológico de Cantanhede para receber formação sobre o tão propalado portátil Magalhães. Lá fui eu para dois dias de trabalho, cujo programa era, em 90%, composto pela expressão « jornada de trabalho com a Intel»:

Hoje estou aqui para relatar aquilo que se passou naqueles dois dias, e se o estou a fazer, é porque algo de relevante se passou.

Pelas reacções que tinha lido nos fóruns relativamente às mesmas sessões de Porto e Lisboa, já ia a contar que aquilo não seria o que eu esperava; mas longe de mim imaginar que iria assistir a uma coisa absolutamente surreal.

Primeira nota triste do evento: a organização distribuiu «pen drives» de um Gb, oferta da Intel contendo toda a documentação. Acontece que tinham umas 100 unidades para dar a 200 pessoas. Claro que metade (incluindo eu) ficámos a ver navios, havendo dignos colegas que se assambarcaram de duas ou mais, facto que também não me causa qualquer espanto. Mas para a Organização tratou-se de mais uma normalidade!

Comecemos pela manhã de Quinta-feira, onde fomos levados, em grupos, para pequenas salas do complexo, onde supostamente nos iriam ser dadas directrizes relativamente ao Magalhães e às suas potencialidades em contexto educativo, para nós transmitirmos aos professores do 1º ciclo. Aliás, esse deveria ter sido o grande objectivo deste encontro; recebermos formação para a replicar junto das escolas envolvidas.

Ao invés disso, e para ser muito mais sucinto do que gostaria nesta crónica, somos brindados com apresentações de powerpoints em português, lidas em Inglês com sotaque russo, traduzido por senhoras contratadas para o efeito, como se nunca tivéssemos ouvido uma palavra em Inglês na vida e como se isso fosse o entrave à formação. Num parque dito tecnológico, as redes funcionavam mal ou não funcionavam, ninguém sabia ligar, o senhor russo ia ironizando como se estivesse num país de 3º mundo e a senhora tradutora ia tentando fazer a uma espécie de ponte entre surdos mudos. A seguir, mais um estrangeiro qualquer a debitar informação em inglês sobre um powerpoint em português e depois apareceu um brasileiro (ena!!! Um brasileiro!!!) mas que nada de útil nos transmitiu.

Ou seja, depois de uma manhã onde absolutamente ninguém aprendeu nada de útil sobre os Magalhães que qualquer jeitoso de informática não domine, ninguém imaginava que o pior estava para vir.

Eis que pelas 14 horas iria começar uma das melhores sessões de circo a que os meus olhos assistiram até hoje. O speaker de serviço que ostentava na lapela uma identificação de uma empresa que não conheço, mas que nem era do ME nem da Intel nem da JP Sá Couto, apresentou as três senhoras que tinham vindo expressamente dos States, com chancela da Intel, para nos brindarem com uma sessão de trabalho inolvidável. Eis que aparecem 3 senhoras com ar de quem está reformado há 20 anos, nos EUA, mas que em Portugal estariam no auge da carreira. Depois das simpatias ao país e de demonstrar que nada de útil iriam transmitir, resolveram propor aquilo que as trouxe ao, pensam elas, Burkina Fasso da Europa. Desde logo me demarquei e senti vontade de abandonar a sessão, mas os colegas… ah e tal… esquece isso… e tal…. Não te enerves… isto é sempre assim… e tal! Continuei a assistir e a incredulidade ia aumentando.

Aquelas 3 senhoras, acham que uma sessão de trabalho com a Intel é propor a 200 professores que inventem uma cantiga ao Magalhães, e se possível com teatro à mistura. Como eu e mais alguns colegas (muito poucos) mostrámos alguma estupefacção pelo que se estava a passar, uma das senhoras americanas apressou-se a dizer, bem alto e em tom ameaçador, que quem não participasse não seria incluído no sorteio de um Magalhães que iriam oferecer.

E, meus caros leitores, era ver 200 professores imbuídos naquela actividade com todo o afinco; sei que muitos grupos trabalharam online pela noite dentro e ao outro dia de manhã, os meus olhos ficaram estarrecidos com a produção apresentada. O desfile dos «trabalhos», (era assim que lhe chamavam) começou, e desde o malhão do Magalhães, até à vida de marinheiro do magalhães, passando por coreografias com adereços circenses, tudo de «útil» passou por aquele palco, até as náuseas me obrigarem a sair. Apenas voltei a entrar para ir junto da senhora que tinha o saquinho das senhas para o sorteio e dizer-lhe que não iria colocar lá o meu papelinho.

