When I hear music, I fear no danger. I am invulnerable. I see no foe. I am related to the earliest times, and to the latest.
- Henry David Thoreau -
Condensing fact from the vapor of nuance since 2003
28.10.08
Objectivismo
Escolas e xamanismos à parte, não é uma perspectiva que me apeteça sujeitar a baterias de testes empíricos, nem de indução.
Advém daqui que a topologia de uma vida é, senão em universo, pelo menos num subconjunto pertinente ao vivente, finita; não contável, mas finita. E tal conduz a uma só saída, uma só conclusão:
JAMAIS PEDIREI A UM PÉ LICENÇA PARA MOVER O OUTRO, JAMAIS FICAREI TOLHIDO PELA MOLE IMENSA DAS RELATIVIDADES ENQUANTO A INACÇÃO LEVAR AO MEU PREJUÍZO,
onde se alarga o interior desse intervalo ao bem-estar daqueles que me são queridos, etc.etc., cf já foi dito elsewhere.
Um dia meu amor as lendas da paixão.
Um dia o regresso à chuva na estrada.
Blog do dia
“Sim, segundo alguns autores, porque há umas variantes desses números; nota que «aumentou» não é a palavra correcta, pois pressupõe que o Universo tem um tamanho finito e nós não sabemos isso, é preferível dizeres «expandiu».”
“Explicas isso depois, ainda estou a ver se dijiro o que acabei de ouvir... em relação à velocidade de expansão actual, qual é a velocidade de inflação?”
“Aí umas 10^100 vezes mais... a taxa de expansão da inflação é 10^50/10^-34/s=10^84/s enquanto o valor actual da constante de Hubble é de 2,4*10^-18/s... é mais ou menos isso.”
“10^100 ? Mas isso não é um número absurdamente grande?”
“É, a hipótese da Inflação não foi facilmente aceite, mas as observações exibem um acordo crescente com as previsões desta hipótese e nós não temos de presumir que o Universo está de acordo com as nossas ideias mas sim com as nossas observações.”
“Já estou a perceber a hipótese do Magueijo, da velocidade da luz variável... em vez de considerar que o Universo «inflou» 10^50 vezes, considera que a velocidade da luz era 10^50 vezes maior por forma a poder considerar que todo o Universo observado esteve em contacto...”
“Mais ou menos isso, creio que ele considera 10^60; só que essa hipótese vai mexer com as leis físicas já estabelecidas enquanto a da Inflação não, limita-se a adicionar mais uma partícula, o Inflatão, responsável pelo campo que produziu a Inflação; assim o edifício do conhecimento construído fica intacto, apenas adicionamos qualquer coisa mais, o que é preferível a mexer na estrutura edificada e longamente testada.”
27.10.08
A geração que andava a saltar para cima das mesas aos berros encarnando em cada um de si o avatar d'el Che, agora, anda de fato e gravata a sorver quanto pode; a geração que lhe sucedeu anda às aranhas a gozar o bónus de poder viver na ignorância tirando ainda proveito disso. E os próximos estão tão fodidos que nem vão ter onde cair.
Abstracção (II)
Presume-se que Vitrúvio deverá estar munido das faculdades básicas de cognição por forma a desempenhar responsavelmente as suas funções vitais em interacção com os demais concidadãos.
Vitrúvio não sabe bem o que quer seguir quando for para o ensino superior. Contabilidade, economia, marketing, relações internacionais ou qualquer outra ciência inexacta para cujo estudo não lhe seja requerido rigor, desenvoltura algébrica ou fuga à mediana das escolhas feitas pelos colegas e amigos com quem se relaciona.
Considere-se o seguinte problema:
Evento A: num saco certa bola é amarela
Evento B: no mesmo saco certa bola tem o número 1
Existe um evento A-e-B (ainda nesse saco) cuja probabilidade é calculável
Frente a isto Vitrúvio é incapaz, findos vinte minutos, de descrever o evento A-e-B, e de perceber, sendo-lhe dado que a probabilidade desse evento é 12.5%, que isso significa existir dentro do saco uma bola amarela com o número 1.
