31.12.14

sabes o que te digo? cedo ou tarde, os musculos, os ossos, a pele, a mente (bom, essa espero que nao), a pilinha (esta tb qt mais tarde melhor) e a vaidade de caber naquelas calças ou de encantar a miuda mais gira - tudo se vai. os oito quilos que ganhei ate sao um preço aceitavel a pagar pelas reviravoltas que o meu mundo deu nestes 18 meses. nao sei se concordarias aplicando isto a mim, ou aplicando no generico, mas agora depois de ter comido a massinha quente com meio copo de vinho e de ter estado a falar com a xxxxxx senti-me assim.

30.12.14

Fecho os olhos ao sol

E vou à minha procura

mas só encontro o teu sorriso

E só permanece em mim a memória

De escrever sem parar enquanto

sossegavas ao sol, dentro da minha barriga

Fecho os olhos ao sol

E continuo esta mescla de remorso,

sobrevivência e desprezo pela minha entrega,

de armas deitadas aos pés de nada e ninguém

Talvez tivesse desculpa ou não precisasse de a ter

São apenas anos que passam, destapando evidências

Gosto pouco de evidências, agora

Interessa-me a situação na Rússia e o sabor do café

Não preciso sequer de fugir de caminhos tortuosos,

sei que não são mais que uma enorme cobardia

É tudo este sol curto mas forte de Dezembro,

O vale estará verde e o riso e as conversas ecoam ao longe

Não há nada, não há nada

Por mais que puxe e repuxe

Não há nada

E agora, nem já a dor de o escrever

- A.C.
A máquina mística

Mais um ano outra vez
já lá vão quarenta e três
a minha vida é um desastre
nada há nela que me baste.
Poeira negra, silvo de automóvel,
hemorragia de árvores na resina
que dá verniz a insigne Prémio Nobel
e que liberta odores a gasolina
invadindo as paredes do harém
onde o bom sexo é o maior bem.
A minha vida é um desastre
nada há nela que me baste.
Fábrica fumarenta dos espíritos
por sobre as águas negras do canal.
Um proletário perde-se em inquéritos
como quem anda muito mal.
E o calor derrete o aço,
ao mundo falta-lhe o espaço.
Mais um ano outra vez
já lá vão quarenta e três.
Trago comigo plásticas ideias
e dezenas de indústrias satisfeitas.
A vida nas cidades europeias
começa à hora em que te deitas.
Anos falidos no desgaste,
nada na vida que me arraste.
Nada há nela que me baste
a minha vida é um desastre.
Dois cabelos eléctricos na face
irrequietos giram como hélices:
paisagem de helicópteros e guindastes
que me confundem e só dão chatices.
Liras metálicas e loiros trastes,
cordas de Orfeu prendendo Eurídice.
Já lá vão quarenta e três
mais um ano outra vez.
No Titanic alguém me disse:
falta-me o óleo da sobrevivência.
Corpos e porcos, Circe sobre Ulisses
como quem come sem decência.
Maré evanescente, a verga tesa
o herói exibe sobre a mesa.
A minha vida é um desastre
nada há nela que me baste.
Micromáquinas dentro de voz dúbia
que ao longe ouvimos pela telefonia.
Raros vestígios de vetusta múmia
alimentando todas as fobias.
Lenços pousados sobre a estante,
com que limpo as tristezas e o sangue.
Mais um ano outra vez
já lá vão quarenta e três.
Cavalo místico na mão de Goya,
em louco trote sobre milhares de anos.
Andam comigo nos anais da história
cavalos que explodiram por engano,
de míssil que lançaram americanos
do Golfo Pérsico directo a Tróia.
A minha vida é um desastre
nada há nela que me baste.
A tv apresenta um bom programa
e o bom deus caminha no jordão.
Desprezo o zapping, deito-me na cama,
como tremoços, adiro à religião.
O Newton e a trotinete azul
entram no ecrã vindos de Cabul.
Já lá vão quarenta e três
mais um ano outra vez.
O primitivo aedo acende a lãmpada
que dá ao quarto um ar de apoteose.
Metralha e parafusos, gozo e manta,
muita cerveja em excessivas doses.
Celeste dia que desmente Einstein
e arruina a herança de meu pai.
Mais um ano outra vez
já lá vão quarenta e três
a minha vida é um desastre
nada há nela que me baste.

Do livro inédito
A Mecânica do Sexxo XXI, no prelo

-Luís Adriano Carlos

21.12.14

a cada inverno, como o urso proverbial
jejuo e hiberno, em auto-exclusão associal
e sonho; contribuintes passeiam como avestruzes
legando aos seguintes o custo destas belas luzes

é do caralho ter sempre razão, lavrar na pedra o mal
anos vêm e vão, após o  enterro já só sobra o natal
com a paróquia perdida no deslumbramento do dia.
tivesse eu mais vida e nem sei quantos aniquilaria

o cancro de eleitorado vitima cada vez mais utentes
nao ha um deputado capaz de defender os morrentes;
tacteia-se o gráfico do tempo que resta, na redacção
perpetua-se o tráfico à hora da sesta, maldita nação










