26.2.09

Neuropeia

Por Fernando Gabriel


Um funcionário do Directorado Geral da Educação e Cultura observou que a UE tem poucos poderes em matéria de claques e McGurk disse que apenas queria algum dinheiro para solucionar as dificuldades financeiras da federação e imaginava que o registo em questão era um formulário de candidatura a fundos comunitários.

Enquanto os eurocratas tentam perceber como é que a ponderosa questão das claques lhes escapou ao controlo, ocorreu-me uma forma de resolver as dificuldades financeiras de McGurk. Em rigor, o mérito deve ser partilhado com os deputados do Parlamento Europeu: a ideia surgiu ao observar o modo como reagiram ao discurso do presidente checo Vaclav Klaus, na semana passada.

A nomenclatura europeia não aprecia prelecções de alguém que é "apenas" presidente eleito e reeleito de uma república do leste europeu. Discípulos aplicados de Saint-Simon, o inspirador da criação de uma federação e de um parlamento europeu atribuía às nações uma hierarquia, na qual os países de leste devem aprender com o exemplo moral, científico e económico das nações líderes -França, Alemanha e Inglaterra. Tão pouco perdoam o cepticismo de Klaus relativamente ao ecologismo, a nova religião cívica com que os eurocratas pretendem unificar os europeus. Fieis à doutrina do mestre, o ecologismo produziu uma hierarquia abrangente, incluindo políticos, educadores, cientistas e criadores artísticos - os "sacerdotes da ciência e da indústria" a que se referia Saint-Simon, agora encarregues de divulgar e moldar todos os aspectos da sociedade às conclusões do "consenso" ecologista.

Vaclav Klaus devia saber o que o esperava quando subiu ao púlpito do santuário tecnocrático não para agradecer as lições, mas para criticar os praticantes do credo. Para criticá-los desde logo por se esquecerem da prioridade da integração "negativa" -a remoção das barreiras à livre circulação de bens e factores de produção. No frenesi da união política, do "aprofundamento" e demais jargão sob o qual o aparelho institucional supranacional esconde a sua crescente sede de poder, Klaus recordou que a União Europeia ainda não é sequer um mercado comum efectivo, muito menos uma união económica. A mensagem foi recebida com uma demonstração de elevação europeísta: apupos e pateadas.

As críticas do presidente checo não se ficaram pela inversão de prioridades na integração europeia: Klaus tocou num ponto fulcral, ao sublinhar que não existe um modo único de associação política supranacional. Não se limitou a recusar a concepção teleológica da história dos seguidores de Saint-Simon e foi mais longe: de forma indirecta, sugeriu que a legislação emanada das instituições europeias carece de legitimidade.

É importante perceber o fundamento do argumento. O primado da lei é uma característica central da UE, mas raramente é explicitado o seu propósito político fundamental: proteger os governados da arbitrariedade política. O primado da lei não depende da aprovação directa ou indirecta dos governados, pelo que a legitimidade do Parlamento Europeu como legislador, através dos mecanismos de co-decisão, não depende dos procedimentos de escolha dos representantes, ou seja: o ‘deficit' democrático é uma falsa questão. O que "confere" legitimidade à lei é a autoridade do procedimento legislativo através do qual é gerada, o seu carácter não instrumental e a neutralidade perante interesses divergentes. Todas estas propriedades normativas são abundantemente desrespeitadas pela legislação europeia, havendo ainda a acrescentar, como recordou Klaus, o desprezo pelas tradições e costumes locais, que só podem ser acomodados ao nível da legislação nacional: a lógica da subsidiariedade há muito que foi esquecida por Bruxelas. Neste ponto, duas centenas de deputados exibiram uma chocante falta de educação política e abandonaram o plenário, incapazes de ouvir um dos mais importantes discursos que ali terá sido feito.