Conclusão: à bela maneira dos professores portugueses, que são exímios na arte de obedecer, mesmo não concordando, e na arte de produzir conteúdos, ainda que lúdicos (pena ter sido num contexto absurdo), toda a gente parecia achar aquilo ridículo, mas apenas eu e o meu amigo Paulo Pereira resolvemos sair e mostrar a nossa indignação a uma senhora da DREC que, educadamente, tal como eu na abordagem que lhe fiz, esgrimiu as fundamentações para aquelas «sessões de trabalho com a Intel».

Salvou-se a Microsoft e a Caixa Mágica que, na sexta à tarde, nos mostraram, finalmente, algo de útil; no final pedi a palavra para dizer que apenas aquela tarde se tinha salvo no meio das inutilidades que caracterizaram aqueles dois dias, o que, pasme-se, faz arrancar um caloroso aplauso da plateia.

Alguém me explique como se eu tivesse 8 anos, como é possível convocar 200 professores para dois dias de trabalho com a Intel, com a apresentação do «Magalhães» em pano de fundo e, basicamente, 3 senhoras americanas, apoiadas por pessoas de… uma empresa (!), gastarem um dia a obrigar-nos a produzir teatrinhos e cantigas para miúdos de 6 anos, outro meio dia gasto com russos a lerem powerpoints em pseudo inglês, escritos em Português, com tradução por senhoras contratadas.

Como professor e coordenador TIC senti-me vexado nestes dois dias. Aquelas senhoras devem pensar que somos um bando de imbecis e nunca vimos um computador na vida; tudo isto pago pela DREC, cuja Directora, no final, enalteceu o evento.

Relativamente aos meus colegas, mostraram, como sempre, que tudo são capazes de fazer, mesmo o ridículo, mas ficou, essencialmente, a prova de como não há-de o Ministério fazer de nós gato-sapato a seu bel-prazer!!!"

1.10.08

Alexandra




De Aleksander Sokurov.

Seven Brothers



John Woo - conceito

Garth Ennis - script

Jeevan Kang - arte

Alice no país dos comunicadores

No Outono de 1989 conduzi na RTP os debates entre os candidatos a Lisboa. O grande confronto foi PS/PSD. Duas candidaturas notáveis. Jorge Sampaio, secretário-geral, elevou a política autárquica em Portugal a um nível de importância sem precedentes ao declarar-se candidato quando os socialistas viviam um dos seus cíclicos períodos de lutas intestinas. O PSD escolheu Marcelo Rebelo de Sousa.

No debate da RTP confrontei-os com a fotocópia de documentos dos arquivos do executivo camarário do CDS de Nuno Abecassis. Um era o acordo entre os promotores de um enorme complexo habitacional na zona da Quinta do Lambert e a Câmara. Estipulava que a Câmara receberia como contrapartida pela cedência dos terrenos um dos prédios com os apartamentos completamento equipados. Era um edifício muito grande, seguramente vinte ou trinta apartamentos, numa zona que aos preços do mercado era (e é) valiosíssima. Outro documento tinha o rol das pessoas a quem a Câmara tinha entregue os apartamentos. Havia advogados, arquitectos, engenheiros, médicos, muitos políticos e jornalistas. Aqui aparecia o nome de personagem proeminente na altura que era chefe de redacção na RTP.

A lista discriminava os montantes irrisórios que pagavam pelo arrendamento dos apartamentos topo de gama na Quinta do Lambert. Confrontados com esta prova de ilicitude, os candidatos às autárquicas de 1989 prometeram, todos, pôr fim ao abuso. O desaparecido semanário Tal e Qual foi o único órgão de comunicação que deu seguimento à notícia. Identificou moradores, fotografou o prédio e referiu outras situações de cedência questionável de património camarário a indivíduos que não configuravam nenhum perfil de carência especial. E durante vinte anos não houve consequência desta denúncia pública.

O facto de haver jornalistas entre os beneficiários destas dádivas do poder político explica muito do apagamento da notícia nos órgãos de comunicação social, muitos deles na altura colonizados por pessoas cuja primeira credencial era um cartão de filiação partidária. Assim, o bodo aos ricos continuou pelas câmaras de Jorge Sampaio e de João Soares e, pelo que sabemos agora, pelas câmaras de outras forças partidárias. Quem tem estas casas gratuitas (é isso que elas são) é gente poderosa. Há assessores dispersos por várias forças políticas e a vários níveis do Estado, capazes de com uma palavra no momento certo construir ou destruir carreiras. Há jornalistas que com palavras adequadas favoreceram ou omitiram situações de gravidade porque isso era (é) parte da renda cobrada nos apartamentos da Quinta do Lambert e noutros lados. O silêncio foi quebrado agora que os media se multiplicaram e não é possível esconder por mais vinte anos a infâmia das sinecuras. Os prejuízos directos de décadas de venalidade política atingem muitos milhões.

