Hoje, por opção, fico aqui. O Zé disse-me hoje, "estamos velhos, eu já não tenho - nem sei o quê". É certo. O que aqui escrever tem que ser escrito para que alguém leia e saiba que há muita gente diferente, muita gente além, gente que não precisa de viver 150 anos para ter evoluído como se essa idade atingisse.
Seguramente, o que o Zé queria dizer é que já não vamos a todas, porque nos apercebemos que a humanidade não está lá. Hoje em dia, leio situações e prevejo comportamentos, ocorrências e reacções com a mesma fluidez com que folheio um livro. Assim, e embora ainda o mundo me surpreenda, já não vou a todas. Vale a pena lutar, não desperdiçar energias de forma vã e inglória.
Um dia ainda cairia no risco de me esquecer de deixar isto escrito. Assim é melhor.
Eu adivinho coisas. O Miguel e a Mónica nunca se tinham visto, e em cinco minutos de conversa, no Metro, eu disse para mim, eles vao andar. E andaram. Acerto em nomes, em locais, meto por caminhos que nunca vi e chego onde queria, leio as pessoas, toco-lhes nos botões todos, sei coisas de carácter técnico que nunca estudei e que me seria impossível saber, a não ser que tenha lido, sem me aperceber, dezenas de manuais e os meus olhos lhes tenham retido o conteúdo em background. Ou então a memória genética funciona bidireccionalmente no tempo, ou mesmo permeando a topografia do universo, e chegam-me coisas que algum meu primo estudou, em Antares, no século quarenta e três, biqueira larga, Mário. Isto é importante de escrever, porque eu não tenho explicação: sei de biologia, química, medicina, aeronáutica, história e tudo e tudo, mas não sei como sei.
Também tenho uma sorte estranha. Nunca tenho muito, mas também nunca me falta nada.
Esperem, vou só abrir a terceira garrafa que a Charlotte me mandou.
A todas vocês, Senhoras que sempre andarão de braço dado com as vertigens do meu derivar, este copo bem cheio como os dias que seguramente vivemos desafiando a distância, o tempo, e os dias. São coisas diferentes, repare-se.
Já venho.
Talvez devesse fazer isto por passas. Doze. Hm.
1.
A liberdade que quero atingir, porque passo as melhores horas dos meus melhores anos com a alma cravejada de parvoíce, porque respiro o mesmo ar de pessoas que nada sabem ou querem saber dos desígnios da vida que não aquilo que lhes traz sossego aos espíritos torpes e pequenos. Cito, "temos que trabalhar com seriedade", frase que me merece a única resposta suficientemente acertada para tal impropério, a saber, bardamerda. Não quero trabalhar com seriedade, porque a vida é demasiado séria, os mortos nas praias e o peixe que se reproduz são assuntos demasiado sérios para os misturarmos com artifícios pobres e despiciendos como os mercados, o dinheiro, as gravatas, e os simulacros de virtude como as sociedades filarmónicas dos bairros pacatos. Trabalhemos os terrenos, criemos saúde, ciência, arte, paixão, tudo com paixão, e renegue-se a versão cinzenta da seriedade com três lanças em cada mão, prontas a varar o primeiro tacanho amorfo e trombudo que assomar com o probóscis de fora da toca. O mundo não precisa de empresas, hierarquia ou pacatez, e sim de mãos fortes que equilibrem o arado, o livro e a criança.
Volto já, tenho medo que isto não se grave...
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