A deputada irlandesa Avril Doyle resumiu o espírito do parlamento, advertindo que o debate político é "uma receita para o caos". Eis a iluminação tecnocrática em todo o seu esplendor autoritário, e eis a minha proposta: substituir os deputados europeus por claques. Politicamente era indiferente, avançava-se rapidamente na direcção "certa" da história sem o empecilho do debate, resolvia-se o problema financeiro do sr. McGurk e esteticamente o parlamento só tinha a ganhar. Quem sabe, ainda faziam de um céptico como eu um europeísta convicto.
____


24.2.09

Slumdog Millionaire (I)


Porque é que a crítica, provinciana, em Portugal não terá gostado de Slumdog Millionaire? Por um lado, por contar uma história simples, daquelas que se calhar até acontecem a qualquer pessoa, e que não envolve "causas fracturantes": não se trata de uma paixão impossível entre um afro-americano e uma ovelha chinesa, nem de retratar os horrores psicológicos sofridos por um casal de homossexuais na Espanha da Inquisição. Não tira aproveitamento da miséria, nem das desgraçadas condições de vida em que as personagens navegam; e não pretende dar socos, nem sequer enluvados, no dondoquismo ocidental que se compraz com o nojo da própria fortuna. 

Em vez disso, o filme conta, de forma magistral e com toda a simplicidade, a história dum tipo normal, que por acaso nasceu noutro mundo, em busca de um objectivo ainda mais simples.

Roger Ebert, em Novembro de 2008, anteviu correctamente, com a parcimónia que o caracteriza, o que aguardava este filme. É de longe a melhor coisa presente nas salas desde Janeiro do ano passado.




20.2.09

A frase (III)

"The Swedish state and taxpayers in Sweden will not own car factories - when I see that Saab has been running at a loss for so many years it would be irresponsible for me to stand here and say, sure, we are going to use the taxpayers money in this way. I don’t think I was elected to do that."

- Maud Olofsson, Ministra da Indústria sueca

A frase (II)

"Culpar a "ganância" pela actual crise financeira é como culpar a gravidade pela queda de um avião."

- Thomas E. Woods, Jr. 

A frase

"Somos todos tolerantes para com as caricaturas de Maomé, desde que não se metam com o nosso Maomé."

- Helena Matos, acerca da indignação gerada pela caricatura que faz assemelhar Obama a um chimpanzé
O que eu fiz nestes dias:

- estive com a minha mulher e nossos rebentos, a viver nas calmas em casa, sem pressa para nada, e a passear pelo país (recomendo a pintura mural em Pias onde pode ler-se, datada de 1994, a frase reforma agrária reforma agrária, volta que és necessária, a qual achei por demais jocosa e muito gozo me deu no caminho para Serpa)

- fui ver os Soulfly com um familiar e amigo tendo passado uma noite porreiríssima, do Cavalera aos canecos

- cuidei do meu corpo, do intelecto e do meu recheio cultural

- ajudei a quem calhou que eu pudesse ajudar


O que fez o Estado enquanto eu vivia descansado, sem ao Estado nada ter requisitado, e sem que do Estado benefício algum nos tenha chegado:

- censurou uma charge carnavalesca ao Magalhães

- manteve os casos Freeport, Casa Pia, e quejandos (incl. Mesquita Machado) em banho-maria

- imprimiu muitas folhas de Excel com estatísticas da educação para enganar Bruxelas

- continuou a insistir em sufocar os contribuintes com impostos, taxas, e afins que nada visam senão tapar momentaneamente os buracos abertos pelos incompetentes e corruptos que governam desde '74


De onde me parece que a primazia do indivíduo sobre o colectivo, por levar a cabo acções mais salutares, construtivas e inofensivas para o mundo, deve permanecer na mira de todos, a bem da honestidade, da espécie e já agora do pouco tempo de vida com que cada um de nós foi brindado.

Magnífico!

Speech of the President of the Czech Republic Václav Klaus in the European Parliament

Mr. Chairman, Members of European Parliament,
Ladies and Gentlemen,

First of all, I would like to thank you for the possibility to speak here, in the European Parliament, in one of the key institutions of the European Union. I have been here several times but never before had an opportunity to speak at a plenary session. Therefore I do appreciate your invitation. The elected representatives of 27 countries with a broad spectrum of political opinions and views make a unique auditorium, as unique and in essence as revolutionary as the experiment of the European Union itself. For more than half a century, the EU has attempted to make decision-making in Europe better by moving a significant part of decisions from the individual states to the European institutions.