Não se pode aceitar que esta comunidade de pedintes influentes se continue a acoitar no argumento de que habita as fracções de património público “legalmente”. Em essência nada distingue os extorsionistas profissionais dos bairros sociais das Quintas da Fonte dos oportunistas políticos que de suplicância em suplicância chegaram às Quintas do Lambert. São a mesma gente. Só moram em quintas diferentes. Por esse país fora.

Quote do dia

"Os manuais escolares são das publicações mais atentas às alterações no poder."

- Helena Matos

26.9.08

E quando tudo arde, tu e eu permanecemos.


E porque é grave que ninguém repare nisto,

Parabéns ao Blasfémias, e ao Gabriel.

O país está perigoso.

A propósito da ERC...

“A memória das pessoas é muito fraca. Passados seis meses já ninguém se lembra.”

- Jorge Coelho

(ex-responsável pela queda impune da ponte de Entre-os-Rios, responsável pela frase acima transcrita e também por ter dito "quem se mete com o PS, leva", um exemplo acabado de como cada povo tem o que merece)

"É urgente reforçar o peso científico dos programas. Os alunos não têm que passar mais tempo nas aulas: basta diminuir a carga, de resto muito ideológica, das áreas curriculares não disciplinares. A disciplina de Português não tem que ensinar tolerância e multiculturalismo, mas gramática e ortografia. A disciplina de Matemática não tem que ensinar a respeitar a opinião dos outros, mas que 1+1=2 (independentemente das opiniões). Só uma escola onde se ensina que 1+1=2 pode ensinar o respeito pelos outros. Porque respeita o conhecimento, respeita os alunos, respeita as famílias e respeita os contribuintes que a pagam."

- Pedro Picoito

Quote do dia

Não querendo lateralizar o importante, basta lembrar o anúncio do "Magalhães" como "Primeiro computador portátil português" (sic), se além de mentiroso o aspecto não era importante, não se percebe o seu exacerbado destaque; quanto ao rapidamente a ficar famoso "controlo parental", se é tão banal programa, menos se entende que não venha previamente instalado num computador destinado a crianças de tão tenra idade.

Até podia juntar mais um aspecto seguramente lateral, que é a existência de redes wi-fi nas salas de aula, cujos efeitos das suas ondas nas crianças se desconhecem, ou pelo menos desconhecem o suficiente para que a Cisco e outros fabricantes não assumam qualquer responsabilidade presente ou futura (nas letrinhas pequenas que acompanham os equipamentos). Noutras paragens, até se exige o desmantelamento dessas redes nas escolas (http://www.timesonline.co.uk/tol/life_and_style/education/article642575.ece). Os pais, tão atentos à radiação das antenas de telemóveis (que não querem perto de escolas), parecem não saber que a radiação das redes wi-fi é muito parecida e aparentemente pode chegar a ser três vezes mais forte que a de uma antena das operadoras de telemóveis (http://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/6676129.stm). De uma forma ou de outra, o debate existe.

Mas o principal, que me parece transparecer do que tenho lido no Abrupto, é que estando os níveis de literacia pelas ruas da amargura, os exames reduzidos a meros instrumentos estatísticos e os professores totalmente deprimidos, é se esta distribuição informática e os seus custos vão de encontro do que a escola e os alunos necessitam, ou se é meramente mais um exercício dispendioso de propaganda.

A minha opinião é que se insere numa linha de facilitismo que se desgraçadamente se instalou. É um computador atribuído sem representar qualquer tipo de esforço quer por parte dos alunos, quer por parte das famílias. De tudo o que li, ainda não percebi para que serve, de que forma se insere no programa escolar. Se é que se insere. Não percebi se será para uma disciplina específica, ou para apoio a outras disciplinas por exemplo.

- José Rui Fernandes

25.9.08

Um PM prepotente anda à chuva e molha-se...

Short

Publicado por jcd em 25 Setembro, 2008

O primeiro-ministro ficou muito indignado quando soube que existia um mecanismo chamado ’short-selling’, isto é, a possibilidade de alguém vender na bolsa aquilo que ainda não é seu. Mas se o primeiro-ministro se quer indignar com práticas correntes, não é preciso ir à bolsa. Pode indignar-se com o mercado imobiliário, por exemplo. Vejam bem que é possível comprar uma casa que ainda não foi construída. Só que não lhe chamamos short-selling. Chamamos-lhe contrato-promessa. Tanto no mercado de capitais como no mercado imobiliário, esperamos que os vendedores honrem o compromisso e tanto num mercado como noutro, se os vendedores forem à falência, os compradores terão que correr atrás do prejuízo. Outro exemplo de short-selling é a FNAC que tem por hábitos vender jogos que ainda não estão no mercado. Aqui está um exemplo.

