24.1.10

La haine

Que causas, longe das convulsões atávicas motivadas por diferenças ideológicas, preconceito ou falhas de comunicação, conduzem ao ódio entre pessoas - individuais ou colectivas - entre as quais previamente não exista qualquer relacionamento? Porque é que uns parecem ver noutros um alvo a abater, chegando a extremos de exibir, a despudor, double-standards que invocam sob uma capa de altruísmo ou rectidão?

É humano, e bem intelectualizável, que a intolerância favoreça perseguições recorrentes; religiosos/ateus, gays/hetero, esquerda/direita, hutus/tutsis são exemplos de pares ordenados nesta álgebra da estupidez. Mas ainda que recorramos à totalidade taxonómica das idiossincrasias "clássicas", continuam a sobrar peças.

Porque é que há famílias e casais, interiormente a cuja vivência emocional tudo funciona - do companheirismo à carne, das ideias ao conforto perante os medos do quotidiano - e grupos de amigos ou colegas, onde a coexistência e até a entreajuda deveriam servir de cimento, mas onde, contudo, cedo ou tarde há sempre uma exígua minoria - por vezes de um só elemento - que se torna passível de "receber um peixe num jornal", como n´O Padrinho de Mario Puzo?

Parecem-me identificáveis pelo menos três situações em que tal pode suceder:

- a "ovelha negra" evidencia uma independência de carácter, consubstanciada pela inexistência de carências socio-psicológicas; não tem "need to belong", nem complexos de culpa por ser feliz/bem sucedido, nem tão pouco necessidades prementes de ser útil a quem quer que seja a não ser a quem bem decidir sê-lo de sua livre vontade. Tais entidades são de imediato marcadas para abate, com raiva e revolta, por servirem de espelho a quem muitas vezes gostaria de compartilhar das especificações técnicas que aqui evidenciei. O mote, assim, seria aqui "odeio-te porque não tens as minhas fraquezas, então vou denegrir as tuas forças".

- pode ser, ainda, que o "alvo" sendo de facto uma pessoa justa e equilibrada, opte por não exercer esta forma de estar até ao sacrifício, e somente algumas vezes pelas mesmas normas éticas da maioria; também neste caso, semelhantemente ao que ocorre quando os animais na savana farejam a diferença num da matilha e o afastam com dentes e garras, a humanidade que temos vem enquadrar como "patológicas" as dissonâncias de conduta preconizadas por aquele ou aqueles a quem pareça irracional a submissão a certos códigos deontológicos tidos como superiormente válidos.

- por último, hoje acontece, pelo menos no mundo ocidental onde as preocupações, após a primeira metade do séc. XX, deixaram de versar essencialmente sobre a obtenção de segurança física para se inclinarem sobre questões mais etéreas, que existe uma espécie de "ditadura do racional", bem desmontada aqui pelo psiquiatra Bruce Charlton, por força da qual ocorre uma repressão de tratos evolutivos favoráveis adquiridos ao longo do tempo, como a intuição, o senso comum e a inteligência emocional, por parte de uma intelligentsia cujos membros fazem por conduzir a sua vida por estradas onde principalmente arquétipos, e raramente o pragmatismo, servem para decidir.

Daqui floresce então muito ódio, na medida em que é de todo impossível a quem estiver de fora dos círculos kosher (escrevo-o sem conotações rácicas, atenção) evitar o ostracismo, num mundo onde cada vez mais pensar contra a corrente é tido como uma perigosa subversão. Em suma as pessoas odeiam outras pessoas para não se odiarem a si mesmas.


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