18.12.14

Salmos 55

Dá ouvidos, ó Deus, à minha oração, e não te escondas da minha súplica.
Atende-me, e ouve-me; agitado estou, e ando perplexo,
por causa do clamor do inimigo e da opressão do ímpio; pois lançam sobre mim iniqüidade, e com furor me perseguem.
O meu coração confrange-se dentro de mim, e terrores de morte sobre mim caíram.
Temor e tremor me sobrevêm, e o horror me envolveu.
Pelo que eu disse: Ah! quem me dera asas como de pomba! então voaria, e encontraria descanso.
Eis que eu fugiria para longe, e pernoitaria no deserto.
Apressar-me-ia a abrigar-me da fúria do vento e da tempestade.
Destrói, Senhor, confunde as suas línguas, pois vejo violência e contenda na cidade.
Dia e noite andam ao redor dela, sobre os seus muros; também iniqüidade e malícia estão no meio dela.
Há destruição lá dentro; opressão e fraude não se apartam das suas ruas.
Pois não é um inimigo que me afronta, então eu poderia suportá-lo; nem é um adversário que se exalta contra mim, porque dele poderia esconder-me;
mas és tu, homem meu igual, meu companheiro e meu amigo íntimo.
Conservávamos juntos tranqüilamente, e em companhia andávamos na casa de Deus.
A morte os assalte, e vivos desçam ao Seol; porque há maldade na sua morada, no seu próprio íntimo.
Mas eu invocarei a Deus, e o Senhor me salvará.
De tarde, de manhã e ao meio-dia me queixarei e me lamentarei; e ele ouvirá a minha voz.
Livrará em paz a minha vida, de modo que ninguém se aproxime de mim; pois há muitos que contendem contra mim.
Deus ouvirá; e lhes responderá aquele que está entronizado desde a antigüidade; porque não há neles nenhuma mudança, e tampouco temem a Deus.
Aquele meu companheiro estendeu a sua mão contra os que tinham paz com ele; violou o seu pacto.
A sua fala era macia como manteiga, mas no seu coração havia guerra; as suas palavras eram mais brandas do que o azeite, todavia eram espadas desembainhadas.
Lança o teu fardo sobre o Senhor, e ele te susterá; nunca permitirá que o justo seja abalado.
Mas tu, ó Deus, os farás descer ao poço da perdição; homens de sangue e de traição não viverão metade dos seus dias; mas eu em ti confiarei.

22.11.14

Salmos 14

1 Diz o tolo em seu coração: "Deus não existe". Corromperam-se e cometeram atos detestáveis; não há ninguém que faça o bem.

2 O Senhor olha dos céus para os filhos dos homens, para ver se há alguém que tenha entendimento, alguém que busque a Deus.

3 Todos se desviaram, igualmente se corromperam; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer.

4 Será que nenhum dos malfeitores aprende? Eles devoram o meu povo como quem come pão, e não clamam pelo Senhor!

5 Olhem! Estão tomados de pavor! Pois Deus está presente no meio dos justos.

6 Vocês, malfeitores, frustram os planos dos pobres, mas o refúgio deles é o Senhor.

7 Ah, se de Sião viesse a salvação para Israel! Quando o Senhor restaurar o seu povo, Jacó exultará! Israel se regozijará!

12.11.14

- O nosso entrevistado de hoje é Álvaro Assumpto Javardo Lopes de Lopes, fiscal sudoríparo. Bom dia Álvaro, bem vindo ao forum.

- Bom dia, e bom dia ao auditório e obrigado por esta oportunidade que me dão de falar num dia tão feliz. Só uma correcção ao meu nome, eu sou Assunto, não sou Assumpto. É uma coisinha só, nao me leve a mal. O resto está correcto.

- Álvaro, mas fiscal sudoríparo, e logo numa zona tão diferenciada como a Damaia. Como é que chegou a esta profissão? Fale-nos um pouco do que leva alguém com o seu passado - escriturário numa conservatória, auxiliar de acção coerciva, oficial de autenticação de senhas - a optar por esta inflexão já perto de um fim de carreira.

- Bom, olhe, eu optar, deixe-me primeiro dizer que grande democrata é esse enorme, corajoso, valente e libertador nosso Primeiro, o doutor António Costa, reconhecido no mundo todo, nao é, até veio em várias rádios e *constou-se* por essa sociedade fora, nao foi so ca, que veio salvar isto tudo, porque primeiro cortaram as pernas ao Sócrates, que estava a conseguir mudar isto, e agora queriam cortar ao resto do povo, que andava descalço e era assim sem saber ler nem calçar-se que eles o queriam. Portanto bem haja o gigantesco e colossal democrata, o professor presidente António de Oliveira - desculpe António Costa, pela liberdade que nos deu.

- Sim. Mas Álvaro, o que é que faz no seu dia a dia, como foi seleccionado para fiscalizar a carga de suor destilada por cada contribuinte, e com base nela, ao que sei, a taxa a aplicar na factura da água e consequente registo na base de dados de contribuintes com consumo restrito de sal, álcool, música e outras substancias indutoras de um suor menos comum?

- Então, isto foi um chamamento, se quiser, porque naquele dia, no dia em que lá foram ao bairro - olhe que dantes no meu bairro muita gente nem dinheiro tinha para trocar de casaco uma vez por ano, e muitas crianças tinham que trabalhar aos 20 anos e nem sabiam o que era brincar na estrada, foi o grande democrata o arquitecto Mário Soares que acabou com essa pouca vergonha que era o meu bairro sem o dinheirinho que os ricos andavam a estoirar em casacos mais de uma vez por ano - e eu fui. Eles deram-nos o que prometeram, ao contrario do Passos, esse demónio, e eu fui.

- Então - mas para que os nossos ouvintes possam perceber, Álvaro, vamos - peço-lhe talvez um exercício prático. Descreva-nos, desenhe-nos, um dia típico na sua actividade. Como é que este grande salto em frente veio a envolvê-lo?

- Sim. Pronto. Nós saímos de casa, e isto só a jeito de paralelo, nas nossas casas está agora instalada uma coisa nova que o altíssimo e puro democrata, o engenheiro pós-bacharel de Bolonha, António Costa, Marajá e Senhor da Sinalética, Trismegisto da Rotunda e Metropolitano Maior,  quis que testássemos e que - pronto, isto sem querer levantar muito o véu, que ainda sou advertido ou pior - nós quando saímos de casa passamos o punho num leitor biométrico, que nos apura logo as necessidades para o dia, e quando vamos almoçar por exemplo já recebemos - já viu xô jornalista - a refeição feita, com tudo à medida sem termos que andar como dantes, no tempo do Salazar, a ser nós próprios a procurar o que nos apetecia - e então depois encontramo-nos, os dezasseis de cada equipa à porta da estação. Então escolhemos os contribuintes que nos parecem mais prováveis de ter um suor desviado, pronto, isto também há objectivos, nao vou dizer que não os há porque não é com impostos que se lá vai a pagar isto tudo do primeiro mundo, a gente tem de entender que se evolui - e medimos sem incómodo nenhum nem dor nem atraso, aquilo é um sensorzinho que se coloca no lábio inferior e já está. Depois os dados são enviados em tempo real, através do ESCARROPE, que é um sistema topo de gama histórico no mundo e que encomendámos aos melhores consultores; se algum contribuinte tiver suado, logo ali, acima da terceira barra de controle, somos logo os dezasseis alertados e os nossos oito supervisores e os quatro oficiais dos nossos supervisores e os dois semi-supremos e o supremo local da mini-região valida e o contribuinte é ali logo sinalizado com uma luz vermelha que se acende nos nossos implantes para ser aconselhado, encaminhado e instruido antes de poder fazer diferença no ambiente dos outros, dos cumpridores. No fundo a regra é que se todos suarmos como deve de ser, suamos todos muito melhor.