Claro que o senhor primeiro-ministro deveria saber que corre muito mais riscos quando assina um contrato-promessa de compra e venda de uma casa que ainda está apenas no papel do que quando compra ou vende títulos a descoberto nos mercados de capitais. Mas isso são coisas muito complicadas de explicar e compreendê-las até pode tirar votos. Imagine-se o que seria dizer em público que os produtos derivados fazem falta. Que escândalo, o PM a defender a ‘economia de casino’.

Também ainda não percebi se o primeiro-ministro se indigna com os mercados de futuros. Provavelmente, se lhe explicarem para que servem tão bem como lhe explicaram o short-selling, dá dois gritos e exige medidas.

Mas o principal actor nesta história de exigir o que ainda não existe é o governo. Por exemplo, o Pagamento Especial por Conta. As empresas estão obrigadas a pagar impostos por conta de lucros que ainda não obtiveram e até podem nunca vir a obter. Sócrates devia indignar-se com isto. Devia mesmo proibir tal prática. No IVA também. O IVA é pago pela factura, muitas vezes antes de se saber se o cliente paga. Quando o cliente é o estado, o fornecedor, primeiro vende o produto, depois entrega ao estado o IVA que ainda não recebeu. Semanas, meses ou anos depois, o estado paga-lhe o produto e devolve-lhe o IVA. Podemos dizer que durante este tempo, o fornecedor ficou short no IVA e o estado ficou long no abarbatanço do dinheiro do fornecdor. Sócrates devia estar piurso com isto. Alguém que lhe explique.

24.9.08

Quote do dia

O que ontem se passou no Jornal das 13 é inacreditável: não só o governo é incompetente e demagógico, como tem ao seu dispor um bando de jornalistas nos jornais e televisão a fazer lembrar as sessões de propaganda do sr. Goebbels e do Nacional Socialismo alemão.
Senti-me idiotizado ao ver um sr. jornalista do Porto, a forçar uma criança a dizer que o "sistema do Magalhães” era mais fácil de trabalhar do que o “Windows” ou “Linux”. Só faltou uma bandeirinha na mão (talvez da União Europeia ou do PS!) e uma farda verde da União Nacional e um “S” na fivela do cinto a significar Sócrates.
- Anónimo


Arejar um bocado

NÃO ACREDITO NO QUE LI

"A Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2008-2015, a que a Lusa teve acesso, engloba um conjunto de medidas que vão ser tomadas até 2015 com o objectivo de diminuir de 850 para 579 o número de mortos nas estradas portuguesas e colocar Portugal nos dez primeiros países da União Europeia com menor taxa de sinistralidade rodoviária."

Então esta merda é assim? 579, porque poderiam ser 578, ou 580, mas não, a média estatística que emana da voz do dono é o critério último para a actuação...! Porra, é surreal, não escrevo mais nada (mentira) mas juro por todos os santinhos que a partir de agora não penso duas vezes antes de gamar uma laranja, afinal a média nacional é que conta.

Entretanto Bruxelas preocupa-se com assuntos sérios,

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1343796&idCanal=62

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1343770&idCanal=59

Porrada a rodos na margem sul


Jovens! Ou alegadamente jovens? “Signa inferre! Concursu! Ad pila!” (esta última não é o que parece)

Credincruz (para ser PC), vixe, unde é que isso vai pará?

Vou contratar o Warren Buffett para prever se o Arrastão vai escrever sobre “a repressão na margem sul que conduz a manifestações de liberdade neo-artística” ou sobre “como expurgar a culpa do que o meu trisavô fez ao trisavô dos grunhos de Corroios”.

1900 (III)

Nos últimos minutos bateu-me forte a ideia renovada de que o filme de Bertolucci, para muitos a sua obra-prima, retrata com lucidez e sabedoria, além de humor profundo, a natureza humana.

Senão vejamos: pegando no maniqueísmo persistente que domina o pensamento do eleitorado, só existe a esquerda, a direita e os outros, os neutros (não me refiro a partidos do "centro", e sim àqueles que escrevem sem dizer nada, faculdade proveitosa hoje em dia).

Assim há três situações possíveis para o futuro:

Um Estado entregue à esquerda, que é composta por pessoas aleivosamente humildes e bem-intencionadas (leia-se paternalistas e com duas caras consoante a brisa), caracterizar-se-à por uma total liberdade - de matar, roubar, procriar, comer, procrastinar, escrever, proibir - enfim, a habitual pluralidade que faz pautar os estados comunistas que o mundo conheceu, a troco da perda, também ela total, do conhecimento. Em poucas palavras, troca-se o intelecto pelo copo de vinho. Mas vinho bom, claro, que enólogos e chefs, a par dos tocadores de viola, é do que a malta precisa. Estudar e produzir é nos países onde há repressão.