Recordo que Vitrúvio é eleitor e encartado para veículos automóveis.
Abstracção
A primeira percepção é de que o Sancho está sempre cansado, a pestanejar, e não se concentra. Inquirido, diz que dorme pouco porque tem muitas actividades: joga playstation, vai a festas, faz natação e passa algum tempo às compras com a mãe, e no cinema com o pai.
O Sancho sabe calcular a área dum triângulo, mas apresenta dificuldades acrescidas em fazê-lo sem a ajuda da calculadora (mesmo quando se trata de dividir 20 por 20) sobretudo porque não apreendeu, nas aulas, que a operação inversa da multiplicação é a divisão, e a da adição, a subtracção; ademais, se o triângulo aparecer desenhado numa perspectiva ou orientação diferente, o Sancho perde um tempo considerável a tentar interpretar o problema.
Foi demonstrado ao Sancho nas aulas de Matemática como converter metros cúbicos para litros, bem como foram recebidos alguns exemplos de reduções relativas a ordens de grandeza - centímetros para decímetros, etc.. Mas o Sancho não sabe ou não compreende porque é que não pode converter metros quadrados para metros cúbicos, nem decímetros para mililitros.
Saindo um pouco do âmbito estritamente académico, o Sancho até tem sorte porque particularmente tem um pai racional e uma mãe empenhada, que não são excessivamente laxistas por isso balizando tão responsavelmente quanto possível a evolução do seu filho. Mas o Sancho pertence, e isto é que assusta, a uma minoria de uns quantos 1% ou 2% da população estudantil, sendo que há ainda menos - muitos menos - alunos que estejam a maturar melhor do que ele.
O resto anda para aí a ver os Morangos e vão provavelmente crescer para serem economistas, gestores, jornalistas ou comentadores. Ou aparadores de relva em campos de golfe.
Nas escolas supostamente haverá aulas de apoio, de complemento à aprendizagem padrão que é vivida durante o horário regular. Ora, nunca houve tanta procura de explicações como este ano; constato à cabeça três factores arrepiantes:
os alunos estão mais desmiolados, infantis até aos 18 ou 19 anos - coisa por mim nunca vista antes de 2001, 2002*Comentário:
os professores, se por um lado sofrem com a carga burocrática imposta pelas sucessivamente medíocres administrações ministeriais, por outro é certo que cada vez mais são seleccionados sem pensar em aptidões cognitivas e vocacionais, e sim com base em critérios absurdos como a "média a concurso" que depende primariamente da antiguidade e da classificação académica**
o desajuste entre a realidade empiricamente perceptível (através do senso comum, porra!) e os programas - sem falar nos manuais para mentecaptos - é cada vez maior***
sobre * - a culpa é dos papás, a quem, bastando vê-los no shopping e nos comboios, pouca mente resta depois de lidadas as contas mensais, a conversa de café com os amigos, e a dose matinal de notícias, seja ora a bola, ora as gajas, ora cosmética, ora demais mesquinhez sortida
sobre ** - conforme tenho dito, a cada eleição seu destino, "continuamos" sem perceber como é que na Noruega não existe o provincianismo pedante que por cá grassa, e que permite a manutenção de aberrações comportamentais como o constante tecer de loas a gente reles, rasa, porque mediante fax ou sms se tornaram de repente doutores, engenheiros, arquitectos, generais num enclave bantustanesco em que o ridículo deixou de ser legível
sobre *** - como te disse meu amor somos peças de um jogo em vias de extinção, não as peças mas o mote em si, e o tabuleiro é a única coisa que permanece. Mas antes, muito antes da queda meu amor, eu posso garantir-te que teremos uma palavra a dizer, senão por eles então por ti e por mim.
por Nuno Garoupa
Descobre-se que, até agora (isto é, antes da crise dos mercados financeiros), se vivia um capitalismo selvagem desregulado de inspiração neoliberal, ou, na expressão patusca do Dr. Mário Soares, uma economia de casino e de "off-shores". Infelizmente isso é uma mentira, e que por mais repetida que seja continua a ser uma mentira.