I’ve come here from the capital of the Czech Republic, from Prague, from the historic centre of the Czech statehood, from one of the important places where European thinking, European culture and European civilisation has emerged and developed. I come as a representative of the Czech state, which has always, in all its various forms, been part of the European history, of a state, that has many times taken a direct and important part in shaping this history, and which wants to continue shaping it also today.

Nine years have passed since the president of the Czech Republic last spoke to you. That was my predecessor, Václav Havel, and it was four years before our accession to the European Union. Several weeks ago, the Czech Prime Minister Mirek Topolánek, also held a speech here, as a leader of a country presiding over the EU Council. His speech focused on topics, based on the priorities of the Czech presidency, as well as on the topical problems the EU countries are facing now.

This allows me to focus on issues that are more general, and – at first sight – perhaps less dramatic than solving the current economic crisis, the Ukrainian-Russian gas conflict, or the Gaza situation. I do believe, however, these issues are of extraordinary importance for the further development of the European integration project.

In less than three months, the Czech Republic will commemorate the fifth anniversary of its EU accession. We will commemorate it with dignity. We will commemorate it as a country, which – unlike some other new member countries – does not feel disappointed over unfulfilled expectations connected with our membership. This is no surprise to me and there is a rational explanation for it. Our expectations were realistic. We knew well that we were entering a community formed and shaped by human beings. We knew it was not a utopian construction, put together without authentic human interests, visions, views and ideas. These interests as well as ideas can be found all over the EU and it cannot be otherwise.

We interpreted our EU accession on one hand as a confirmation of the fact that we had managed, quite rapidly, over less than fifteen years since the fall of communism, to become a standard European country again. On the other hand, we considered (and we still do) the opportunity to actively take part in the European integration process as a chance to take advantage of the already highly integrated Europe and – at the same time – to influence this process according to our views. We feel our share of responsibility for the development of the European Union and with this feeling of responsibility we approach our presidency of the EU Council. I believe that the first six weeks of the Czech presidency have convincingly demonstrated our responsible attitude.

At this forum, I would like to repeat once again clearly and loudly – for those of you who don’t know it or do not want to know – my conviction, that for us there was and there is no alternative to the European Union membership and that in our country there is no relevant political force that could or would want to undermine this position. We have been therefore really touched by the repeated and growing attacks we have been facing; attacks based on the unfounded assumption that the Czechs are searching for some other integration project than the one they became members of five years ago. This is not true.

The citizens of the Czech Republic feel that the European integration has an important and needed mission and task. It can be summarized in the following way:

- removing unnecessary – and for human freedom and prosperity counterproductive – barriers to the free movement of people, goods, services, ideas, political philosophies, world views, cultural patterns and behaviour models that have been for various reasons over the centuries formed among the individual European states;

- a joint care of the public goods, existing on the continental level, meaning projects that cannot be effectively carried out through bilateral negotiations of two (or more) neighbouring European countries.

The efforts to realise these two objectives – removing barriers and rationally selecting issues that should be solved at the continental level – are not and will never be completed. Various barriers and obstacles still remain and the decision-making at the Brussels level is certainly more numerous than would be optimal. Certainly there are more numerous than the people in the individual member states ask for. You, Members of the European Parliament, are certainly well aware of this. The question I want to ask you is therefore a purely theoretical one: are you really convinced that every time you take a vote, you are deciding something that must be decided here in this hall and not closer to the citizens, i.e. inside the individual European states?

In the politically correct rhetoric we keep hearing these days, we often hear about other possible effects of European integration, which are, however, of lesser and secondary importance. These are, moreover, driven by the ambitions of professional politicians and the people connected to them, not by the interests of ordinary citizens of the member states.