Num Estado entregue à direita sucederia mais ou menos o inverso: a direita, sendo composta por pessoas com pouco sentido de discernimento para com realidades diversas das suas (designadamente "para baixo") rapidamente transmutaria a aldeia numa espécie de Metrópolis Fritzlangiana, mas sem a beleza cénica da obra citada. Os incapazes (o que é que fazemos aos inúteis? comemo-los?) aglomerar-se-iam fazendo o modelo social implodir, porque os mecanismos montados pura e simplesmente obrigam a gravitar em seu torno sem opção exequível, e os mais capazes rapidamente voltariam a fazer o que fazem hoje, ou seja, demitem-se do exercício da sua aldeania e procuram outros poisos.

Restaria pois apostar nos outros, nos neutros, como aquele pessoal que debita inanidades sobre matérias que desconhece em absoluto - artigos escritos por analfabetos científicos, ou se arvoram em edukadores expondo dois ou três lados da mesma questão sem dizer uma só palavra que conduza à reflexão.

Ou seja, o voto em branco é também em sociedade, e não só em política, a melhor opção.

Para quê mais vagas?

Lendo no Público de hoje que sobram vagas em vários cursos, entre eles Medicina e Arquitectura, sinto-me como perante uma folha de papel em branco. A banalidade medíocre das notícias, escritas pela rama, é o espelho do cerne acrítico que compõe hoje a massa humana em Portugal.

É pois natural que sobrem vagas: a infantiização dos alunos leva a que, num primeiro patamar, cheguem ao secundário habituados a raciocinar em termos de cores, formas geométricas, e outras alegorias próprias da puericultura. E depois, que cheguem ao superior pejados de laxismo, sem saber dividir 200 por 20 sem recorrer a uma calculadora, ou sem perceber que 2x = 45 é o mesmo que 45/2 = x (dados reais, obtidos empiricamente através de alunos que me passaram pelas mãos).

A investigação científica é hoje um pandemónio, entre bolsas da FCT que nunca mais chegam e cujo montante e regras de atribuição não permitem aos bolseiros uma vida condigna, chegando a ganhar menos em euros brutos e menos em meses por ano do que um caixa de supermercado; ademais, em 2006 havia faculdades onde, apesar de nada faltar à encrustada classe docente (são sempre os mesmos, ou seus correligionários que aturem a moléstia durante 30 anos até chegar a sua vez), chegou a faltar budget para papel higiénico.

E nada como rematar com a constatação de que uma larga maioria de licenciados pura e simplesmente não vai ter trabalho, uma vez que o sistema enferma, como sabemos, de nepotismo além da já clássica "fractalidade" que traduzida para o inglês, ficaria algo como "nobody's running the fucking show".


Se eu fosse extraterrestre, ficaria espantado com (V)

Um povo que se comporta de acordo com o seguinte algoritmo:

-> estamos mal -> não digam, não se apercebam, não revelem que estamos mal -> façamos de conta que estamos bem -> porque senão podemos ficar pior

-> não estamos mal -> não sabemos, não somos ninguém para dizer se estamos bem ou mal -> os outros são arrogantes, fora desta aldeia, humildade é que é preciso

Mais atávico que isto só o caso da Licenciatura Falsa.


(post a propósito da central para obter energia a partir das ondas, esse novo emblema do governo-pó-de-arroz, a cujo respeito se escreve que existe e coloca Portugal vários furos acima, sem explicar que é na escala dos que produzem as energias menos eficientes e menos fiáveis)
Penélope

Mais do que sonho: comoção!
sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço melhores dias
do nosso amor.

-David Mourão-Ferreira

22.9.08

Se eu fosse extraterrestre, ficaria assombrado com (IV)

A insistência obsessiva num sistema de crenças político-partidárias, mesmo e sobretudo perante evidências de que os mandatados padecem de claras e gritantes desvantagens intelectuais, quando não deontológicas, se comparados com os mandantes.

Se eu fosse extraterrestre, ficaria assombrado com (III)

Uma espécie que permite, na ausência de quaisquer dados científicos e empíricos que o sustentem, que uma exígua minoria declare, e consiga levar com sucesso a sufrágio, a inimputabilidade de quem atente contra a vida (por não se saber justamente se latente, em potencial ou de pleno direito) de um membro novo da mesma espécie, indefeso e incomunicável, em nome do progresso e da liberdade individual.


