Quando casei pela primeira vez fui viver para Queluz. Questionem-me depois sobre as causas desse desvario (não tenho nada contra Queluz) mas vamos só fazer um exercício de aritmética primeiro; o tom professoral teima em perseguir-me.
Morava a 1.5 km da estação. Em sítios como Queluz isto pode acontecer, a malta vai parar, por razões economicistas, a casas porreiras pá mas que ficam longe da estação. A escola onde tinha de deixar o meu puto ficava a 2km de casa. Assumiremos para efeitos deste exercício que tanto 1.5km como 2km são distâncias impraticáveis com uma criança de 3 ou 4 anos, sobretudo no Inverno.
Assim usava o carro para levar o rebento à escola, mas quando voltava do caos matinal já era tarde de mais (e não, não ficava com o cu na cama como uma lapa ociosa, saltávamos do colchão antes das 06:30) para deixar o carro em casa e ir a pé; mas também não tinha, tal como hoje não teria, onde o arrumar perto do acesso aos comboios. Como os autocarros ainda hoje passam sem precisão horária, cheios e efectuam percursos tortuosos, acabava por levar o carro para o trabalho. Também confesso que só ia trabalhar porque queria comprar uma casa, comida, roupa, livros e gasolina para ir trabalhar. O meu carro consome 7l aos 100, ora para fazer 20 (em 30 minutos) consumia 1.4l por dia, ou 2.25 euro a preços actuais. De autocarro demoraria 2h, por 5 euro (mais do dobro em custo e 4 vezes mais lento) e de comboio demoraria 40m a andar, apanharia suores, molhas e nervos, e pagaria 2.60 euro. Além disso, teria que demorar o mesmo tempo a ir buscar o carro a casa ao final do dia para fazer a ronda inversa.
Hoje moro numa aldeia simpática a 8km de Lisboa. Oito quilómetros. Não há transportes para a Gare do Oriente, nem para outros destinos que não o Senhor Roubado e o Colégio Militar. Passam de 20 em 20 minutos e custam 2.90 euro, fazendo os percursos de 8 e 9 km em 35 e 40 minutos respectivamente. Se apanhasse qualquer um destes (depois e antes de ter obrigatoriamente que usar o carro para fazer a ronda casa-escola-casa) pagaria 2.90 x 2 + 1.30 (metro) x 2 = 8.40 euro para chegar, digamos, a Entrecampos ou ao Marquês de Pombal. Por dia. De carro demoraria o mesmo tempo, por 4 euros de gasolina. Mas só faria isto se tivesse que trabalhar para pagar roupa, comida, livros e gasolina para ir trabalhar, porque felizmente não tenho que me preocupar em pagar casa.
Em Portugal as pessoas votam em políticos que se comportam de forma obscena e mesmo assim conseguem ser reeleitos ano após ano. Cada povo tem o que merece. Se as portagens, essa invenção Mediterrânica, aumentarem para carros ocupados por um só indivíduo (e quem viver sozinho e não tiver colegas que trabalhem em Lisboa, paga porquê?) vou ficar muito contente por ver legitimada a minha misantropia.
Ontem no Parque das Nações (perdoa-me meu amor que adoras aquela zona mas eu não posso deixar de a achar um exemplo acabado de progresso provinciano para inglês ver, porque dentro daquelas torres aerodinâmicas estão pessoas, organizações e relações de causa-efeito tão más e aviltantes como no resto do país) passou por mim, a correr uns 200m à frente do pai, um puto de 4 anos. O pai vinha a puxar uma samsonite enorme e tinha aspecto de jogar nos júniores do Marítimo, cheio de piercings como um candidato a íman de frigorífico. O puto lá foi a correr até o termos perdido de vista.
Adrian Borland escrevia frases belíssimas e já morreu. Há muita solidão no Mundo quando as pessoas olham através umas das outras, muitas vezes dentro de casa, e uma carruagem de metro nunca chega ao destino certo. Ainda bem que nos temos porque o contrário seria a ruína.
Nas notícias nao havia novidades sobre a partícula de Higgs. Por muitas peças de teatro que se escrevam onde o efeito de túnel, a incerteza do Heisenberg e os paradoxos checo-judaicos façam de figuras de proa, ainda faltarão muitos lustros de rotação sazonal e muitos côvados de caminho até ser evidente, para a maralha, que a partir do momento em que passa a haver cowboyada em directo a toda a hora, com xungaria nacional e estrangeira a brilhar os seus 15 minutos - nem que seja a custo de balázio - a coisa fica irreparavelmente preta.
E isto é que interessa, não é o sexo das portagens nem os traumas emocionais dos construtores civis.
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