When I said, that the European Union membership did not have and does not have any alternative; I only mentioned half of what must be said. The other – logical – half of my statement is that the methods and forms of European integration do, on the contrary, have quite a number of possible and legitimate variants, just as they proved to have in the last half century. There is no end of history. Claiming that the status quo, the present institutional form of the EU, is a forever uncriticizable dogma, is a mistake that has been – unfortunately – rapidly spreading, even though it is in direct contradiction not only with rational thinking, but also with the whole two-thousand-year history of European civilization. The same mistake applies to the a priori postulated, and therefore equally uncriticizable, assumption that there is only one possible and correct future of the European integration, which is the “ever-closer Union”, i.e. advancement towards deeper and deeper political integration of the member countries.

Neither the present status quo, nor the assumption that the permanent deepening of the integration is a blessing, is – or should be – a dogma for any European democrat. The enforcement of these notions by those, who consider themselves – to use the phrase of the famous Czech writer Milan Kundera – “the owners of the keys” to European integration, is unacceptable.

Moreover, it is self evident, that one or another institutional arrangement of the European Union is not an objective in itself; but a tool for achieving the real objectives. These are nothing but human freedom and such economic system that would bring prosperity. That system is a market economy.

This would certainly be the wish of the citizens of all member countries. Yet, over the twenty years since the fall of communism, I have been repeatedly witnessing that the feelings and fears are stronger among those who spent a great part of the 20th century without freedom and struggled under a dysfunctional centrally planned and state-administered economy. It is no surprise that these people are more sensitive and responsive to any phenomena and tendencies leading in other directions than towards freedom and prosperity. The citizens of the Czech Republic are among those I’m talking about.

The present decision making system of the European Union is different from a classic parliamentary democracy, tested and proven by history. In a normal parliamentary system, part of the MPs support the government and part support the opposition. In the European parliament, this arrangement has been missing. Here, only one single alternative is being promoted and those who dare thinking about a different option are labelled as enemies of the European integration. Not so long ago, in our part of Europe we lived in a political system that permitted no alternatives and therefore also no parliamentary opposition. It was through this experience that we learned the bitter lesson that with no opposition, there is no freedom. That is why political alternatives must exist.

And not only that. The relationship between a citizen of one or another member state and a representative of the Union is not a standard relationship between a voter and a politician, representing him or her. There is also a great distance (not only in a geographical sense) between citizens and Union representatives, which is much greater than it is the case inside the member countries. This distance is often described as the democratic deficit, the loss of democratic accountability, the decision making of the unelected – but selected – ones, as bureaucratisation of decision making etc. The proposals to change the current state of affairs – included in the rejected European Constitution or in the not much different Lisbon Treaty – would make this defect even worse.

Since there is no European demos – and no European nation – this defect cannot be solved by strengthening the role of the European parliament either. This would, on the contrary, make the problem worse and lead to an even greater alienation between the citizens of the European countries and Union institutions. The solution will be neither to add fuel to the “melting pot” of the present type of European integration, nor to suppress the role of member states in the name of a new multicultural and multinational European civil society. These are attempts that have failed every time in the past, because they did not reflect the spontaneous historical development.

I fear that the attempts to speed up and deepen integration and to move decisions about the lives of the citizens of the member countries up to the European level can have effects that will endanger all the positive things achieved in Europe in the last half a century. Let us not underestimate the fears of the citizens of many member countries, who are afraid, that their problems are again decided elsewhere and without them, and that their ability to influence these decisions is very limited. So far, the European Union has been successful, partly thanks to the fact that the vote of each member country had the same weight and thus could not be ignored. Let us not allow a situation where the citizens of member countries would live their lives with a resigned feeling that the EU project is not their own; that it is developing differently than they would wish, that they are only forced to accept it. We would very easily and very soon slip back to the times that we hoped belonged to history.

This is closely connected with the question of prosperity. We must say openly that the present economic system of the EU is a system of a suppressed market, a system of a permanently strengthening centrally controlled economy. Although history has more than clearly proven that this is a dead end, we find ourselves walking the same path once again. This results in a constant rise in both the extent of government masterminding and constraining of spontaneity of the market processes. In recent months, this trend has been further reinforced by incorrect interpretation of the causes of the present economic and financial crisis, as if it was caused by free market, while in reality it is just the contrary – caused by political manipulation of the market. It is again necessary to point out to the historical experience of our part of Europe and to the lessons we learned from it.