- Muito bem. E nisto se bem compreendi, se fiz bem o meu trabalho de casa [piscadela de olho imperceptível para ouvintes enquanto o jornalista tacteia uma pastinha cor-de-rosa com o logotipo do Ministerio da Coesão Frontal] nisto somos pioneiros? Portugal é pioneiro.
- É. Ouça, isto nao tem nada a ver com aquelas patranhas que nos impingiam, desculpe lá o termo, no tempo dos nossos pais, coitados, fizeram o melhor que puderam, mas éramos todos pouco esclarecidos. Aquilo de deus, e de outros planetas, da vida após a morte, de nao se poder abortar porque aquilo lá dentro era vivo - qual vivo, vivo é o Eterno Comunicador o Juiz António Costa, AVANTE! ai desculpe-me que isto a emoção, eu se não fosse esta oportunidade que me deram,e bem, estava com a mulher do primo da minha cunhada, que nunca aceitou o Voto, nos programas da tarde a bater palmas por cinco euros - essas coisas que fazem parte de um passado onde nunca havemos de voltar, o Sistema querendo. Somos portanto pioneiros sim senhor e com muito orgulho e não temos que ter medo de o assumir porque no resto da Europa há países que já foram pioneiros nisto e estão hoje muito bem, tão bem ou melhor que nós. Isto pratica-se um pouco onde quer que as pessoas percebam o que é melhor para elas. No fundo é isto.

- Álvaro, o nosso tempo está quase a chegar ao fim. Tivemos muitos ouvintes em linha, mas acabámos por encontrar nulidades processuais em todos eles, pelo que teremos de concluir o forum de hoje com mais uma questão dirigida a si, que me ocorreu agora sem qualquer motivo. Diga-me, o contribuinte, ora exsudante, não é onerado por nada disto. Nem é bem uma pergunta (risos).

- (gargalhada explosiva) AHAAHAUAUHAHAHHAHHHHHHH óóóóóóo'OAHUHAHHHH óóóó'ai o senhor! nãoó, ó, Não. Está a brincar, o senhor é muito - ai essa agora, como se fosse possível. Já percebi, já percebi o que o senhor quer dizer.
Não. Isto não tem custos nenhuns para quem sua, e mesmo para aqueles que não suam - um ponto que nos esquecemos de abordar, é que é suposto suar um bocadinho, e quem nunca sua é capaz de encontrar, uma vez por outra, a opção entre pagar um pouco mais quando for comprar roupa, ou então suar mais para acompanhar a média, mas será sempre uma opção - mas mesmo esses, nunca serão onerados.
Ninguém paga mais por este direito e quem disser que paga, ou mente ou não crê no Pastor Cardinal António Costa, nossa constelação de directrizes. O que há é a taxa de direitos de passagem dos dados sudoríparos, porque quando se envia o registo com os valores da ureia, do sal, da temperatura - imagine o senhor que eu meço um homem, de raça lisboeta, na estação de Campanhã, e tenho por algum motivo, por ele ter um filho que vive em Campo Maior ou assim, que fazer cruzar os dados todos com sete freguesias e 3.244 pontos de controle - ah, fora os Europeus, que isto foi com fundos do POPH.
Pronto, isto para não ter custos, tem um preço, e há de facto a taxa dos direitos de passagem da informação sudorípara, mas é só. E as PUDICAS, as Punições Directas ao Contribuinte Atípico, mas essas, ehe, bom, bom.
O senhor não me diga que é preciso pôr-me aqui a dizer o que todos sabem.

- Álvaro. Tenho a certeza que vamos todos - se me permite o trocadilho - ficar muito mais aliviados com aquilo que transpirou desta nossa conversa. Obrigado pelo seu tempo e um resto de bom dia de medição .

- Ora essa. O importante é servir aqueles que nos servem. Bom dia para o senhor também e boas gotículas.

11.11.14

In Flanders fields the poppies blow
Between the crosses, row on row,
That mark our place; and in the sky
The larks, still bravely singing, fly
Scarce heard amid the guns below.
We are the Dead. Short days ago
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved and were loved, and now we lie
In Flanders fields.
Take up our quarrel with the foe:
To you from failing hands we throw
The torch; be yours to hold it high.
If ye break faith with us who die
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders fields.

- Lt Col John McCrae

2.11.14

nos dias em que nada faço
sobram-me nervos e espaço
para poemas curtos em ingles
por exemplo sobre vento e trovoes
que levassem toda a récua de cabrões
do parlamento e demais instituições
de ermesinde ao parque das nações
um inverno letal caído de uma só vez
e ficaria a terra devidamente lavada
polida, desnuda, vazia e areada
e o bestiário, os eleitores,
funcionários e professores
titulares de direitos adquiridos
escorreitos militares e civis
chamando a quem lhos paga nazis
ver-se-iam justamente bem fodidos.

26.10.14

There, the front gate. Enemy made at last form shape substance and location.

I lost you countless times before I learned how to count then Ego, always the dreamer, willed me out of the mess before it could drown me. I heard London pass away in harmonic pandemonia that only a classical archetype might weave.

Every tense borne out of this worlds-realm juxtaposition slammed home with the hollow point Dad always knew would come seeking its due for letting him pass through the colonial clusterfuck lattice.

Now the rebounds, the far ends of the spectrum, and Aeneas on a suburban rampage would all have their superbowl moment.

Make or break?

It's aught but the last ten pounds for the tenth attempt.

Ain't gonna be this 4AM chill to crack my animal, cavernous, ignorance-ridden move.

The padlock slides open.

