O que devo depreender quando vejo pessoas, ao volante dos seus carros, pararem atemorizadas à entrada de uma rotunda, quando se acercam de uma passadeira, ou em cruzamentos bem sinalizados? Posso, meditando sobre a questão, colocar-me no seu lugar: é possível que tenham medo de atropelar alguém, de um embate. Mas eu não tenho medo de nenhuma dessas situações; é certo que desejo evitá-las, mas a probabilidade de que ocorram não me causa uma sensação de temor em dose suficiente para me fazer esquecer que possuo outra faculdade, além de poder sentir medo, que me é útil nestes casos, e que é a de analisar racionalmente as circunstâncias em que me encontro.
Assim, não preciso que um reformado, envergando um colete fluorescente pago com os dinheiros do erário, venha atentar à minha propriedade, brandindo um sinal de stop feito em plástico mal-amanhado, sempre que aquele julgue não ser possível à pessoa que atravessa realizar, em simultâneo com o meu veículo, a sua travessia; a pessoa está a uma distância suficiente do meu veículo, e este perto q.b. da passadeira, para que ambos atravessemos consentaneamente sem que qualquer das partes necessite de travar a sua marcha, ou temer a mais pálida sombra de um choque.
É ao delegar juízos imediatos e deste grau de simplicidade nas mãos de quem assalaria reformados para funções destas que a liberdade dos nossos filhos começa a ficar comprometida. Quando o pensamento fica sujeito a aprovação prévia das nossas construções sociais, o caldo ameaça entornar-se.
Reparem que poder-se-ia alternativamente alegar que as passadeiras são a melhor solução, em média e por justificar-se o recurso ao modo estatístico dada a gravidade das consequências de uma só fuga à regra, mas é que nem por aí a coisa se segura: construam-se passagens elevadas, ou túneis, que custam em norma pouco mais do que a pintura das passadeiras, e não obrigam nem ao culto do medo, nem a que qualquer das partes, peão ou veículo, tenha de se deter um segundo a mais nos seus afazeres para pensar se tem ou não que dar passagem ao outro.
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