Many of you certainly know the name of the French economist Frederic Bastiat and his famous Petition of the Candlemakers, which has become a well-known and canonical reading, illustrating the absurdity of political interventions in the economy. On 14 November 2008 the European Commission approved a real, not a fictitious Bastiat’s Petition of the Candlemakers, and imposed a 66% tariff on candles imported from China. I would have never believed that a 160-year-old essay could become a reality, but it has happened. An inevitable effect of the extensive implementation of such measures in Europe is economic slowdown, if not a complete halt of economic growth. The only solution is liberalisation and deregulation of the European economy.

I say all of this because I do feel a strong responsibility for the democratic and prosperous future of Europe. I have been trying to remind you of the elementary principles upon which European civilisation has been based for centuries or even millennia; principles, the validity of which is not affected by time, principles that are universal and should be therefore followed even in the present European Union. I am convinced that the citizens of individual member countries do want freedom, democracy and economic prosperity.

At this moment in time, the most important task is to make sure that free discussion about these problems is not silenced as an attack on the very idea of European integration. We have always believed that being allowed to discuss such serious issues, being heard, defending everyone’s right to present a different than “the only correct opinion” – no matter how much we may disagree with it – is at the very core of the democracy we were denied for over four decades. We, who went through the involuntary experience that taught us that a free exchange of opinions and ideas is the basic condition for a healthy democracy, do hope, that this condition will be met and respected also in the future. This is the opportunity and the only method for making the European Union more free, more democratic and more prosperous.

Václav Klaus, European Parliament, Brussels,
19 February 2009

13.2.09

Uma CRIL em cada lei

A construção do IC17 - CRIL está parada, no sublanço de Alfornelos, desde 2001. Inicialmente devido a dificuldades na conciliação com as infrasestruturas existentes para fornecimento e tratamento de águas, depois por sublevação dos habitantes da Azinhaga dos Besouros, Colina do Sol e favelas (perdão, AUGI's...) vizinhas, aquele itinerário encontra-se, 34 anos depois de ter sido pensado, ainda por fechar. Mais do mesmo, num país para cujo eleitorado, seja quem for o Centurião das Calendas de serviço ou o senado a sufragar , as prioridades estarão sempre trocadas - "vivemos" como coelhinhos que não sabem o que fazer com a cova. 

Da Intervenção do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social no 12.º Congresso Nacional de Direito do Trabalho, em Lisboa a 13 de Novembro de 2008, sobressaíu esta passagem:

a qual me merece naturalmente reparos, porque nunca fui adepto de ver com bonomia, muito menos com admiração, os minúsculos progressos conseguidos sob a égide megalítica da integração comunitária. 

A verdade é que, com as condições fornecidas, já devia ter sido feito muito mais, muito melhor e mais depressa. 

No caso trazido à posta, vem uma vez mais a cúria passar a matéria exequenda uma proposta de tendência em contraciclo. Continua a apoucar-se a floresta em favorecimento duma ou doutra bolsa arbórea que possam vir a dar jeito para o quadriénio seguinte. Senão vejamos. 

É matéria arrumada que nos primeiros meses de vida (três a quatro) é a presença da mãe que é essencial para o recém-nascido, por conduzir de forma insubstituível o seu desmame, emocionalmente bem como à pura letra do termo. Concorrentemente, a figura paterna (e é factual, insujeito a ser perspectivado, que existem dois sexos diferentes, com características, qualidades e pendores diferentes, cuja contribuição é diversa e assim complementar à formação do novo indivíduo) começa a ser mais necessária finda aquela fase do crescimento.

Ora em Portugal, contrariamente ao que se vive em democracias amadurecidas, nem é possível a um dos cônjuges perseguir uma carreira ao seu gosto, com bem lhe apeteça por vocação, muito menos ao casal moderar a sua dedicação temporal ao trabalho em função de quesitos familiares: a malta, por cá, é mal paga (e de há duas gerações para cá, mal educada, mal qualificada e mal formada por despacho administrativo-estatístico) e quanto a ter saúde mental e resiliência para se acompanharem uns aos outros, nem ouvir falar disso, que quando se sai e chega a casa já é de noite.