20.10.14


"neo-neandertal do tipo sanguíneo com leitura diurna"
pessoa humana sobre espada japonesa
2014, verão índio
às vezes - muitas vezes - vejo isto
tão de cima (da escala mais importante
onde o grão de areia
e a centelha imprevisível se juntam),
e ao mesmo tempo
tão de baixo (da miríade
de pessoas piores que eu ja fui)
e pelos lados (
do ponto
de vista
de quem se cruza comigo)
que para nao haver uma implosao
tem de ser feito,
e consagrado,
um sacrificio minuto
a minuto. pode ser o copo
que não faria falta, pode ser
estar sem o "ti" arquetipal,
e pode ser o silencio falso.
tambem pode nao ser nada.
é isto envelhecer sem ter feito
nem uma obra-prima,
nem uma completa merda,
da vida até aqui.

18.10.14

i think i met all the
wrong men before
you and i think they
ruined me but i
think you’re really
handsome the way
a map is handsome,
with skin wide open
soaked in the whole
world’s ink. i
think i'm done pulling
paint off walls i
think i want to read
you the names of
every city that ever
burned down, i think
we'd like it there

-Safia Elhillo

24.9.14

In celebration of you
Hands tight in a white room
I dream in rope and rose fire
But right now I miss you
Right now I feel small
The soulless can crush you
Pressed up to their wall
But we'll find some reason
To smile after all
So don't fade away
Don't fade away
Back into your white room

I'm talking to my heart, as usual
Just trying to make it see some sense
But it's miles away in your white room, again
It says that its time's come
There's no turning back
But my head still remembers
The last time it said that
Can't you see how this splits me
Then you'll see how I crack
So don't fade away
Don't fade away
Back into your white room

Do me one favour tonight
Play that ROXY song
And have a glass of wine
There' s nothing more than this
And never will be
One thousand miles
An ocean of sky
But we'll be together
Feel my spirit fly
It goes straight to that white room
That last verse, it cries
Don't fade away
Don't fade away

(Borland)

20.9.14

Quando o amor morrer

Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobre as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
Do templo onde a vida ora de bruços,
A Deus e aos sonhos que gelaram.

-Ruy Cinatti

4.9.14

Exercício de contenção

Que bela ideia, vou procurar um novo desafio enquanto escultor social. 

Reificar um palco etereo sobre granito ou granitico sobre eter. Em Guimarães talvez. 

Mas queres ver q o vinho nao chega? AI CARALHO O SOLO, granda malha.

Devia haver um subsidio de nao-loucura. Tipo ou me pagas ou enlouqueço, ou me pagas ou dou em arabe.
Carnifex levou uma asa e a pele toda do frango na boca para o covil dos jovens.

É isso, vou fazer um video em q decapito um fiscal, meto.lhe uma etiqueta. Run to the hills!!
"Eu era fiscal e o meu ministerio abandonou.me" e agora só tenho esta merda de tshirt. 

Antes das cinco nao engorda.

Tem de ter legendas mas por tras ha um gajo a falar em kazakh sobre desporto, a malta mete o corao e ala e o crl e as virgens que chutam na penumbra do pasto.

Choose a sticker or emoticon.

20.7.14



António Araújo no Malomil.






Apátrida – O que é a pátria de cada um?, de Isabel Moreira, é um livro que prolonga e aprofunda temáticas obsessivas, quase fetichistas, e tópicos discursivos que caracterizam desde há muito a obra desta autora. Além dos sucessos de vendas Correspondência Comercial e A Excelência no Atendimento, até agora Isabel Moreira publicara três livros: o solitárioPessoas só, seguido do palavroso Quando uma palavra não basta(«candidato ao prémio Saramago») e depois 160 páginas de Ansiedade. Este é o quarto.




Segundo a nota biográfica constante desta sua nova obra, Isabel Alves Moreira nasceu há já 37 anos e, de momento, possui o grau académico «admitida a doutoramento» na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É deputada e advogada por conta própria, tendo várias publicações técnicas na área do Direito Constitucional. A sua restante obra ficcional caracteriza-se pela «indefinição de género», refere a nota biográfica.








Ao utilizar o conceito de apatridia como tema/mote deste novo livro, Isabel Moreira convoca a um tempo a sua formação de jusconstitucionalista de projecção nacional e a sua trajectória íntima também de projecção nacional. Apátrida, na verdade, é indissociável de um périplo de vida marcado pelo sofrimento da distância em face da pátria de origem. A autora nasceu no país-irmão (o Brasil), a 2 de Abril de 1976 e, de acordo com a sua biografia divulgada na página oficial do Parlamento, concluiu com aproveitamento o 1º, o 2º e o 3º ciclos, o ensino secundário, a licenciatura em Direito e o mestrado em Direito Constitucional, na vertente de Direitos Fundamentais. A experiência do exílio, ademais motivado pela marca de brasa de um regime tirânico, governado por elites opressoras e moralmente corruptas, adensa a carga − ou descarga − autobiográfica da obra, convertendo este livro, texto indefinível, também em testemunho cívico e grito de rebeldia contra todas as formas de ditadura.





Isabel de Lima Mayer Alves Moreira transporta consigo a convicçãohippy chic de que ser escritor é escrever palavras, mesmo que com erros de ortografia. Articulando a literatura da abjecção e a tentativa frustrada de se configurar como escritora maldita, a autora explora as margens, levando esse absoluto desbordamento muito para lá de todas as fronteiras, sobretudo as do bom senso. Numa escrita de/em vertigem, em pulsão dilacerada e, acima de tudo, dilacerante (para os leitores), o livro insere-se muito bem, todo ele, no perímetro da imbecilidade literária e aí permanece quietinho, indecifrável e ofegante. Através de muitas palavras, agrupadas de forma deliberadamente desconexa, o projecto perturbante e petulante de Isabel Moreira, raiando o suicidário, fá-la mergulhar, com seus demónios privados e de estimação (por ex., «o demónio do asfalto» − pág. 27), nos abismos de uma insanidade que se suspeita teatralizada. Situa-se na margem, ou na encenação desta. Em todo o caso, é sempre a partir do centro, e do seu conforto, que a autora se projecta para a margem.Apátrida apresenta-se, pois, como uma convenção ficcionada em estilo abdominal, que a Wook entrega ao domicílio dos leitores por uns razoáveis € 10,98, mais portes de envio.





