30.5.08

"Only the small secrets need to be protected. The big ones are kept secret by public incredulity."

-Marshall McLuhan

Polly

Tentei fugir da mancha mais escura

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão...

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que me sai, sem voz, do coração.

- David Mourão-Ferreira

28.5.08

Mais factos

Um par de óculos em Lisboa: EUR 408.

Pedi a amigos que me fizessem o favor de verificar o custo do mesmo par de óculos (pela marca e pelo aspecto da armação, mais coisa menos coisa a bem da rapidez e viva o mercado global, e tipo de lentes) e cá vão algumas das respostas. Atenção que não estou a falar em apetrechos de lazer. São óculos para gente míope e astigmática.

Finlândia: 404 (vantagem adicional: não é preciso seguro para obter um mínimo de 25% de comparticipação)
Croácia: 332
Eslovénia: 350
Reino Unido: 588
Alemanha: 395
Grécia: 325

Ou seja, o único caso em que o objecto sai mais caro (44%) do que em Portugal é num país onde os salários são em média 170% superiores aos de cá. Há uma diferença entre 170% e 44%, não há?

Nos restantes países os salários estão também acima dos portugueses salvo no caso da Croácia, onde deverão andar pelos 75% da "nossa" média de 750 EUR.

27.5.08

Factos

1. O Estado vale-se insidiosamente do desequilíbrio de forças do qual goza ante os cidadãos (95% dos quais nem sequer conseguem articular duas frases seguidas, quanto mais contestar convocatórias fora de prazo) para anular, com vantagem estatística, o número de inscritos nos centros de emprego

2. O Estado enfia, com vantagem estatística, centenas de pessoas com o 6ºano de escolaridade - que não sabem articular duas frases seguidas porque, entre outras razões, passam o dia a lamentar as dívidas em que tiveram que se meter para comprar roupa para os filhos, telemóveis novos e gasolina para ir trabalhar - a fazer ensaios (leia-se em 75% dos casos, a pagar para lhes fazerem ensaios) sobre

"actuar criticamente no seio da sociedade modelando relacionamentos entre homens, mulheres e equipamentos eléctricos de uso doméstico, evidenciando a distinção entre classes de valências diferenciadas, em contextos que podem ou não incentivar a que sejam coligidas correlações amostrais dentro e fora do tecido urbano".

Estas pessoas ficam com equivalência ao 9º ano, tendo assim de barato aquilo que os putos - cada vez mais amorfos, ou em alternativa chic, hedonistas - têm de conseguir metidos numa sala de aula durante 3 anos.


3. O Estado concede a atletas da bola equivalência ao 12º ano, ganhando assim vantagem estatística, a bem da habitual projecção provinciana.

4. O Estado proporciona a estudantes oriundos dos PALOP estágios nas Câmaras Municipais, eximindo-os do limite de faltas que impende sobre os demais alunos, e dando-lhes equivalência ao 9º ano em alguns casos. Daqui advém uma aparente vantagem estatística.

5. O Estado já não "dá" hospitais, escolas, estradas, polícia, nada. Administra-se a si mesmo, em sinergia com esse grande nada que é a política.

23.5.08

Estou com falta de imaginação, só me ocorrem copy-pastes

Entrevista ao coordenador do estudo "Um Olhar Sobre a Pobreza"
23.05.2008 - Público

O coordenador do estudo “Um Olhar Sobre a Pobreza”, Alfredo Bruto da Costa, não tem dúvidas: os baixos salários são um problema grave, que contribui para a pobreza em Portugal. É preciso aumentar os ordenados e democratizar as empresas.

É mesmo verdade que metade da população portuguesa está numa situação vulnerável à pobreza?

É mesmo assim. Este é um aspecto da pobreza que, em Portugal, é analisado pela primeira vez: quantas pessoas, ao longo de seis anos, passaram pela pobreza e foram apanhadas como pobres em pelo menos um dos anos. A opinião pública, enquanto tal, nunca foi confrontada com esta realidade.

E a opinião pública pergunta: onde estão os pobres?

