24.11.05

O Natal, para mim, não são as compras, nem nunca poderiam ser, como suponho que aconteça para qualquer pessoa oriunda de famílias sem grandes posses. É o aroma a qualquer coisa que se esconde no ar, como se fosse o dia 1 de Agosto e o início das férias grandes longe de casa, mas nos antípodas da sensação. Tal como tu, repudio completamente, por ser a pior e mais horrível face do imediatismo, os loucos que correm todas as lojas levando famílias inteiras a reboque, tentando se calhar com isso redimir um ano inteiro de alheamento e anestesia.

Quando os meus avós de xxxxx eram ambos vivos, alternávamos ano após ano: ora íamos todos para casa deles, e aí poderiam chegar a estar 40 pessoas à mesa (não me perguntes como) ora para casa de um tio meu, que sendo major da GNR, estava sempre destacado onde a comidinha era mais apetecível... A minha avó xxxxx era muito religiosa, também "sabia coisas" e andava sempre de roda dos Franciscanos e dos Templários. No dia em que foi a enterrar, de uma alvorada quente de Julho saíu uma trovoada enorme, com queda de granizo, que só abateu e se evanesceu na hora em que o caixão desceu à terra; vi nacos de azul entre as nuvens carregadas, a terra encharcada do cemitério coberta por raios de sol, e entre o azul relâmpagos roxos ao longe. Nunca tinha visto nada assim. O meu tio xxxxx, que já viu muita coisa na vida, estava calado de assombro. O meu avô xxxxx era assim um homem grande. Morreu à enésima trombose levava já 86 anos. Depois também, com o divórcio, passei a sofrer um bocado ano sim ano não, porque ligo muito mais à noite de 24 e o xxxxx passa o 24 comigo em anos pares e com a mãe nos ímpares. Ora este ano...

Eu recordo-me do teu pai sem nunca o ter conhecido. As pessoas com quem falo na xxxxx referiam-se a ele com grande respeito e atenção. Acho que não deves sentir hesitação alguma em segurar o passado, uma vez que, tal como o futuro e o presente, ele existe na única medida possível e que é igual para todos os instantes: a tua. É tão teu, e arrisco dizer que é tão real, como qualquer outra percepção contida em ti, o que é no fundo a razão pela qual acredito que somos nós Deus, que tudo em cada instante e em cada ponto "está ali" em simultâneo e que são as nossas mentes que interligam as coisas, conferindo-lhes imortalidade efectiva enquanto desejarmos lembrá-las.

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