3.9.04

No dia em que mataram as crianças o céu sobre a minha casa era roxo de dor. Havia hematomas nas nuvens como na garganta das mães que carpiam, como nos punhos dos pais, pais como eu, pais como o meu, que esventrados urravam para dentro o torpor da morte completa. No dia em que mataram as crianças, houve gente que nem assim acordou do estupor. Mas o céu sobre a minha casa era cinzento e pesado com as chamas deste nojo de ser gente. No dia em que mataram as crianças, não verti lágrimas senão por um instante, e mais não sei, e mais não achei. Não vou privar-me de nada. Não sofrerei por nenhum deles, não ficarei nem uma hora, nem uma noite no meu canto por eles. Viverei. Arderei. Cada trago deste vinho será uma onda no rio que leva a minha raiva, e cada naco deste pão será uma rocha onde me acoitarei, seguro, sereno, e ai destas mãos, que a poderem, trabalharão cada minuto e cada légua para que se saiba que no dia em que mataram as crianças, para mim foi claro que devo estimar a vida; que devo amar-me e aos meus, e nós não somos como eles, e também há mães que não geram crianças. Eu não sei o que há-de ser de uma terra onde pais como eu e mães como tu condenam, de poltronas imberbes, quem tentou salvar as crianças, e absolvem , de tronos inexistentes, os vampiros que de nós as levaram. Mas sei que por mim, de mim, se estas mãos puderem, ah se puderem, hei-de apertar sobre as veias, espremer em torno dos ossos, fazer com que nem um, mas nem um de entre vós, animais, assassinos, possa beber uma só gota do ar que alimenta as minhas crianças.

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