Esse é outro problema: o da definição de pobreza. Quando se pensa em pobreza, pensa-se em miséria ou nos sem-abrigo. O pobre, na definição adoptada no estudo, é alguém que não consegue satisfazer de forma regular todas as necessidades básicas, assim consideradas numa sociedade como a nossa. Miséria é uma parte disso.

Apesar de tudo, mais vale ser pobre em Portugal do que em alguns países de África ou da Ásia?

Sim, em termos absolutos. Em termos relativos, não necessariamente. Porque a pobreza é um fenómeno social, não apenas individual: é não ter recursos para participar nos hábitos e costumes da sociedade. Se uma criança pobre não pode vestir-se como os seus colegas, para não ser ridicularizada, mesmo que tenha mais que uma criança em África, sofre de exclusão.

O que é preciso para não ser estigmatizado em Portugal é muito mais do que em outros países. Há uma definição do século XIX, que diz que uma pessoa é pobre quando não tem dinheiro para vestir uma camisa que seja aceitável na sociedade.

Os 47 por cento de famílias que viveram uma situação de pobreza não são o mesmo que a taxa de pobreza em Portugal que continua nos 20 por cento.

Há uma população, num determinado momento do tempo, que é analisada através de uma radiografia instantânea – são os 20 por cento. Outra coisa é uma sociedade cuja vida só é captada num estudo longitudinal, ao longo de um período.

Porque se fala da persistência da pobreza em Portugal?

A partir da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, houve um facto que alterou a atitude da sociedade portuguesa perante a pobreza: Portugal passou a ter programas de luta contra a pobreza, através de metodologias que deram um salto qualitativo no modo de encarar e tratar a pobreza. Poderíamos esperar que a pobreza tivesse uma redução apreciável.

E não teve?

Não teve. Em 2004, terá sido de 19 por cento, em 2005 terá sido 18 por cento. É uma tendência? Falta ver o que se passou nos anos seguintes. O que sabemos é que, durante esse período de 20 anos, andámos à volta dos 20 por cento. Mesmo que se admita que houve uma tendência ligeiramente decrescente, não explica que a ordem de grandeza se situe nos 20 por cento. A pobreza em Portugal ou se manteve estável ou teve uma redução sem proporção com o esforço feito desde que Portugal entrou na UE, na luta contra a pobreza.

E qual é razão principal?

São várias. Mas há uma questão chave: é tempo de a sociedade se interrogar sobre o porquê esta resistência da pobreza perante tanto esforço, boa vontade, recursos, nos últimos 20 anos.

Neste estudo, não entrámos no porquê. Estamos muito virados para a ideia de que a luta contra a pobreza é igual a políticas sociais. Quando há uma percentagem tão elevada de famílias pobres entre pessoas empregadas, vê-se claramente que a política social é um instrumento útil, mas não resolve tudo. Pode ser decisivo para o terço de pensionistas ou para o outro terço, de outros inactivos como domésticas, que nunca trabalharam nem tencionam trabalhar. Aí, ou a sociedade portuguesa resolve valorizar economicamente o trabalho doméstico e tem uma modalidade de remuneração – o que seria uma revolução cultural – ou isso nunca se resolve.

A outra parte – os pobres que estão empregados, por conta própria ou por conta de outrem – não se resolve com política social, é um problema económico.

É um problema de salário?

É fundamentalmente um problema de salário.

O texto diz que os salários são uma questão complexa e o que há a fazer está sobejamente identificado. É subir os salários?

Sim. Mas pode-se subir os salários sem aumentar a produtividade? Todos dizem que a economia portuguesa não pode continuar com salários baixos. O que se diz a seguir é que os salários não podem aumentar sem aumentar a produtividade. Uma das causas de baixa produtividade é a baixa qualificação dos trabalhadores, mas isso só explica uma parte muito pequena.

Uma das razões essenciais é a evasão fiscal.

