24.5.09

Cinco dias perto daqui

  1. Espanha: tudo cultivado. Portugal: pouco.
  2. Espanha: todos prestáveis. Portugal: poucos.
  3. Espanha: obras em toda a parte, raramente intrusivas e sempre objectivas. Portugal: obras onde dá jeito aos amigalhaços dos políticos, com efeitos danosos na rotina dos cidadãos.
  4. Espanha: natureza protegida, com serviços e apoios onde é preciso. Portugal: a natureza é no Dolce Vita.
  5. Espanha: civismo nas estradas e nem um chico-esperto a fazer sinais de luzes. Portugal: irritei-me 5 minutos depois de ter reentrado.
Continua.

17.5.09

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Não procure decorar as instruções ou interpretá-las, mas antes lê-las exactamente como lhe são apresentadas ao longo deste manual

ME escreve as frases que os professores têm de dizer nas provas de aferição 
17.05.2009 - 08h24 Clara Viana

Mais de 200 mil crianças entre os nove e os 12 anos vão mostrar amanhã e na quarta-feira o que aprenderam em Língua Portuguesa e Matemática mas, para as provas nacionais de aferição do 4.º e 6.º anos, quem precisa de levar cábulas são os professores.

Estas têm a forma de um chamado Manual do Aplicador, através do qual o Ministério da Educação (ME) ensina aos professores o que têm de dizer aos alunos no início, no meio e no final das provas. As ordens do ME são claras: "Não procure decorar as instruções ou interpretá-las, mas antes lê-las exactamente como lhe são apresentadas ao longo deste manual". 

Com contagem de tempo, seguem--se as frases que os docentes deverão ler. São coisas como estas: "Em primeiro lugar, chamo a atenção para o facto de não poderem falar com os vossos colegas" ou "Acabou o tempo. Não podem escrever mais nada. Agora vão ter o intervalo". 

O conjunto preenche oito páginas. "No dia lemos tudinho como está no guião", confirma Paulo Guinote, autor do blogue Educação do Meu Umbigo e professor de História e Português do 2.º ciclo, que amanhã estará de novo entre os milhares de professores mobilizados para estas provas. A leitura demora tempo, é "entediante" e frequentemente os alunos não entendem o que se pretende. Nestes casos, depois da leitura obrigatória, os professores fazem o seu próprio resumo, com as instruções mais importantes. 

Todos os anos são enviadas as mesmas instruções, para serem lidas em todas as escolas, alegadamente para permitir uma situação de igualdade de condições. Para Guinote, esta prática constitui "uma espécie de atestado de menoridade que repetidamente é passado aos professores".

Provas não são exames

Nas livrarias, por esta altura, não faltam os cadernos de preparação publicados pelas principais editoras escolares. É uma das partes visíveis de um efeito perverso que se tem vindo a consolidar. Professores, pais e alunos tendem a ver estas provas por aquilo que não são: como se fossem exames. Nas escolas, no último período, as aulas vão sendo convertidas em sessões de revisões, o que acaba por comprometer a possibilidade de se chegar ao fim dos programas. 

Mesmo quando estes são concluídos, tanto o calendário como o espírito das provas acabam por impor aos professores "estratégias de condensação da matéria no início do 3.º período", esclarece Guinote: as provas são realizadas em meados de Maio, mas o seu conteúdo recai teoricamente sobre todo um programa que deve estar concluído em meados de Junho.

Apesar de tudo, "são um instrumento útil", frisa. É o terceiro ano consecutivo em que as provas de aferição, que começaram a realizar-se em 2000, são obrigatórias para todos os alunos do 4.º e 6.º anos. Os seus resultados não contam para a nota dos alunos. As provas são apresentadas como um instrumento para se avaliar competências e, em função disso, adoptar-se medidas de correcção das aprendizagens. 