O ponto de chegada deste vórtice vocabular é a margem, a periferia da sanidade, mas, insiste-se, a sua raiz é o centro, um lugar cómodo, bem servido de transportes de toda a espécie. Isabel Moreira procura-se e acha-se no centro, por razões familiares involuntárias (origens na alta burguesia lisboeta; pai ministro de Salazar), mas também por uma demanda que, de forma radicalmente certeira, intui sempre a melhor via da sua própria intervenção (carreira académica convencional, ainda que abruptamente terminada em 2009; grupo parlamentar do Partido Socialista). Há um sagaz oportunismo na escolha destes territórios significantes e é essa subtilíssima estratégia retórica, mas também imagética, que permite à autora direccionar-se e posicionar-se para as margens – e ultrapassá-las para lá do limiar da inteligibilidade (pág. 35: «o gajo não sabe um cu do que se passa»). O centro constitui assim o ponto ou orifício («um buraco diferente» − pág. 25) de irradiação de uma marginalidade que, na representação da narradora/poeta/constitucionalista, se configura como impositiva e compulsória, até traquina. Mais ou menos como as crianças que dizem «xixi» e «cocó» e julgam ter feito uma grande malandrice, sufocando o riso por temor à palmadita iminente. Em troca, recebem apenas um calduço ligeiro e condescendente, enquanto os adultos em seu redor sorriem com bonomia, sussurrando entre si que o petiz até já vocaliza bem os dissílabos. Em Apátrida, a pauta é escabrosa, mas conformista e previsível. A autora, coitadita, esbraceja alguns substantivos e mesmo advérbios, na vã tentativa de ser «profunda» e escrever «literatura». Porém, não alcança mais do que o confessionalismo típico de um diário íntimo de uma adolescente de Telheiras. Julga-se provocatória, mas, no fundo, cumpre à risca as injunções do tipo de escrita que artificialmente cultiva. Crê-se rebelde, quando, na realidade, é obediente e betinha, fazendo a trote ou a galope tudo aquilo que dela se espera. Aliás, daqui não se espera muito. Apátrida é tão original e surpreendente como uma marquise de alumínio.





O campo semântico desta hemorragia emocional encontra-se logo definido na página 33, onde o autoritarismo é metonimicamente denunciado através da transnomição onomatopaica «chiiiiiiiiiiiiiiiiiiu» (pág. 33, prorrogado no «cala as minhas esplanadas» da pág. 51, e no ritmado «clique, clique, clique» da pág. 47). Apátrida assume-se como obra de continuidade, mas também de ruptura e em ruptura, numa incessante busca homicida, presente no projecto assassino de «matar o bailado dos qualificativos» (pág. 11). Melhor dizendo, Apátrida foi construída, por um empreiteiro de Alverca, em permanente disforia e completa transgressão de todos os cânones. No jornal Público/Ípsilon, de 30.05.2014, Maria da Conceição Caleiro caracterizou Apátrida como «um belo e doloroso livro, de recepção quase física», conferindo-lhe justissimamente a pontuação astrológica de quatro estrelas e um cometa («um livro surpreendente e dos mais interessantes que se publicaram em Portugal nos últimos tempos»). Na verdade, o texto é alvo de uma recepção física, a que de imediato se segue a regurgitação, também física e biliar («vou vomitar» − pág. 40; «o meu umbigo vomitado numa noite aterradora» − pág. 32; «talvez nesse dia ausente tenha / entrado em sua casa e amparasse / o vómito» − pág. 40; «esmurra o vomitado nas casas de banho» − pág. 34). Notamos, a espaços, o eco de uma certa pecuária do desalento.




Trata-se, inquestionavelmente, de uma obra de abordagem dorida, mesmo penosa, um cálculo renal literário. Maria da Conceição Caleiro concluiu a sua recensão interrogando-se sobre o ponto-chave, a questão crucial: «É quase indecidível se o não-alinhamento à direita do texto é intencional ou descuido editorial».




O problema do não-alinhamento à direita do texto afigura-se, de facto, absolutamente nuclear para compreendermos a economia narrativa deste Apátrida, quer enquanto livro-objecto, quer na dimensão de objecto-livro. A teoria do descuido editorialista encontra-se refém dos seus próprios postulados. Ao invés, a tese intencionalista tem apoio no percurso público da autora, que vem confirmando uma postura política, mas sobretudo ética, de rejeição estridente do alinhamento à direita, em confronto furioso, mas nem sempre coerente, com o fascismo das consciências e dos afectos, outrora presente em instituições sinistras como a PIDE ou o campo de concentração do Chão Bom do Tarrafal (reaberto por portaria ministerial de 17 de Junho de 1961).





É também nesse contexto transgressor da «ordem» que deve ser situada a existência de erros de ortografia, que Maria da Conceição Caleiro atribui a uma deficiência de revisão editorial («talvez se justificasse uma revisão que eliminasse os erros de ortografia»). É certo que o livro diz «externo» em lugar de «esterno» e «gim» em vez de «gin», mas tudo isto, entre pecadilhos do mesmo calibre, decorre da intenção de subverter a norma, instaurando, em seu lugar, uma gramática alternativa e caótica, mais próxima da autenticidade demencial da vida, de uma existência atravessada em cambiantes de tal forma sofridos e pavorosos que não se coadunam com as mais elementares regras de escrita.





As razões dos erros ortográficos de Apátrida, ao invés de serem atribuídas a um desleixo do pobre revisor tipográfico, como sustenta Maria da Conceição Caleiro, deverão buscar-se, porventura, quer nas deficiências da formação básica da autora, processada em retrógrados colégios de freiras, quer à sua proposta transgressiva de desconstrução de todas as convenções burguesas. Já a indesculpável ausência, também apontada por Maria da Conceição Caleiro, de «uma folhinha final antes da capa», encontra explicação plausível no actual contexto de crise económico-financeira e do PAEFF mas também, ousamos dizê-lo, ao propósito implícito de assinalar que esta é uma obra sempre inacabada, eterna e internamente aberta a todas as recepções que, como se referiu, são dominantemente físicas e, nesse âmbito, eminentemente corpóreas. A abertura e a recepção, físicas e corpóreas, são totais e vorazmente carnívoras, ávidas da plenitude dos sentidos, num experimentalismo sucessivo, às vezes múltiplo, e sempre infindo. Enquanto houver portugueses…




Se, como assinala a ex-ministra e pianista Gabriela Canavilhas na contracapa do livro, «Isabel Moreira não pára de surpreender», é também um facto que existe uma linha de continuidade temática e estilística, substantiva e formal, numa obra vulcânica, sulfurosa, que surge caracterizada por uma cadência torrencial de palavras, aluvião semântico de frases despojadas de sentido que obrigam o leitor a reencontrar-se, mesmo que a muito esforço e sem sucesso algum, com uma textura linguística impermeável à compreensão. Nesse sentido, Apátrida é também uma obra de resistência (talvez melhor, de re-sistência ou mesmo de re-sis-tência), que apela à desistência (de-sistência) do leitor, impedindo, de forma militante e raivosa, a descoberta de um qualquer sentido no arrazoado de caracteres que Isabel Moreira despejou às noites sobre um écran em branco.