Nunca a economia esteve tão regulada e regulamentada como nos últimos dez anos. Nunca houve tanta legislação técnica, tanta burocracia, tanta regulamentação, tantas e múltiplas agências administrativas e regulatórias, tanta intervenção do mundo político na organização dos mercados. Estado regulador existe e bem forte. Em Portugal, na União Europeia (basta ver o conteúdo quase exclusivamente regulador das directivas e dos regulamentos), e não menos nos Estados Unidos. O problema não é, nem nunca foi, de falta de regulação dos mercados, mas de uma má regulação desde o ponto de vista do interesse público.
Na última década, a forte regulação exercida pelo Estado foi capturada por interesses privados bem conhecidos. Entre os favores políticos e sem a atenção aos óbvios conflitos de interesse, o poder político permitiu aos grandes interesses económicos utilizar a regulação pública para aumentar os lucros privados. Foram ignoradas as externalidades sociais para favorecer, de forma sustentada, os grandes interesses económicos. Fala-se de economia de mercado, mas isso é uma grosseria técnica. Temos, sim, uma economia de oligopólios dominantes regulada por favores políticos. No caso português, uma versão modernizada e em grande escala do Estado corporativo.
O problema é, pois, político, e não económico. A classe política, durante os últimos dez anos, conviveu, promoveu, defendeu (e em muito beneficiou) a captura da regulação pública por interesses privados. Que credibilidade pode ter agora? Como podemos acreditar que o "novo" Estado regulador não é mais do mesmo, se os personagens são exactamente e literalmente os mesmos? Muito provavelmente, os mesmos interesses políticos de sempre vão "re-regular" o que já está regulado, para favorecer os mesmos interesses económicos de sempre.
Um novo Estado regulador não exige tanto profundas reformas económicas como nos querem vender, mas, sim, significativas mudanças políticas que não se vislumbram. Veremos a seu tempo quanto efectivamente mudará, mas a minha previsão é que, no essencial, muito pouco. Esta crise nos mercados financeiros não passará de um sobressalto passageiro para os oligopólios dominantes, que, no mínimo, já conseguiram o objectivo de curto prazo, a socialização das perdas.
PS. Foi com enorme justiça que o Prémio Nobel da Economia foi este ano para Paul Krugman. Mas lê-se o muito que se escreveu na imprensa escrita e na blogosfera portuguesa, e não se acredita. Desconfio que a esmagadora maioria jamais leu um artigo científico de Krugman. Os mais sinceros lá foram dizendo que só conheciam os seus artigos no NYT (ficámos mesmo a saber que nalgumas faculdades de economia em Portugal lêem-se os artigos do NYT mas não a obra científica). Pois só a mais completa ignorância científica pode falar de um Krugman heterodoxo, arraigado do "mainstream" da ciência económica, ignorado pelos consequencialistas que dominam na academia norte-americana, e, claro, está ostracizado em Princeton. Krugman, cientista económico pelo qual merece o Prémio Nobel, é um utilitarista "mainstream" da ciência económica moderna, como são Friedman ou Becker. Para muitos, habituados ao panorama nacional, é difícil entender que ser de esquerda ou de direita é uma opção ideológica, não uma escolha metodológica. O reconhecido rigor científico e técnico dos economistas que constituem o comité do Banco central sueco é incompatível com os favores políticos ou alinhamentos ideológicos. E os artigos no NYT não são obra científica (por muito que alguns famosos economistas portugueses tenham dificuldade em o aceitar, dada a dominante escassez de obra científica em Portugal).
24.10.08
Lavagem cerebral instituída
Tudo farei para que os meus filhos não sejam transformados em vegetais sem espírito crítico.
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.
In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.
Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.
It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.
- William Ernest Henley
As notícias me sobressaltam. Dia a dia
cada vez mais terríveis.
Brotam da terra pelos poros
entram pela janela em silvos ásperos
fazem pilha no chão em letras tortas
caem das nuvens em mortalhas.
E já são outras realidades apostas
ao retoque dos memorandos
às interpretações da ribalta
ao sortilégio da casa dos contos
ao ruminar dos bois — fuga e refúgio.
Em confronto são dúbias
precipitam-se acotovelam-se
em contramarcha se repelem.