É certo que por cá a puericultura daria muito dinheiro a quem a ela soubesse dedicar-se com vero empenho e lucidez. Nunca visitei outro país onde as pessoas, largamente, ficassem a viver com os pais até aos 35, 40 anos. E também é verdade que nos países a sério não se vive este deslumbramento parvo com a abundância, com os "direitos" ao consumo e à diversão. Mas isso não justifica, não pode servir de assento a que continue a ser penhorado o futuro dos nossos filhos pela promulgação de leis que deviam ter sido regra óbvia de conduta há 20 e tal anos atrás, para aí quando a CRIL foi desenhada. 

9.2.09

Mário Crespo no JN

Está bem... façamos de conta


Façamos de conta que nada aconteceu no Freeport. Que não houve invulgaridades no processo de licenciamento e que despachos ministeriais a três dias do fim de um governo são coisa normal. Que não houve tios e primos a falar para sobrinhas e sobrinhos e a referir montantes de milhões (contos, libras, euros?). Façamos de conta que a Universidade que licenciou José Sócrates não está fechada no meio de um caso de polícia com arguidos e tudo.

Façamos de conta que José Sócrates sabe mesmo falar Inglês. Façamos de conta que é de aceitar a tese do professor Freitas do Amaral de que, pelo que sabe, no Freeport está tudo bem e é em termos quid juris irrepreensível. Façamos de conta que aceitamos o mestrado em Gestão com que na mesma entrevista Freitas do Amaral distinguiu o primeiro-ministro e façamos de conta que não é absurdo colocá-lo numa das "melhores posições no Mundo" para enfrentar a crise devido aos prodígios académicos que Freitas do Amaral lhe reconheceu. Façamos de conta que, como o afirma o professor Correia de Campos, tudo isto não passa de uma invenção dos média. Façamos de conta que o "Magalhães" é a sério e que nunca houve alunos/figurantes contratados para encenar acções de propaganda do Governo sobre a educação. Façamos de conta que a OCDE se pronunciou sobre a educação em Portugal considerando-a do melhor que há no Mundo. Façamos de conta que Jorge Coelho nunca disse que "quem se mete com o PS leva". Façamos de conta que Augusto Santos Silva nunca disse que do que gostava mesmo era de "malhar na Direita" (acho que Klaus Barbie disse o mesmo da Esquerda). Façamos de conta que o director do Sol não declarou que teve pressões e ameaças de represálias económicas se publicasse reportagens sobre o Freeport. Façamos de conta que o ministro da Presidência Pedro Silva Pereira não me telefonou a tentar saber por "onde é que eu ia começar" a entrevista que lhe fiz sobre o Freeport e não me voltou a telefonar pouco antes da entrevista a dizer que queria ser tratado por ministro e sem confianças de natureza pessoal. Façamos de conta que Edmundo Pedro não está preocupado com a "falta de liberdade". E Manuel Alegre também. Façamos de conta que não é infinitamente ridículo e perverso comparar o Caso Freeport ao Caso Dreyfus. Façamos de conta que não aconteceu nada com o professor Charrua e que não houve indagações da Polícia antes de manifestações legais de professores. Façamos de conta que é normal a sequência de entrevistas do Ministério Público e são normais e de boa prática democrática as declarações do procurador-geral da República. Façamos de conta que não há SIS. Façamos de conta que o presidente da República não chamou o PGR sobre o Freeport e quando disse que isto era assunto de Estado não queria dizer nada disso. Façamos de conta que esta democracia está a funcionar e votemos. Votemos, já que temos a valsa começada, e o nada há-de acabar-se como todas as coisas. Votemos Chaves, Mugabe, Castro, Eduardo dos Santos, Kabila ou o que quer que seja. Votemos por unanimidade porque de facto não interessa. A continuar assim, é só a fazer de conta que votamos.