Se eu fosse extraterrestre, ficaria assombrado com (II)

O séquito de alminhas imberbes e impolutas que acredita, mercê da sua graça casta, não haver incoerência ou atentado ao intelecto no acto de apodar como "Geração Rebelde" um bando de personagens, fictícias é certo, cujos pais fictícios lhes fornecem dinheiro para roupinhas de marca, motas, skates, charros, copos, telemóveis e férias wherever. Não há receita como esta: é agir no sentido de propalar realidades virtuais como se da mais incrustada tradição se tratasse; o ónus do desmentido recai sobre os outros, os dinossauros apóstatas inimigos do catecismo social.

Intervencionismo, III

Estou farto de aleivosos.
Estou farto de néscios com tempo de antena.
Estou farto de ler gajos normais armados em pedagogos.


De resto, Delenda Carthago, ou mais vale sacar este texto ao Bruno Alves.

Como seria de esperar, a crise financeira tem dominado a agenda mediática dos últimos tempos. O Governo, que durante muito tempo fingiu acreditar que em nada o nosso país seria afectado por ela, usa-a agora para justificar todo e qualquer resultado “menos bom”, ao mesmo tempo que insiste que as “reformas” que levou a cabo tornam o nosso país “melhor preparado para enfrentar a crise”. Aparentemente, não ocorre a nenhum dos membros do Governo a contradição entre a afirmação de suposta fortaleza que as “reformas” construíram e a afirmação de que se elas não trouxeram bons resultados foi porque a “crise” não o permitiu. Em São Bento, nem a tempestade no mundo real faz o Primeiro-Ministro cair do Olimpo propagandístico que montou.

“Cá fora”, no entanto, a tempestade é bem real. As notícias de bancos e seguradoras a entrarem em falência assustam as pessoas, e os elevados preços de produtos alimentares ou da gasolina não ajudam a acalmar os espíritos. Tal como não se acalmam todos aqueles que rejubilam com o “colapso do capitalismo”, vendo na “crise” a Segunda Vinda do seu avermelhado Salvador (como se a primeira não tivesse dado no que deu). A maioria, felizmente, não exulta. Apenas vê na “crise” uma oportunidade para ver que “erros” se cometeram, e que “lições” daí se poderão retirar, para que não voltemos a passar pelo mesmo. Embora a sensatez de procurar não entrar em histeria seja de louvar, corremos o risco de estarmos a aprender as “lições” erradas.

Veja-se o editorial do Público do passado Sábado: Manuel Carvalho escreve que “as receitas recomendadas para debelar a crise são um claro atestado de óbito ao capitalismo libertário dos últimos anos”. Por outras palavras, a “grande lição da crise” é a de que é necessária a “atribuição de poderes mais efectivos a instâncias emanadas do Estado”, e as medidas tomadas pelo Governo americano são a prova disso mesmo. Manuel Carvalho comete aqui o erro de pensar que o facto de uma série de medidas serem relativamente consensuais é uma evidência da sua necessidade e validade. O facto de uma medida ser relativamente consensual e recomendada por muitos especialistas quer dizer apenas isso: ela é relativamente consensual e recomendada por muitos especialistas. Isso não faz dela uma medida acertada. Ela possa ser acertada ou não, e a quantidade de pessoas que a recomendam, tal como as suas qualificações, são irrelevantes para a avaliação dos méritos da medida em si. O facto de muita gente “recomendar” estas “receitas” para a crise não significa que não haja razões para temer os seus efeitos secundários: como é dito num artigo citado pelo João Miranda, “any talk of a government bail-out reduces the debtholders’ incentives to act, making the government bail-out more necessary”, e que acabem por ser os contribuintes a pagar os erros dos accionistas das empresas. O facto de muita gente “recomendar” estas “receitas” para a crise não significa que não haja razões para pensar que a “lição” que esta crise deixa não é a de que é necessária uma maior intervenção estatal, mas precisamente a “lição” contrária: compreender-se que a actividade financeira comporta riscos gigantescos, uma actividade particularmente sujeita aos efeitos causados pelos “cisnes negros” de que fala Nassim Taleb, uma actividade em que ninguém sabe realmente o que vai acontecer amanhã, e que portanto mais vale deixar as empresas correrem livremente os riscos que quiserem correr, e pagarem o preço que tiverem a pagar se a coisa correr mal, do que ter o Estado (que como qualquer outro agente, também não pode prever o futuro) a intervir directamente no mercado, e a estar sujeito a que um qualquer “cisne negro” lhe apareça à frente, e todos nós sejamos forçados a pagar o preço do risco que não compensou.