Na deturpação do humano
anunciam com alvoroço
através de pinças de fogo
em cartazes de gelo
— o suicídio da multidão em nome de Deus
— o império do vício em nome da Arte
— o sequestro do juiz em prol da Justiça
— o arremesso de touros em via pública
para a alegria dos que se salvam.
Recuso-me a acreditar nas notícias
mas elas se impõem de cátedra
com implacável desfaçatez
talvez para convencer-nos
de que somos todos culpados.
Agem assim como tóxicos
impunemente sorvidos
nas delongas do tédio.
A busca de notícias é um mórbido
caminhar para a cruz
Sem embargo as procuro com empenho
na expectativa tantas vezes vã
de que à noite se mudem
na reparação no contraveneno
das notícias colhidas pela manhã.
- Henriqueta Lisboa
22.10.08
16.10.08
Abjecção
14.10.08
13.10.08
Aforismos
10.10.08
DJ EURO STOXX 50 € Pr | 2,330.38 | -298.66 | -11.36% | 09:37 |
FTSE 100 INDEX | 3,892.36 | -421.44 | -9.77% | 09:36 |
CAC 40 INDEX | 3,055.39 | -387.31 | -11.25% | 09:36 |
DAX INDEX | 4,335.98 | -551.02 | -11.28% | 09:36 |
IBEX 35 INDEX | 8,852.00 | -1,050.90 | -10.61% | 09:36 |
S&P/MIB INDEX | 20,279.00 | -1,592.00 | -7.28% | 09:31 |
AEX-Index | 255.68 | -26.29 | -9.32% | 09:36 |
OMX STOCKHOLM 30 INDEX | 626.08 | -32.99 | -5.01% | 09:50 |
SWISS MARKET INDEX | 5,289.70 | -509.14 | -8.78% | 09:36 |
put it to sleep when it hungered, and overfed it
when time came to dream
I nearly choked on the forked tongue of my spirit
between the real and the ideal, rejecting the one
and rejected by the other
I still have not mastered that art of storm-riding
without ears to apprehend howling winds
or eyes for rolling waves
Always the weather catches me unawares, baffled
by maps, compass, stars and the entire apparatus
of bearings or warning signals
Clutching at driftwood, eyes screwed shut, I tremble
hoping the unhinged night will pass and I remember
how once I shielded my flame.
- Yahia Lababidi
"Sejam bem-vindos ao regresso do Estado. Foi isso no essencial que ontem anunciou José Sócrates no Parlamento durante o debate sobre a crise financeira. O primeiro-ministro não resistiu, como muitos humanamente não resistem, a um vago número ideológico. Acabou-se o fundamentalismo do mercado, a regulação "permissiva", o Estado mínimo. Sejam bem-vindos portanto a um mundo onde o Estado está de volta. Onde andava ele antes, apetece perguntar, que não o conseguíamos ver? Durante décadas, a economia mundial cresceu graças ao crédito fácil e democratizado, à energia barata e aos juros baixos. Mas tudo isso já deixou de interessar. Agora abram portas, acomodem-se, pacifiquem-se: vem aí o Estado, vêm aí a "mão visível".
Comecemos por recordar o óbvio, já que o óbvio precisa agora de ser recordado. Não falo da América. Os mercados financeiros americanos andaram, sim, anos e anos numa roda-viva especuladora. Não que estivessem desprovidos de uma infinidade de regras e regulações. Mas, com a passividade e incompetência das autoridades centrais de fiscalização, não respeitaram essas regras e devem ser punidos por isso. Obama está certo: nem um cêntimo dos planos de recuperação para os executivos da banca de investimento responsáveis por esta balbúrdia. Ajude-se quem foi apanhado pela voragem e não tem culpa.
