6.12.04

A saga prossegue.


Joaquim Mauro, 27 anos, estofador de sofás, ficou conhecido como 'O Satânico de Chaves', quando a 11 de Abril deste ano, esfaqueou nas costas e na cabeça, uma jovem de 17 anos, no quarto de sua casa. Esteve seis meses em reclusão, passando pelo hospital da prisão de Caxias e por estabelecimentos psiquiátricos. Está agora em prisão domiciliária. Em exclusivo e pela primeira vez, conta ao CM a odisseia da sua vida, desde que em 2000 sentiu que "um dom" lhe dominava o corpo e a mente.
d.r.

Correio da Manhã – Quando sentiu atracção pelo oculto?

Joaquim Mauro – De repente, comecei a ver imagens e a ter aquela força desumana, no início de 2000, quando estava em Viseu.

– Como reagiu?

– Tenho a convicção que se tratou de um dom, embora não saiba explicar como, nem porquê. Veio até mim e ficou durante todo este tempo. Não fiz nada para mantê-lo, mas também nunca procurei afastar essas sensações.

– Qual foi a primeira sensação?

– No princípio foram as visões, já que tinha acesso a coisas que ninguém via. Sentia uma electricidade a subir-me dos pés à cabeça e fazia-se luz no cérebro, sendo certo que naquela altura não era eu – alguém me comandava.

– Em que altura deu conta de que estava a 'evoluir para um outro patamar'?

– Em 2002, no meu quarto. As visões passaram a ser mais específicas.

– Ou seja?

– Isso é melhor não contar. São coisas que procuro afastar e quanto mais exercitá-las pior para mim. E todo esse tipo de visões são coisas que não interessam a ninguém conhecer.

– Mas ainda há visões dessa natureza?

– Há, são situações terríveis. Por isso é melhor esquecer.

– A determinada altura diz no seu diário: 'Hoje estou feliz porque consegui falar com o meu querido Satanás".

– Lá está você de volta ao que quero esquecer. Falemos de outras coisas, ok?

– A Mónica era visita do seu quarto há muito?

– Era. Quando fiz as mudanças na casa da Dina [uma amiga], a Mónica pediu-me o telefone e a partir daí veio muitas vezes ao meu quarto. Fechávamos a porta, ouvíamos música, jogávamos Playstation, trocávamos [no sentido de venda] beijos e outras coisas.

– Venda de beijos e que mais?

– Para já é só isso que posso dizer, com a certeza de que tudo isso vai ser público um dia, que espero ser o quanto antes, para afastar este pesadelo da minha vida de uma vez por todas. A Mónica entrou e saiu mais de 50 vezes no meu quarto e quando ia embora estava sempre contente porque levava dinheiro, cassetes e peluches. Deixou-me na penúria, eu que sempre tive um bom pé-de-meia.

– O que correu mal naquele dia?

– Para ser franco, nem sei. É um facto que alguma coisa correu mal, mas nunca tive intenção de matá-la. Se assim fosse ninguém me impediria, já que só lá estávamos os dois. Estava tudo muito bem e, de um momento para o outro, tudo se alterou. Apenas posso dizer que nesse dia, por diversas vezes eu não era eu. Muitas vezes estava bem, passados minutos já não era eu, mas a voz era a minha.

– Sentia-se possuído?

– Mais ou menos isso. Há situações que eu próprio não consigo explicar. Nessas alturas falo oito línguas diferentes, e só estudei português.

– E os 'ataques' na cadeia?

– Não têm explicação. Lembro-me de uma vez, quando regressava ao quarto onde estava preso subiu-me electricidade pelo corpo acima e depois só me lembro dos guardas abrirem a porta e levarem-me para o hospital. Quando regressei mostraram-me os estragos: armários em forma de bola, cadeiras feitas num oito, ferros retorcidos e algemas rebentadas. Tudo o que nenhum mortal conseguiria. Aí estava possuído.

– Se estava possuído durante o interrogatório, como se recorda do que disse?

– Durante o interrogatório disse muita coisa e grande parte contra mim. Coisas que podem incriminar-me. Sei que falei para o juiz com uma frieza total e não sentia remorsos do que dizia, porque não estava normal. Parecia que já sabia as perguntas do juiz, pois tinha as respostas na mente.