O corpo e as suas excrescências regulares são centrais neste universo efervescente de delírio condoído e moído, patente logo na página 8, e na referência dela constante a um «estrume de dor». Estrume de dor constitui-se como metáfora e síntese perfeitas destas 104 páginas, impressas na Bloco Gráfico, Lda. (à Maia).





Menos apreensíveis, porque remetendo para um âmbito mais íntimo ainda que exposto sem pudores nem tabus, se afiguram alusões de tipo confessional, tais como: «estou peganhenta» (pág. 12), «fumei três ganzas e bebi uma garrafa de vinho tinto» (pág. 38), «fui a um bar e comi coisas verdes» (pág. 39), o assaz enigmático «e tal e tal e o caralho» (pág. 15) ou o nauseabundo «dói-me o útero / e de repente tudo cheira mal,» (pág. 19), e ainda «o meu útero, desde então, gentilmente destruído» (pág. 67), a que se poderiam acrescentar, em momentos mais dinâmicos e alvoroçados, «aquele entra e sai ritmado, gramatical,» (pág. 19), o «tirando três dedos femininos de dentro dela» (pág. 41) ou, numa aproximação mais esclarecida e penetrante, «metendo o que pode no que vai dar a umas trompas laqueadas» (pág. 41). Retenha-se ainda o trecho central da página 77, em torno do qual gravitam diversos eixos narrativos:




«tantos gajos, mães, eu tão bêbeda,

meticulosa, um a um, odor a odor, nos

pescoços, nas virilhas, nos cus, onde

fosse, respirar gajo a gajo à procura de

um cheiro familiar

familiar

nós»





Estas imagens, muito tributárias de uma herança democrata-cristã que combina bem a Rerum Novarum e o Moleskine, desaguam, enfim, «num charco, um charco de esperma a tapar a primeira marca de ter sido mãe» (pág. 33). No fim, a pestilência letal: «morro a procurar o teu cheiro em duas ancas» (pág. 74). Isabel Moreira transfere a mecânica de autoflagelação presente noutros momentos da sua obra (recorde-se o arrepiante «esfregar urtigas no sexo», do blogue «Consolação», texto de 2010) para uma pulsão castigadora da lucidez do seu público. A comunidade, já vasta, dos seus leitores e admiradores não gostará de ver que, em apenas duas páginas (pp. 42-43), esta «menina-lobo que uiva culpas» começa por se alimentar frugalmente («comeu uma colherada de batatas» − pág. 42) para, logo a seguir, ser alvo de uma bárbara agressão («a menina leva um estalo na cara» − pág. 43), agravada pela obrigatoriedade de proceder a serviços de limpeza doméstica numa posição desconfortável («eu de mãos atadas nas costas a lamber o chão.» − pág. 53). Note-se, em todo o caso, que este trabalho linguístico foi objecto da justa e devida remuneração pecuniária («o amigo que me enfiava uma nota no sexo» − pág. 53). Encontramo-nos, portanto, fora do âmbito da «unilateralidade sem dolo» que a autora denuncia na página 68.





No corpus literário que agora celebra com desnudada e espumante exuberância, a autora debate-se entre «a gaveta mortuária das palavras» (pág. 11) e a «desistência das palavras» (pág. 23), optando por um acto de não-desistência, pelo que este livro, livro-em-devir (work in progress), é também promessa, ou ameaça, de que outras obras virão, assim haja vida e saúde e nós cá todos a ver.




A este propósito do ver/não-ver, sublinhe-se que a visualidade é patente nos constantes (des)encontros desta obra com a recusa de qualquer pragmatismo, num escrutínio minucioso, quase espeleológico, da ontologia do Ser (o Sein, à Morais Soares, nº 14, c/v). É dessa inquirição cruciante que Isabel Moreira extrai um dos tópicos mais densos e recorrentes do seu trabalho: deus, um gajo sempre grafado com minúscula. Em metafísico diálogo com um Criador implacável e severíssimo, de matriz conservadora e veterotestamentária, Apátrida imprime à abordagem do divino um sentido agreste de permanente impugnação e desafio, nas franjas da apostasia. Os dispositivos são vários: árvores «tão altas que esmurram deus» (pág. 22), «o choro inútil de deus» (pág. 27), «deus a dar cabo de tudo» (pág. 32), «a cegueira de um tiro de deus amarelo ao máximo ao nosso encontro» (pág. 28, bisando a pág. 102 com «a cegueira de um tiro de deus amarelo máximo ao nosso encontro»). O mais conseguido de todos ocorre sob condições meteorológicas algo adversas, com «deus a mijar-se de medo pelas pernas abaixo naquele temporal» (pág. 98).




Neste cruzamento improvável, quase choque frontal, entre a inspiração tutelar de Rui Nunes e o ferrete freudiano do doutor Alves Moreira, a autora adere plenamente ao cáustico, mas na versão Primavera/Verão 2014. Na página 41, aparece inopinadamente um cigano com uns trocos no bolso, que pergunta à plateia: «− posso levar um bacano?». Podes.





Quase no final do livro, após conhecermos uma «manicura perdida no cabeleireiro de algés» (pág. 73), somos surpreendidos por aquilo que parece ser um acidente rodoviário, mas, vendo bem, talvez não seja. Ou talvez seja. O ponto é de todo em todo irrelevante e secundário para a percepção do sentido global de uma obra de várias espessuras e tessituras em que nada do que lá está é o que parece, pois nada se conjuga com nada, excepto a presunção de Isabel Moreira de que escreveu literatura e a convicção da Temas e Debates de que um livro de alguém que vai muito ao Prós e Contras sempre venderá alguma coisinha.