Se eu fosse extraterrestre, ficaria assombrado com (I)

A existência de fronteiras, de Estados. Não ter ocorrido ainda a transcendência do mesquinho conceito de "nação" é algo que desafia (estando em linha com as futuras actualizações a esta série) a compreensão racional.

O problema do Intervencionismo, II

"Nunca vi o liberalismo, como ideia e como prática, ser dominante, a não ser na imaginação dos seus adversários, muito menos ter o papel de hegemonia intelectual e política que se lhe atribui. Na verdade, basta ir aos filmes de Hollywood, cheios de vilões “neoliberais”, os yuppies corretores de bolsa, os inside traders, os que controlam as bolsas de mercadorias, seja do porco ou do sumo de laranja, até com Eddie Murphy, para perceber que esse período de glória do “neoliberalismo” deve ter passado ao lado da imaginação popular a não ser como prefiguração do Mal. Hollywood não fez outra coisa nestes anos de suposto apogeu “neoliberal” senão dar-nos Tio Patinhas cada vez piores.

É, nestas alturas de “crise do liberalismo”, que eu me sinto mais liberal, que eu tenho mais aguda percepção de como na crítica socialista à “economia do casino” vai um preocupante pacote de restrição de liberdade para as pessoas e para as empresas, de fechamento do mundo, de paroquialismo e intervencionismo e, a prazo, muito maior mediocridade e pobreza remediada do que aquela que a queda do Lehman Brothers e dos seus parentes causa ou pode causar."

- Pacheco Pereira no "Abrupto" de hoje
Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por dente:
não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escarlate,
o vómito nos pulsos por cada noite roubada;
nem um minuto para a glória da pele.

Despertar de lado: olho por olho: conservar a família em respeito,
a esperança à distância de todas as fomes,
o corno de cada dia nos intestinos.

Aos dezoito anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva
e do amor, os olhos postos à prova do nojo.
Entrar de costas no festival das letras,
abrir passagem a golpes de fígado para a saída do escarro.
Se não temos saúde bastante sejamos pelo menos
doentes exemplares.

Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane
aos artelhos dos que rangem os dentes;
no meu reino apenas palavras provisórias, ódio breve e escarlate.
Nem um gesto de paciência: o sonho ao nível de todos os perigos.

Pelo meu relógio são horas de matar, de chamar o amor
para a mesa dos sanguinários.
Dente por dente: a boca no coração do sangue:
escolher a tempo a nossa morte e amá-la.

- António José Forte

Bullies with Ties

«”Fiquei com uma boa relação com o seu accionista [Paulo Azevedo] e vamos ver se isto não se altera.»

- José Sócrates, primeiro-ministro, em telefonema para o director do Público a propósito da intenção deste jornal publicar notícias sobre as dúvidas da sua licenciatura.


(no Público de hoje)



Quando o Público publicou a reportagem, o seu autor, Ricardo Felner, e conforme consta no processo da ERC sobre o assunto, recebeu sete ou oito telefonemas do primeiro-ministro.

Não de José Sócrates, pessoa individualizada, privada; ou da sua residência ou lugar privado*.
Não, foi mesmo do gabinete oficial do Estado. No primeiro desses telefonemas, o primeiro-ministro, no seu fato de Estado, referia-se aos rumores, boatos e calúnias, vindas do "bas-fond" da blogosfera.
Ou seja, forçosamente, do blog de António Caldeira. Uma injúria, obviamente, proferida oficiosamente num gabinete do Estado, por um indivíduo que é primeiro-ministro.

Ninguém se incomodou particularmente com isto, por várias razões. Uma delas, porventura a mais forte e relevante, é que este indivíduo que é primeiro ministro, tem poder de influência suficiente para dizer, impunemente, pelo telefone, uma coisa como esta, ao director do Público, José Manuel Fernandes, a propósito do mesmo assunto e segundo o Expresso:

"Fiquei com uma boa relação com o seu accionista ( Paulo Azevedo) e vamos ver se isto não se altera".

Esta frase, se verdadeira, dita por um primeiro-ministro, a um director de jornal, no sentido inequívoco de o avisar de consequências nefastas por causa de uma notícia que o afectava gravemente, revela tudo sobre este mesmo PM, no que se refere ao seu real poder de influência e vontade pessoal de o exercer.
Nem sequer o próprio director do jornal Público, José Manuel Fernandes, ousou denunciar, imediatamente, esta atitude de prepotência extrema de um indivíduo imbuído de poder político executivo. Nem sequer hoje, no seu editorial no jornal que dirige, o mesmo José Manuel Fernandes, explica por que não o fez. Aliás, no artigo no jornal, sobre o assunto, referindo-se a esta frase, reproduzida tal quale, o jornal, pela tecla de José Bento Amaro, escreve que "o primeiro-ministro teria dito" . Teria? Então o director do jornal não sabe de disse ou deixou de dizer?!! E transcreve-se a frase, mesmo na dúvida?!!
Ficamos a adivinhar as razões deste continuado mistério...

