9.1.09

Leituras

A REALIDADE E A FICÇÃO 
Pedro Lomba

2008 não foi famoso. E 2009 vai ser ainda pior. Segundo o Banco de Portugal, o País já está em recessão e assim irá continuar: só lá para 2010 é que se prevêem lentas melhorias na economia. O Orçamento do Estado, que o Governo preparou com um irrealismo suspeito, vai ter de ser revisto. Na sua mensagem de Ano Novo, o Presidente da República quis ser pedagógico. Falou dos oito anos consecutivos a deslizar do crescimento médio da União Europeia. De uma sociedade estruturalmente desequilibrada. E do insustentável endividamento externo a que o País se habituou nas últimas décadas e que vai ter de pagar. 

O Presidente da República achou, como ele mesmo disse, que devia "falar verdade" sobre tudo. Porque, de facto, durante anos e anos os portugueses nunca tiveram quem lhes falasse verdade. Não interessa perceber se não foram eles que contribuíram para esse jogo de ilusões. Um povo que chegou tarde a um mínimo de desenvolvimento não quer saber da realidade para nada. O que interessa é que não houve nenhum governo, de direita ou de esquerda, do cavaquismo ao socratismo, que não tivesse ficcionado o País, que não tivesse alimentado irresponsavelmente expectativas, que não tivesse subsistido num mundo de optimismo e simulação. 

A oposição entre realidade e ficção é uma constante da nossa História. A realidade e a ficção do nosso analfabetismo. A realidade e a ficção da nossa industrialização adiada e periclitante. A realidade e a ficção da nossa aproximação à Europa. No século XX, o Estado Novo fabricou uma ficção perversa. Portugal era uma ideia, o País da casa portuguesa, da miséria honrada, do pobrezinhos mas felizes. Mesmo que não passássemos de um país rural e atrasado, Portugal era isto. O problema, claro, é que Portugal não podia ser isto. Não podia ser um país miserável, composto por gente que aceitava o destino com uma resignação lamentosa. 

Veio a democracia, veio a Europa, e as ficções persistiram. Durante uma década acreditámos que nos tínhamos modernizado, acreditámos que finalmente tínhamos adquirido um estatuto. Portugal mudou alguma coisa, as classes médias mudaram. Mas os nossos avanços não foram consistentes nem planeados. Continuamos longe da Europa e já nem sequer crescemos o pouco que os outros crescem.

Existem provavelmente duas maneiras de um país que está em crise há quase dez anos enfrentar uma crise grave como a que vivemos. A primeira é agir sobre os problemas mais imediatos: o desemprego, a confiança das famílias e das empresas, a procura. A segunda é pensar no País que queremos ser daqui a 20 anos. As duas maneiras dependem uma da outra. As medidas excepcionais de combate à crise devem ser coerentes com uma estratégia mais profunda de regeneração. Para que as ficções possam acabar.

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