A metamorfose corpórea e a distorção anatómica são expedientes que transportam o leitor para um não-lugar (o não-lugar da ausência), em que a percepção do que se lê é severamente punida pela hegemonia, quase tirânica, da escanzelada sofreguidão de Isabel Moreira em colocar palavras atrás de palavras, limitando a isso o seu gesto criativo, ou seja, rasurando a intervenção dos códigos inibidores da pura dejecção verbal. Enquanto houver um teclado e um portátil com bateria, teremos golfadas de angústia. É sob esta perspectiva, a perspectiva baconiana da distorção anatómica, que devem ser compreendidas, por exemplo, as referências a «um intestino prolongado pela garganta», constante da página 44, e a um «útero invertido», da página 48. Ou, mais gastronomicamente, um dos muitos trechos Maddie MacCann de Apátrida: «− Onde está o meu pai? Eis a pergunta que lhe come a pálpebras enquanto mastiga lombo de vaca e lágrimas de desaparecimento do pai.» (pág. 46).




A insalubridade vivencial é exaltada de modo mais lateral do que noutras obras de Isabel Moreira, estando, ainda assim, presente de forma visível, apesar de fugaz. O exercício físico, por exemplo, encontra-se limitado ao encaixe carnal de exclusivo fito orgásmico, erradicando-se por via político-administrativa práticas como o badminton e o ténis de mesa, até porque, como bem sabeis, «quem faz muito desporto demora a vir-se» (pág. 49). Ainda que catártica, esta focalização do trabalho dos corpos na ginástica sexuada («morde-lhe as mamas» − pág. 52) é susceptível de gerar equívocos e até algumas frustrações, nomeadamente quando um dos interlocutores não se mostra à altura das viscerais exigências («− és uma puta velha que não faz um homem vir-se.» − pág. 49). No limite, «− assim dói» (pág. 48), tanto mais que, numa evocação críptica de Bertolucci, se confessa: «eu também não gosto de manteiga» (pág. 23; itálico no original).




A violência, extrema e arrebatada, é resultado, mas também reverso, da ausência de pátria, dessa a-patridia existencial personificada na presença tão ansiada quanto intermitente do pai/pau, tal como apreendemos o sentido do diálogo da página 70:




«− quem és tu, pai?

− disseste pai?

− não, disse pau.»





Jurista-constitucionalista, Isabel Moreira aprofunda em Apátridatemas presentes na sua já apreciável obra, produzindo um livro que se lê num fôlego sobretudo quando está fechado.






O correto uso do papel higiênico
João Ubaldo Ribeiro

O título acima é meio enganoso, porque não posso considerar-me uma autoridade no uso de papel higiênico, nem o leitor encontrará aqui alguma dica imperdível sobre o assunto. Mas é que estive pensando nos tempos que vivemos e me ocorreu que, dentro em breve, por iniciativa do Executivo ou de algum legislador, podemos esperar que sejam baixadas normas para, em banheiros públicos ou domésticos, ter certeza de que estamos levando em conta não só o que é melhor para nós como para a coletividade e o ambiente.

 Por exemplo, imagino que a escolha da posição do rolo do papel higiênico pode ser regulamentada, depois que um estudo científico comprovar que, se a saída do papel for pelo lado de cima, haverá um desperdício geral de 3,28%, com a consequência de que mais lixo será gerado e mais árvores serão derrubadas para fazer mais papel.

E a maneira certa de passar o papel higiênico também precisa ter suas regras, notadamente no caso das damas, segundo aprendi outro dia, num programa de TV. Tudo simples, como em todas as medidas que agora vivem tomando, para nos proteger dos muitos perigos que nos rondam, inclusive nossos próprios hábitos e preferências pessoais. Nos banheiros públicos, como os de aeroportos e rodoviárias, instalarão câmeras de monitoramento, com aplicação de multas imediatas aos infratores. Nos banheiros domésticos, enquanto não passa no Congresso um projeto obrigando todo mundo a instalar uma câmera por banheiro, as recém-criadas Brigadas Sanitárias (milhares de novos empregos em todo o Brasil) farão uma fiscalização por escolha aleatória. Nos casos de reincidência em delitos como esfregada ilegal, colocação imprópria do rolo e usos não autorizados, tais como assoar o nariz ou enrolar um pedacinho para limpar o ouvido, os culpados serão encaminhados para um curso de educação sanitária. Nova reincidência, aí, paciência, só cadeia mesmo.

Agora me contam que, não sei se em algum estado ou no país todo, estão planejando proibir que os fabricantes de gulodices para crianças ofereçam brinquedinhos de brinde, porque isso estimula o consumo de várias substâncias pouco sadias e pode levar a obesidade, diabetes e muitos outros males. Justíssimo, mas vejo um defeito. Por que os brasileiros adultos ficam excluídos dessa proteção? O certo será, para quem, insensata e desorientadamente, quiser comprar e consumir alimentos industrializados, apresentar atestado médico do SUS, comprovando que não se trata de diabético ou hipertenso e não tem taxas de colesterol altas. O mesmo aconteceria com restaurantes, botecos e similares. Depois de algum debate, em que alguns radicais terão proposto o Cardápio Único Nacional, a lei estabelecerá que, em todos os menus, constem, em letras vermelhas e destacadas, as necessárias advertências quanto a possíveis efeitos deletérios dos ingredientes, bem como fotos coloridas de gente passando mal, depois de exagerar em comidas excessivamente calóricas ou bebidas indigestas. O que nós fazemos nesse terreno é um absurdo e, se o Estado não nos tomar providências, não sei onde vamos parar. Ainda é cedo para avaliar a chamada lei da palmada, mas tenho certeza de que, protegendo as nossas crianças, ela se tornará um exemplo para o mundo. Pelo que eu sei, se o pai der umas palmadas no filho, pode ser denunciado à polícia e até preso. Mas, antes disso, é intimado a fazer uma consulta ou tratamento psicológico. Se, ainda assim, persistir em seu comportamento delituoso, não só vai preso mesmo, como a criança é entregue aos cuidados de uma instituição que cuidará dela exemplarmente, livre de um pai cruel e de uma mãe cúmplice. Pai na cadeia e mãe proibida de vê-la, educada por profissionais especializados e dedicados, a criança crescerá para tornar-se um cidadão modelo.