Há muitas outras: a organização da empresa, os métodos de gestão. Há uns anos, se se dissesse que também os empresários tinham baixas qualificações, seria quase um escândalo. Hoje, é uma realidade que entra pelos olhos dentro. A sociedade portuguesa estava atrasada em termos de qualificações, a todos os níveis. Temos que fazer uma opção: ou se resolve o problema dos rendimentos das famílias de outra forma ou se declara que nos próximos 20 ou 50 anos os salários continuarão baixos.

Essa não é a sua opção?

Claramente que não. Há muito que defendo que deve haver uma diversificação das fontes de rendimento: uma parte do trabalho, outra do capital, o que implica uma democratização no acesso ao capital, que não é só poder comprar uma acção: o número de acções que um cidadão comum tem não lhe permite ter a mais pequena influência na gestão da empresa. O que importa que o capital esteja disseminado quando quem continua a mandar são os grandes? A democratização do capital deve ser também a democratização da empresa.

Pode haver ainda medidas como um rendimento básico – já utilizado numa região da Bélgica e num estado norte-americano – que todos os cidadãos recebem, sobre o qual constrói o seu rendimento familiar. Esse rendimento básico pode não ser suficiente para viver, mas é uma almofada que protege nos ciclos em que inesperadamente se perde o rendimento.

Num mercado economicamente liberal, temos que saber se é possível alguma vez termos pleno emprego. Eu tenho dúvidas.

A prioridade que se dá à redução do emprego não é então viável?

Tenho dúvidas de que seja. Pode ser reflexo de falta de coragem para aceitar a realidade. Se tivéssemos a lucidez de o admitir, haveria outro tipo de medidas a tomar para acorrer a essas situações.

O estudo fala no ciclo vicioso da pobreza: o pobre tem baixas qualificações e não melhora as qualificações porque é pobre. Como se rompe isto?

Uma das respostas é que o sistema educativo tem que ter condições de acesso e sucesso das crianças provenientes dos meios pobres. O sistema educativo está desenhado à imagem da família média e média alta: métodos pedagógicos, conteúdos escolares, o tipo de apoio que a criança pode ou não ter em casa, dadas as condições de habitação ou o grau de instrução dos pais… Há certos pressupostos de que os pais têm conhecimento para ajudar, de que têm acesso à internet ou a livros de consulta… Às vezes, as crianças não têm sequer um canto para fazer os trabalhos de casa.

Os programas de luta contra a pobreza não têm funcionado porquê?

Todos os projectos são desenhados de modo a não mexer no resto da sociedade. Essa é uma limitação decisiva. Se não há mudança social, não pode haver erradicação da pobreza. Se os programas não tocam no resto da sociedade, tentam resolver a pobreza dentro do universo da pobreza, mas não estão a resolver as causas.

Como vê as medidas tomadas pelo actual Governo?

Há uma medida que pode reduzir a pobreza em cerca de um terço: levar o Complemento Solidário para Idosos até ao limiar de pobreza, por adulto equivalente.

O estudo abrange o melhor período do então Rendimento Mínimo Garantido [RMG], que pelos vistos não ajudou muito.

O RMG nunca foi para resolver o problema da pobreza; a grande maioria dos pobres nem sequer tinha acesso ao RMG: eram cinco por cento, os pobres eram 20 por cento. São tão poucos os pobres que beneficiam do [actual] Rendimento Social de Inserção que nunca se resolveria o problema da pobreza. O RMG tinha dois objectivos: atenuar a pobreza dos pobres ou o seu grau de carência; e ir ao encontro dos problemas subjacentes à família: formação profissional, integração das crianças na escola. Mas o impacto global sobre a pobreza não podia ser expressivo.

Isso confirma que o problema não se resolve só com políticas sociais.

Por definição: se tenho um problema de repartição primária (o dos salários), ele resolve-se por via da política económica.

Há uma afirmação dura: “A sociedade portuguesa não está preparada para apoiar as medidas necessárias” no combate à pobreza...

Isso porque num inquérito europeu de 2002 dois terços dos portugueses atribui a pobreza a factores que não são solúveis: fatalismo, má sorte, preguiça dos pobres. Se eu disser que vou tomar uma medida que terá alguma desvantagem para os que têm mais rendimentos, a sociedade portuguesa não vai perceber isto. Um dos programas de luta contra a pobreza tem que ser o de esclarecer a opinião pública sobre as verdadeiras causas da pobreza.