Num país um pouco mais exigente e civilizado, este mesmo primeiro-ministro, seria democraticamente corrido do lugar, na mesma hora em que isto se soubesse e se realmente fosse verdade. Se fosse no antigo faroeste, ainda coberto de penas e alcatrão, como no mesmo Expresso escreve ,esse expoente do jornalismo, Sousa Tavares, a propósito de um artigo que intitula: "a honra: alguém se lembra?" e que copio como título deste postal .

Aqui, não só nada lhe acontece, como ainda vê aqueles cinco magníficos conselheiros da ERC, a branquear esse comportamento.
Como?
O Expresso desta semana, conta tudo:
A ERC, teve um processo Sócrates, para saber se este indivíduo, também como primeiro-ministro, e os seus pressurosos assessores de imprensa, os ditos Bernardo & Damião, tinham pressionado ilegitimamente os media, no sentido de evitarem notícias vindas do "bas-fond" da blogosfera.
Pressionaram nada, disse então a ERC. Pressões deste género são mato, nesta actividade. Vulgares. Correntes, como a água que branqueia a sujidade. O mais que o PM e sus muchachos fizeram, foram algumas "démarches" ( sic), para controlar os rumores vindos do "bas-fond".

O processo, para se concluirem estes juízos valorativos da bondade deste exercício concreto do poder político executivo, num caso pessoal que atingiu um indivíduo que é primeiro-ministro, terminou em Agosto de 2007, tem 300 páginas. Com audições a oito jornalistas, dois assessores de imprensa do PM e a audição deste, por escrito, prerrogativa de Estado, num caso pessoal. Caso que nada tem a ver com o exercício de governo e que nada tem a ver com os ógãos de Estado onde se coloca agora este mesmo PM.

Depois disso, os jornalistas do Expresso quiseram ler o processo. A ERC não permitiu. Os jornalistas recorreram à CADA, e a ERC lá teve que ceder, mostrando os papéis. Logo? Não. Nove meses depois da decisão da CADA e mediante o custo de € 169,22 que o jornal pagou, como se fosse uma multa pelo abuso.

Uma especialista em Direito da Comunicação Social ( uma disciplina um pouco diferente da Sociologia da Comunicação ou até das Ciências da Comunicação ministrada, pelo ISCTE), Isabel Duarte, citada pelo Expresso, considera, esta actuação da ERC, muito simplesmente, do seguinte modo:

"Agiu como instrumento de impedimento da liberdade de informar e de ser informado". Referindo ao mesmo tempo a suprema ironia de a ERC ser uma entidade criada precisamente para assegurar o exercício dessa liberdade...

O Público, pelo seu lado, na edição de hoje, trata o caso com um título também sugestivo da grave actuação daquela entidade que zela pela correcção da liberdade de informação: "ERC escondeu processo Sócrates".




A ERC concluiu ser normal que existam pressões nas relações entre jornalistas e políticos. Esta conclusão é aventada no acórdão que se reporta às diligências efectuadas pelo Governo e pelo próprio primeiro-ministro, José Sócrates, para que fossem travadas as notícias sobre a sua licenciatura na Universidade Independente.
Assumindo “um certo grau de tensão”, a ERC refere que ela é compreensível “dada a cultura profissional dos primeiros e pelo choque que resulta do facto de ambas as partes agirem com interesses divergentes”. Por outro lado, a ERC entende que Sócrates, ao tentar travar na imprensa as notícias sobre a sua licenciatura, não efectuou qualquer pressão, antes fez démarches.
A ERC concluiu que os telefonemas efectuados para o jornalista do PÚBLICO que investigava o caso, Ricardo Dias Felner, e para o director do jornal, José Manuel Fernandes, apesar de terem sido feitos pelo próprio Sócrates, não reuniam “elementos factuais que comprovem ter existido o objectivo de impedir, em concreto, a investigação”.
Tanto Ricardo Dias Felner como José Manuel Fernandes, nos depoimentos que fizeram na ERC, disseram que o modo como foram abordados pelo primeiro-ministro resultou numa “tentativa de pressão ilegítima”. O director do PÚBLICO foi ainda mais longe, reportando-se à conversa com Sócrates, no decurso da qual o primeiro-ministro teria dito: “Fiquei com uma boa relação com o seu accionista [Paulo Azevedo] e vamos ver se isto não se altera.”