Mas viremo-nos para Portugal porque ainda vivemos em Portugal. Sejam bem-vindos, dizem por aí, ao regresso do Estado. Ao Estado regulador mas também, como advertiu Sócrates, ao Estado investidor. É caso para algumas perguntas soltas: houve por acaso algum momento na História da democracia portuguesa em que o Estado não esteve omnipresente na vida económica e social? Algum dia Portugal conheceu o Estado mínimo e a desregulação sistemática de que falava ontem, em tom acusatório, Sócrates? E pode um país que chegou tarde ao mercado, tal como chegou tarde ao Estado social, meter--se em ataques tontos à "ideologia" do mercado? Tudo se admite de Jerónimo de Sousa, mas espera-se mais de José Sócrates.
Em épocas de crise, é sempre tentadora a demagogia. Não haja dúvidas: vem mesmo aí o Estado; está aí o Estado. E muita coisa irá evoluir na regulação nacional e internacional do sistema financeiro. Os mercados vão mudar, como os Estados vão mudar. Mas o Estado está aí para o que primariamente serve e não pode nunca deixar de servir: acudir a crises, garantir a segurança de pessoas e bens, impor o bem comum, proteger os mais dependentes, repartir os sacrifícios nos tempos complicados. Essa é ainda felizmente a nossa tradição histórica. O discurso de um Estado contra o mercado é que não nos serve de nada. Oportunismo ideológico não nos serve de nada. O "espectáculo" de Sócrates ontem na Assembleia não interessa."
7.10.08
Este país não é para velhos
- Stendhal
Sabes que gosto de céus plúmbeos e ventos ferozes. Dos dias cinzentos e frios costumo dizer-te, ao corpo e ao coração, que me fazem sentir justiçado perante o resto da humanidade, como se o mundo mostrasse às pessoas quão vãs as questiúnculas que as regem, e quanto de imponderável há numa hora de estrada.
Vejo patrulhas da GNR caçando multas à beira das portagens na Vasco da Gama, enquanto ladrões e assassinos dormem - sonharão - impunemente à espera do próximo golpe. Ao chegar a casa até a senhora da loja dos móveis bate, por trás, no meu carro (sem danos neste, sem danos neste) e nem isso me afasta do sentimento que trago hoje: só não quero que os nossos filhos herdem esta noção doentia que tudo isto é normal, que este mal vivendo é defeito menor entre horrores impronunciáveis que grassam noutra parte.
Parece-me cada vez mais claro que o relativismo só funciona para dirimir as depressões dos que estão muito bem; para quem estiver entalado na selva que avança, o melhor é mesmo andar de olhos bem abertos e dar o menos possível nas vistas.
Thoreau era capaz de ter qualquer frase aplicável a estes dias.
(de)FORMAÇÃO «MAGALHÃES»
por Paulo Carvalho
"Sou coordenador TIC do meu Agrupamento de Escolas e fui convocado para me deslocar ao parque tecnológico de Cantanhede para receber formação sobre o tão propalado portátil Magalhães. Lá fui eu para dois dias de trabalho, cujo programa era, em 90%, composto pela expressão « jornada de trabalho com a Intel»:
Hoje estou aqui para relatar aquilo que se passou naqueles dois dias, e se o estou a fazer, é porque algo de relevante se passou.
Pelas reacções que tinha lido nos fóruns relativamente às mesmas sessões de Porto e Lisboa, já ia a contar que aquilo não seria o que eu esperava; mas longe de mim imaginar que iria assistir a uma coisa absolutamente surreal.
Primeira nota triste do evento: a organização distribuiu «pen drives» de um Gb, oferta da Intel contendo toda a documentação. Acontece que tinham umas 100 unidades para dar a 200 pessoas. Claro que metade (incluindo eu) ficámos a ver navios, havendo dignos colegas que se assambarcaram de duas ou mais, facto que também não me causa qualquer espanto. Mas para a Organização tratou-se de mais uma normalidade!
Comecemos pela manhã de Quinta-feira, onde fomos levados, em grupos, para pequenas salas do complexo, onde supostamente nos iriam ser dadas directrizes relativamente ao Magalhães e às suas potencialidades em contexto educativo, para nós transmitirmos aos professores do 1º ciclo. Aliás, esse deveria ter sido o grande objectivo deste encontro; recebermos formação para a replicar junto das escolas envolvidas.