Está também disseminada a ideia de que há muitos pobres que abusam...

É uma atitude culpabilizante. Na transição do Rendimento Mínimo Garantido para o Rendimento Social de Inserção, no debate público que houve parecia que as pessoas estavam mais interessadas em combater a fraude dos pobres do que em resolver o problema da pobreza. Isto é expressivo de uma mentalidade.

9.5.08

O Centro de Emprego de Loures notificou hoje, dia 09/05, milhares de inscritos para comparecerem no dia 07/05, pelas 14:00, com o propósito de actualizar informações documentais - comunicar às funcionárias daquele centro números de BI que se mantêm imutáveis desde o primeiro registo dos beneficiários, há 35 ou 40 anos, e que apesar de estarem válidos - para o Arqº identificação - são de suma relevância para a instituição, a qual, por andar cinco anos atrasada e não cruzar informações nenhumas, não sabe que os beneficiários os renovaram; e mesmo que soubesse, imagino que teria de obrigar as pessoas a ir lá, não fosse o Arqº identificação perder os registos. É que lá por o número ser constante e inalterável, isso não quer dizer que a instituição tenha recebido, por parte dos titulares dos BIs, prova pessoal de que o número é constante e inalterável.

Os polvos partidários fazem do Estado fantoche onanista e os anos passam. O Centro de Emprego está-se nas tintas para o emprego, tal como o Ministério da Educação se está nas tintas para a Educação. O que conta é poder, aio fim do ano, imprimir em doze vias uma folha com muitos dados estatísticos que coloquem o pântano nos lugares cimeiros da ostentação provinciana.

Com isto tudo, a mais pesada consequência é a infantilização do cidadão. A fasquia está mesmo muito baixa. Profetizo que dentro de dois ou três anos qualquer idiota que saiba dizer "sim, senhor doutor-mais-doutor-que-eu" terá a vida assegurada sem se chatear muito, com certificados de habilitações incluídos e tudo. Ainda bem que pour l'instant, nada disto é verdade. São tudo delírios conspiratórios.

Mas porque é que eu não me atenho à poesia?


Adenda:

Conversa com a "técnica" S.C.:

"não tenho nada a ver com o facto de os CTT terem cometido um atraso (sic)"
"os senhores são convocados têm que vir" (quando?)
"não temos nada a ver com isso, se não vierem arriscam-se"
"o arquivo de identificação tem os registos actualizados; os senhores vão de 15 em 15 dias às juntas de freguesia, que confirmam essa actualização; mas nós não temos nada a ver com isso, se são convocados têm que vir"

Phone-ix :D Grand'a tacho, ó técnica.



Actualização a 19/05:

é emitida uma convocatória para estar dia 20/05 (old habits die hard) presente numa acção de formação - presume-se, diz apenas "para participar em" seguido de PROCURA ACTIVA DE EMPREGO, ou seja 3h a olhar para uma miúda de 25 anos com cartão do partido do regime a debitar academicismos sobre a selagem dos envelopes e a esquadria do selo segundo Deleuze. Senão, marquemos, senão, cortam-nos as prestações de desemprego. As mesmas que cessaram há já 3 meses. Ou seja, 12 meses depois da última deslocação ao centro de emprego.

Tá na média.
it's a very good life now, it is
finding ten worlds in your eyes
riding content over blue and white
mornings like blue and white
diamonds excavated from the past
or sweaty beads catching first light
your hands the kids' hands, my own
keeping at bay the probable end
you know what love
beating the nightmares
is my coolest trick of all time.

5.5.08

EVEN NATURE GIVES YOU NO CHOICE

When you have seen a cloud
in the lap of a pond;
and the moon
between the waterlilies;
inevitably you are at the mercy
of your own soul.

What is this sound that wakens me at night?

It is biology, it calls out its rights.
At night you can hear it more
clearly, when the
sociologists are sleeping.

- Eeva Kilpi