"Leia em voz alta"

Durante o ano, os professores estão na sala com os alunos. Quando chega Maio, o Ministério da Educação transmite-lhes as frases que terão de dizer nas provas de aferição. Alguns exemplos extraídos do chamado Manual do Aplicador:

Primeira parte:

"Leia em voz alta: 'Agora vou distribuir as provas. Deixem as provas com as capas para baixo'; 'Podem voltar as provas. Escrevam o vosso nome no espaço destinado ao nome'; 'Querem perguntar alguma coisa?'" 

"Desloque-se pela sala, com frequência", "Rubrique o enunciado no local reservado para o efeito".

"Leia em voz alta: 'Ainda têm 15 minutos'; 'Acabou o tempo'. 'Estejam à porta da sala às 11h e 20 minutos em ponto'. 'Podem sair'".

Segunda parte:

"Leia em voz alta o seguinte: 'Agora vão iniciar a segunda parte da prova. Podem começar. Bom trabalho!'"

"Recolha as provas e os rascunhos". "Mande sair os alunos, lendo em voz alta: 'Podem sair. Obrigado pela vossa colaboração!'"

15.5.09

Luís Campos e Cunha, no Público de hoje, sobre os incidentes no Bairro da Bela Vista:

"...São também responsáveis os muitos responsáveis da educação deste país. A primeira vez que se preocuparam verdadeiramente com o ensino pré-escolar foi com o governo Guterres. Sem pré-primária os filhos de imigrantes, portugueses de pleno direito, não conseguem ter sucesso escolar e a marginalidade é imediata. Os pais estão muitas vezes ausentes, porque são bons trabalhadores, mas não falam um português correcto e o insucesso escolar dos filhos é fatal e inevitável.

Por outro lado, a educação passou a ser neutra em valores. Não deu quadros morais de referência que permitissem distinguir o essencial do acessório. Na televisão uma senhora queixava-se da falta de apoios sociais. Mas já tinha um apartamento dado pela Câmara, a casa estava descuidada e desarrumada (de quem era a culpa?), e tinha duas grandes motas estacionadas na sala! Prioridades de quem tem os valores de pernas para o ar.

Também não é claro que a abordagem no ensino fosse a correcta: estes delinquentes certamente começaram por roubar uma insignificância qualquer a um colega e não foram punidos de forma equivalente. Falou-se com eles ou fechou-se os olhos para não os traumatizar e, com isso, deu-se a ideia de que a malvadez compensa. Roubar passou a ser permitido aos 7 anos e dez anos mais tarde temos as quadrilhas que temos.

A justiça, cada vez mais injusta, deixou de actuar em tempo e afastou o castigo do crime. Ou seja, não desincentivou actos ilegais e confirmou a (falta de) educação que receberam.

Mas há mais responsáveis: ministros da defesa. Há uns anos, sem se medirem as consequências, acabou-se com o serviço militar obrigatório (SMO). Primeiro, esta medida foi vista como uma medida de esquerda e foi uma grande conquista das "jotas" dos partidos; no entanto, o SMO foi, historicamente, uma conquista da esquerda para evitar as guardas pretorianas. Quem não conhece a história faz destas coisas. Segundo, o SMO obrigava os recrutas a viverem um ano com regras estritas, com responsabilização e com punições imediatas correspondentes para os prevaricadores. Terceiro, as Forças Armadas eram a melhor escola de formação profissional. Ninguém saía sem um ofício e aprendia a viver com regras. O SMO poderia ser dispendioso mas uma análise social custo-benefício deveria amplamente justificar esses custos.

Sem ensino pré-primário, uma escola sem moral, uma ideologia de facilitismo e de irresponsabilidade, bairros sociais que são guetos, integração social e moral impossível e uma sociedade avessa a impor valores, conduziram a esta situação socialmente explosiva. E para percebermos o que se passa, nem falei da Crise. Neste caso não há crise, há uma catástrofe social cozinhada em lume brando nos últimos 30 anos da nossa política.