Ao invés disso, e para ser muito mais sucinto do que gostaria nesta crónica, somos brindados com apresentações de powerpoints em português, lidas em Inglês com sotaque russo, traduzido por senhoras contratadas para o efeito, como se nunca tivéssemos ouvido uma palavra em Inglês na vida e como se isso fosse o entrave à formação. Num parque dito tecnológico, as redes funcionavam mal ou não funcionavam, ninguém sabia ligar, o senhor russo ia ironizando como se estivesse num país de 3º mundo e a senhora tradutora ia tentando fazer a uma espécie de ponte entre surdos mudos. A seguir, mais um estrangeiro qualquer a debitar informação em inglês sobre um powerpoint em português e depois apareceu um brasileiro (ena!!! Um brasileiro!!!) mas que nada de útil nos transmitiu.
Ou seja, depois de uma manhã onde absolutamente ninguém aprendeu nada de útil sobre os Magalhães que qualquer jeitoso de informática não domine, ninguém imaginava que o pior estava para vir.
Eis que pelas 14 horas iria começar uma das melhores sessões de circo a que os meus olhos assistiram até hoje. O speaker de serviço que ostentava na lapela uma identificação de uma empresa que não conheço, mas que nem era do ME nem da Intel nem da JP Sá Couto, apresentou as três senhoras que tinham vindo expressamente dos States, com chancela da Intel, para nos brindarem com uma sessão de trabalho inolvidável. Eis que aparecem 3 senhoras com ar de quem está reformado há 20 anos, nos EUA, mas que em Portugal estariam no auge da carreira. Depois das simpatias ao país e de demonstrar que nada de útil iriam transmitir, resolveram propor aquilo que as trouxe ao, pensam elas, Burkina Fasso da Europa. Desde logo me demarquei e senti vontade de abandonar a sessão, mas os colegas… ah e tal… esquece isso… e tal…. Não te enerves… isto é sempre assim… e tal! Continuei a assistir e a incredulidade ia aumentando.
Aquelas 3 senhoras, acham que uma sessão de trabalho com a Intel é propor a 200 professores que inventem uma cantiga ao Magalhães, e se possível com teatro à mistura. Como eu e mais alguns colegas (muito poucos) mostrámos alguma estupefacção pelo que se estava a passar, uma das senhoras americanas apressou-se a dizer, bem alto e em tom ameaçador, que quem não participasse não seria incluído no sorteio de um Magalhães que iriam oferecer.
E, meus caros leitores, era ver 200 professores imbuídos naquela actividade com todo o afinco; sei que muitos grupos trabalharam online pela noite dentro e ao outro dia de manhã, os meus olhos ficaram estarrecidos com a produção apresentada. O desfile dos «trabalhos», (era assim que lhe chamavam) começou, e desde o malhão do Magalhães, até à vida de marinheiro do magalhães, passando por coreografias com adereços circenses, tudo de «útil» passou por aquele palco, até as náuseas me obrigarem a sair. Apenas voltei a entrar para ir junto da senhora que tinha o saquinho das senhas para o sorteio e dizer-lhe que não iria colocar lá o meu papelinho.
Conclusão: à bela maneira dos professores portugueses, que são exímios na arte de obedecer, mesmo não concordando, e na arte de produzir conteúdos, ainda que lúdicos (pena ter sido num contexto absurdo), toda a gente parecia achar aquilo ridículo, mas apenas eu e o meu amigo Paulo Pereira resolvemos sair e mostrar a nossa indignação a uma senhora da DREC que, educadamente, tal como eu na abordagem que lhe fiz, esgrimiu as fundamentações para aquelas «sessões de trabalho com a Intel».
Salvou-se a Microsoft e a Caixa Mágica que, na sexta à tarde, nos mostraram, finalmente, algo de útil; no final pedi a palavra para dizer que apenas aquela tarde se tinha salvo no meio das inutilidades que caracterizaram aqueles dois dias, o que, pasme-se, faz arrancar um caloroso aplauso da plateia.