E a lei certamente se aperfeiçoará com a prática, tornando-se mais abrangente. Para citar uma circunstância em que o aperfeiçoamento é indispensável, lembremos que a tortura física, seja lá em que hedionda forma — chinelada, cascudo, beliscão, puxão de orelha, quiçá um piparote —, muitas vezes não é tão séria quanto a tortura psicológica. Que terríveis sensações não terá a criança, ao ver o pai de cara amarrada ou irritado? E os pais discutindo e até brigando? O egoísmo dos pais, prejudicando a criança dessa maneira desumana, tem que ser coibido, nada de aborrecimentos ou brigas em casa, a criança não tem nada a ver com os problemas dos adultos, polícia neles.

Sei que esta descrição do funcionamento da lei da palmada é exagerada, e o que inventei aí não deve ocorrer na prática. Mas é seu resultado lógico e faz parte do espírito desmiolado, arrogante, pretensioso, inconsequente, desrespeitoso, irresponsável e ignorante com que esse tipo de coisa vem prosperando entre nós, com gente estabelecendo regras para o que nos permitem ver nos balcões das farmácias, policiando o que dizemos em voz alta ou publicamos e podendo punir até uma risada que alguém considere hostil ou desrespeitosa para com alguma categoria social. Não parece estar longe o dia em que a maioria das piadas será clandestina e quem contar piadas vai virar uma espécie de conspirador, reunido com amigos pelos cantos e suspeitando de estranhos. Temos que ser protegidos até da leitura desavisada de livros.

Cada livro será acompanhado de um texto especial, uma espécie de bula, que dirá do que devemos gostar e do que devemos discordar e como o livro deverá ser comentado na perspectiva adequada, para não mencionar as ocasiões em que precisará ser reescrito, a fim de garantir o indispensável acesso de pessoas de vocabulário neandertaloide. Por enquanto, não baixaram normas para os relacionamentos sexuais, mas é prudente verificar se o que vocês andam aprontando está correto e não resultará na cassação de seus direitos de cama, precatem-se.

15.6.14

*

I wonder by my troth, what thou and I
Did, till we loved ? were we not weaned till then?
But sucked on country pleasures, childishly?
Or snorted we in the Seven Sleepers' den?
'Twas so ; but this, all pleasures fancies be;
If ever any beauty I did see,
Which I desired, and got, 'twas but a dream of thee.

And now good-morrow to our waking souls,
Which watch not one another out of fear;
For love all love of other sights controls,
And makes one little room an everywhere.
Let sea-discoverers to new worlds have gone;
Let maps to other, worlds on worlds have shown;
Let us possess one world ; each hath one, and is one.

My face in thine eye, thine in mine appears,
And true plain hearts do in the faces rest;
Where can we find two better hemispheres
Without sharp north, without declining west ?
Whatever dies, was not mixed equally;
If our two loves be one, or thou and I
Love so alike that none can slacken, none can die.

- John Donne


Congratulations to Nuno and Seguin, may God bless all of your days .
agora que estou a apanhar pinhoes e a carpir como uma madalena azeda, lembro-me de ti quando eras capaz de amanhar a hortinha e de martelar, com o teu martelinho, os nossos pinhoes mas nao de vires ter comigo para saber porque estava eu triste, fechado em mim ou sem vontade de tocar-te. quanto teria custado olhares para a nossa vida sem o dogma (ou o orgulho) de pressupores que a culpa ou o erro estariam fora de ti - ou daquilo que de ti dependia - e quao facil teria sido a reconciliacao definitiva, um encontro no mesmo reduto de tranquilidade e de entreajuda que nos viu apaixonar de maos dadas e com elas carregar as caixas, os livros, os banquinhos e os percalços dos anos todos em que acreditámos que seria para sempre? eu queria tanto ser velho e novo contigo. e gosto tanto de ti. nao quero esquecer-te nunca, prefiro fingir ao longo de toda a vida pelo caminho que me for mais paliativo, até alguém dar comigo já engelhadinho ao sorrir, quieto, deitado na cama com o desenho de nós dois a sorrir, tambem de maos dadas, que o xxxx fez um dia, e que ainda mantenho, exposto e bem limpinho sem pós nem bolores - bem apertado nas minhas maos já hirtas, mortas, finalmente vencidas, sobre o peito onde o meu coração te guarda e para sempre ira guardar faças tu o que fizeres.

23.3.14

in time of daffodils(who know
the goal of living is to grow)
forgetting why,remember how
in time of lilacs who proclaim
the aim of waking is to dream,
remember so(forgetting seem)

in time of roses(who amaze
our now and here with paradise)
forgetting if,remember yes

in time of all sweet things beyond
whatever mind may comprehend,
remember seek(forgetting find)

and in a mystery to be
(when time from time shall set us free)
forgetting me,remember me

-e. e. cummings

7.1.14

The Kiss

She pressed her lips to mind.
—a typo

How many years I must have yearned
for someone’s lips against mind.
Pheromones, newly born, were floating
between us. There was hardly any air.

She kissed me again, reaching that place
that sends messages to toes and fingertips,
then all the way to something like home.
Some music was playing on its own.

Nothing like a woman who knows
to kiss the right thing at the right time,
then kisses the things she’s missed.
How had I ever settled for less?

I was thinking this is intelligence,
this is the wisest tongue
since the Oracle got into a Greek’s ear,
speaking sense. It’s the Good,

defining itself. I was out of my mind.
She was in. We married as soon as we could.

- Stephen Dunn
I JUST HAVE TO GET THROUGH THIS

Summer stayed no longer than a sparrow.
Medication is passed over a trembling lip.
The postcard arrives one day too late.
A man notes he’ll get an Asian hooker if
he’s dying, maybe if he isn’t. A spider
in the woodpile ends up in the fire.
One beggar spits in the air at another.
The field of sunflowers holds on as long
as it can, but dies before the gentle old lady
passes on the train. Babies are placed
in planes and carried to cars. A good man
is murdered in his house. They leave
his body, pass his son on the lawn, reach
out to ruffle his hair, and he watches them go.

For some reason we all wait for something.

- Alex Boyd