– Quando essa possessão passava, voltava ao estado normal?

– Depois não me recordava de nada. Nem mesmo na cadeia, quando os guardas me diziam: "olha o que fizeste meu rapaz". Quando ia ver lá estavam os destroços. Eu próprio questionava: como é que tinha força para fazer aqueles estragos?

– Disse que o 'plano' era cortar a cabeça à sua mãe?

– Quando comecei a abrir o bico, no interrogatório do tribunal, não era eu. A voz não era a minha, o pensamento e o raciocínio não eram meus. Só voltei ao estado normal no dia seguinte, quando entrei na cadeia.

– Essas 'vozes' deram-lhe ordens na cadeia?

– Numa primeira fase sim. Depois comecei o tratamento no hospital da prisão de Caxias e deixei de ouvir vozes e de receber ordens. Tudo isso faz parte do passado.

– Após ser preso, foi descoberto um colar valioso no seu quarto. Como é que ele chegou até si e o que representava?

– Esse colar/crucifixo era do Faraó Ramsés IV, do Egipto, e estava datado de 1510 a.c.. Recebi uma ordem para ir buscá-lo a uma lixeira em Verim, Espanha. Pedi à minha mãe que me levasse lá [Natália Correia, a mãe, que assistiu à entrevista, confirma]. Deixei-a a mexer no lixo e desapareci para o local indicado. Recolhi o colar e trouxe-o para o meu quarto, onde esteve mais de dois anos.

– Essas ordens eram cada vez mais difíceis de cumprir?

– Eram sempre iguais. Houve uma altura em que existiu a tentação de cortar a cabeça à minha mãe, da parte deles. Mas foi só uma tentação, nunca uma ordem expressa, porque se fosse teria de ser executada.

– Naquele dia teve relações sexuais com a Mónica?

– Não me lembro. Passei por três fases: normal (quando ela chegou), não normal e a cair entre a realidade e a fantasia. Quando vi que tinha ferimentos, pedi-lhe para me deixar ver e tinha uma picada nas costas e na cabeça.

– Nessa altura estava possuído por quem?

– Não me lembro. Antes de ser internado ouvia vozes e recebia ordens com facilidade.

– Hoje vê estas coisas com normalidade?

– O que quero é esquecer.

– Ser conhecido como 'O Satânico de Chaves' é um rótulo para a vida. Como vai conviver com isso?

– Que remédio. Mas também não me faz diferença. Tenho a consciência limpa, sei que não cometi nenhum crime. E já agora chamarem-me satânico, porquê? Quem é que pode advogar sobre isso? Quem é que tem dados para me rotular? Volto a perguntar: Satânico eu? Porquê?

– Ainda precisa de acompanhamento?

–Não. Sinto-me um homem pronto para enfrentar o Mundo.

O VILÃO

O planeta está em perigo – a empresa Shinra ‘suga-lhe’ a força vital. A partir daqui desenvolve-se o enredo do jogo de Play-station ‘Final Fantasy VII’. De um lado enfileiram os ‘bons’, os ecoguerreiros, que tentam travar a exploração desenfreada dos recursos naturais. Do outro os ‘maus’, elementos do grupo militar Soldado, que protege os interesses de Shinra. Sephiroth é um antigo membro daquela força. Pensava-se que morrera, há cinco anos, em Nibleheim, mas acaba de ser visto. Sephiroth parece ter regressado do mundo dos mortos, disposto aos actos mais cruéis. Não lhe faltam armas sofisticadas. É este o personagem com que Joaquim Mauro mais se identifica, numa proximidade tal que lembra uma relação de cumplicidade.

INSCRIÇÕES A SANGUE

As paredes do quarto, onde dormia Joaquim Mauro, estavam pejadas de inscrições feitas com sangue. Ali foram apreendidas dezenas de cassetes de vídeo celebrando rituais de adoração ao Diabo e um punhal simbolizando o demónio. Foi naquele quarto que, no Domingo de Páscoa, Joaquim, de 27 anos, terá esfaqueado e violado uma jovem de 17. O agressor encontra-se, neste momento, a aguardar julgamento em casa.

(Luís C. Ribeiro, Vila Real)

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