A polícia pode resolver este caso mas nunca ela poderá resolver o problema. Resolver o problema passaria por reconhecer os erros que os políticos que têm estado no poder não reconhecem. Seria exigir o impossível. O Bairro da Bela Vista é, de facto, uma bela vista sobre a nossa sociedade."

13.5.09

As palavras interditas

Os navios existem e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E abrem-se janelas
mostrando a brancura das cortinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas minhas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
e estas mãos noturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens vivas, desenhadas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

- Eugénio de Andrade

8.5.09

Seis e dez num país em 2ª fila

Bem arrumado entre as linhas demarcadas no asfalto da Amadora (venho aqui porque tem de ser) leio um poema de Egito Gonçalves. Perco-me entre o vento fresquinho que entra pelo tecto de abrir e os gritos dos putos que saem da escola. De cada lado, à esquerda e à direita e à frente, há mais lugares, muitos mais lugares onde os paizinhos como eu podem arrumar os seus carros como o meu enquanto aguardam pelos rebentos. O mundo hoje, diz-se, é diferente do que era há uns anos. É possível, todos os dias ouço apelos a que o mudemos, mas acho que já mudou de mais, e por isso não lhes respondo.

Em cinco minutos a rua está cheia de carros em segunda fila, ou em terceira, pois que os seus condutores os estacionam, travados, janelas bem fechadas, de um lado e do outro da estrada. Alguns fá-lo-ão mesmo em frente a lugares que deixam vazios, não pensando em ocupá-los nem deixando que os demais o façam. 

Bloqueando a minha saída, uma senhora rotunda com sotaque de Leste responde-me (devo ter dito alguma coisa sem dar por isso) e diz que não sou democrático, que no meu lugar ela calar-se-ia e esperaria pela sua vez de sair como todos os que ali diariamente praticam este culto bizarro. 

Talvez a democracia seja isso mesmo, porque se há pessoas que não se importam de ver a sua vida atrasada para favorecer aqueles que desprezam a lógica e o senso comum, então de tempos a tempos serão eleitos para cargos de Estado toda a espécie de burlões, imbecis, criminosos ou pior. 

Nunca me senti Português (nasci aqui como qualquer enjeitado) mas hoje nasceu-me outra preocupação, que é reaprender a viver agora que cada vez menos me sinto pertença da espécie humana.
Notícias do Bloqueio

Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se

- Egito Gonçalves

7.5.09



It was just before dawn
One miserable morning in black 'forty four.
When the forward commander
Was told to sit tight
When he asked that his men be withdrawn.
And the Generals gave thanks
As the other ranks held back
The enemy tanks for a while.
And the Anzio bridgehead
Was held for the price
Of a few hundred ordinary lives.

And kind old King George
Sent Mother a note
When he heard that father was gone.
It was, I recall,
In the form of a scroll,
With gold leaf and all.
And I found it one day
In a drawer of old photographs, hidden away.
And my eyes still grow damp to remember
His Majesty signed
With his own rubber stamp.

It was dark all around.
There was frost in the ground
When the tigers broke free.
And no one survived
From the Royal Fusiliers Company C.
They were all left behind,
Most of them dead,
The rest of them dying.
And that's how the High Command
Took my daddy from me.

4.5.09

Porta da traição

Quero encontrar-me com vocês
no desregrado convívio,
na balbúrdia dos cafés.
Nos altos bancos dos bares,
nos transportes colectivos,
nos recintos populares.
Nos corredores dos cinemas,
nos inóspitos lugares
onde se mascam problemas.
Juventude, juventude!
Fogo de santelmo vivo
num mastaréu de virtude.
Braços meus, cálices brancos,
aguardam corolas rubras
no declive dos barrancos.
Vinde, vinde, ó flor mimosa,
ó cavaleiro Galaaz,
que em dentes cerrados traz
a promessa de uma rosa.
Vinde, ó fugaz claridade,
antes que a Vida vos tome
e transforme a vossa fome
em "coisas da mocidade".


- António Gedeão

Vasco Granja, 1925-2009