Alguém me explique como se eu tivesse 8 anos, como é possível convocar 200 professores para dois dias de trabalho com a Intel, com a apresentação do «Magalhães» em pano de fundo e, basicamente, 3 senhoras americanas, apoiadas por pessoas de… uma empresa (!), gastarem um dia a obrigar-nos a produzir teatrinhos e cantigas para miúdos de 6 anos, outro meio dia gasto com russos a lerem powerpoints em pseudo inglês, escritos em Português, com tradução por senhoras contratadas.
Como professor e coordenador TIC senti-me vexado nestes dois dias. Aquelas senhoras devem pensar que somos um bando de imbecis e nunca vimos um computador na vida; tudo isto pago pela DREC, cuja Directora, no final, enalteceu o evento.
Relativamente aos meus colegas, mostraram, como sempre, que tudo são capazes de fazer, mesmo o ridículo, mas ficou, essencialmente, a prova de como não há-de o Ministério fazer de nós gato-sapato a seu bel-prazer!!!"
3.10.08
1.10.08
Alice no país dos comunicadores
No Outono de 1989 conduzi na RTP os debates entre os candidatos a Lisboa. O grande confronto foi PS/PSD. Duas candidaturas notáveis. Jorge Sampaio, secretário-geral, elevou a política autárquica em Portugal a um nível de importância sem precedentes ao declarar-se candidato quando os socialistas viviam um dos seus cíclicos períodos de lutas intestinas. O PSD escolheu Marcelo Rebelo de Sousa.No debate da RTP confrontei-os com a fotocópia de documentos dos arquivos do executivo camarário do CDS de Nuno Abecassis. Um era o acordo entre os promotores de um enorme complexo habitacional na zona da Quinta do Lambert e a Câmara. Estipulava que a Câmara receberia como contrapartida pela cedência dos terrenos um dos prédios com os apartamentos completamento equipados. Era um edifício muito grande, seguramente vinte ou trinta apartamentos, numa zona que aos preços do mercado era (e é) valiosíssima. Outro documento tinha o rol das pessoas a quem a Câmara tinha entregue os apartamentos. Havia advogados, arquitectos, engenheiros, médicos, muitos políticos e jornalistas. Aqui aparecia o nome de personagem proeminente na altura que era chefe de redacção na RTP.
A lista discriminava os montantes irrisórios que pagavam pelo arrendamento dos apartamentos topo de gama na Quinta do Lambert. Confrontados com esta prova de ilicitude, os candidatos às autárquicas de 1989 prometeram, todos, pôr fim ao abuso. O desaparecido semanário Tal e Qual foi o único órgão de comunicação que deu seguimento à notícia. Identificou moradores, fotografou o prédio e referiu outras situações de cedência questionável de património camarário a indivíduos que não configuravam nenhum perfil de carência especial. E durante vinte anos não houve consequência desta denúncia pública.
O facto de haver jornalistas entre os beneficiários destas dádivas do poder político explica muito do apagamento da notícia nos órgãos de comunicação social, muitos deles na altura colonizados por pessoas cuja primeira credencial era um cartão de filiação partidária. Assim, o bodo aos ricos continuou pelas câmaras de Jorge Sampaio e de João Soares e, pelo que sabemos agora, pelas câmaras de outras forças partidárias. Quem tem estas casas gratuitas (é isso que elas são) é gente poderosa. Há assessores dispersos por várias forças políticas e a vários níveis do Estado, capazes de com uma palavra no momento certo construir ou destruir carreiras. Há jornalistas que com palavras adequadas favoreceram ou omitiram situações de gravidade porque isso era (é) parte da renda cobrada nos apartamentos da Quinta do Lambert e noutros lados. O silêncio foi quebrado agora que os media se multiplicaram e não é possível esconder por mais vinte anos a infâmia das sinecuras. Os prejuízos directos de décadas de venalidade política atingem muitos milhões.
Não se pode aceitar que esta comunidade de pedintes influentes se continue a acoitar no argumento de que habita as fracções de património público “legalmente”. Em essência nada distingue os extorsionistas profissionais dos bairros sociais das Quintas da Fonte dos oportunistas políticos que de suplicância em suplicância chegaram às Quintas do Lambert. São a mesma gente. Só moram em quintas diferentes. Por esse país fora.
Quote do dia
- Helena Matos