2.2.09

A segunda melhor opção
Luciano Amaral


É um mundo esquizofrénico: foram anos de conselhos morais sobre os excessos do consumo, o abismo do endividamento e as virtudes da poupança. Agora, governo atrás de governo implora-nos que continuemos a abusar do cartão de crédito e teme (imagine-se) que comecemos a poupar. Não se percebe: ao mesmo tempo que se condenam os excessos recentes, chovem os incentivos para que persistamos neles. Afinal era ou não mau o “consumismo”?
Ora, precisamente quando pessoas e bancos começam a procurar corrigir aqueles excessos (poupando mais e tornando os empréstimos mais caros) aparece o Estado endividando-se e subsidiando o endividamento das pessoas. É a ideia peregrina de que a despesa pública indiscriminada vai substituir a despesa privada. Alguém se lembra das palavras da actual ilustre líder do PSD, quando considerou o congelamento de salários da função pública a medida “mais estúpida do mundo”? Pois há aqui um sério rival a ocupar o lugar.
É verdade que neste momento a melhor opção para recuperar as economias está inviabilizada. Os salvamentos generalizados já não permitem distinguir entre quem sofre apenas de um natural aperto de liquidez dada a conjuntura e quem é estruturalmente insolvente. A selecção pelo mercado das empresas deixou de funcionar. Mas ainda há uma segunda melhor opção: conviria talvez começar por baixar impostos, para aumentar o rendimento disponível das pessoas e as margens das empresas. Diz-se que isso levaria à poupança, não estimulando a economia no imediato. Não necessariamente. A poupança é necessária. E não é igual a entesouramento. Na verdade, a poupança devolveria fundos aos bancos, o que lhes permitiria disponibilizar às empresas crédito para as suas reestruturações. Seria o regresso a uma certa sanidade no sector financeiro. Acresce que se as quebras de impostos forem entendidas como permanentes a poupança será menor. Depois, o Estado, em vez de se pôr a regar a economia com dinheiro barato, poderia começar a promover reestruturações sectoriais, deixando fechar empresas merecedoras desse destino, deixando sobreviver outras e promovendo fusões ou outras formas de reorganização. A despesa pública poderia então funcionar para o que deve: apoiar no desemprego daqui resultante. Não sendo o regresso do mercado para reorganizar a economia, sempre seria um substituto razoável. As primeiras reacções foram de pânico e criaram a miserável situação actual. Está na altura de sermos um pouco mais espertos.
Hugo Monteiro, primo do primeiro-ministro, José Sócrates, referido no caso Freeport, negou hoje "qualquer actividade ilícita" relacionada com aquele processo e manifestou-se convicto de que, "muito breve, as investigações vão concluir" que não recebeu "qualquer suborno".

"Nem eu nem o meu pai recebemos qualquer suborno ou estivemos envolvidos em qualquer actividade ilícita" relacionada com o Freeport, disse Hugo Monteiro à Lusa. "Muito em breve, as investigações vão concluir isso e tenho até a impressão que já concluíram". 

Hugo Monteiro, 33 anos, encontra-se há um mês na China, onde frequenta um curso de artes marciais. 

Questionado pela Lusa em Pequim sobre se receia vir a ser judicialmente acusado, Hugo Monteiro respondeu: "Absolutamente nada. Não recebi dinheiro nenhum e isso é extremamente fácil de comprovar". 

"Sou o primeiro a dizer: investiguem", acrescentou. 

Sobre um e-mail enviado à consultora Smith&Pedro, que trabalhava com os proprietários do centro comercial Freeport, apresentando um projecto de marketing para o outlet, Hugo Monteiro disse: "Admito que tenha mencionado o grau de parentesco" com José Sócrates. 

Segundo adiantou, tratava-se de um "projecto para a área de eventos" e foi apresentado em 2005, antes de o Partido Socialista (PS) ganhar as eleições e o seu primo ser nomeado primeiro-ministro. 

Hugo Monteiro referiu também que chegou a encontrar-se com "um director de marketing do Freeport", mas o seu projecto não foi aceite. "Nem sequer responderam", afirmou. 

Hugo Monteiro só tenciona regressar a Portugal "em meados de Dezembro". "Para se aprender bem, o mínimo é um ano", disse, referindo-se ao curso de artes marciais que está a frequentar em Shaolin, centro da China.