Arlindo e a poeira
O escarro atingiu o asfalto com a precisão assustadora de um míssil de cruzeiro. A estalada sonora espantou alguns pardais que se coçavam ali perto, o ar quente e seco de Agosto a fazê-la ecoar por entre os prédios. Castanha com o café matinal, a coloidal descarga borbulhou durante dois segundos a fritar ao sol, e depois desapareceu deixando para trás alguns montículos mais espessos.
Ao passar pela igreja, viu uns vinte metros mais abaixo a Bina que se passeava, já a esta hora, a tresandar queca por todos os poros, os olhos raiados de sémen. Cabrona. Também tu hás-de roê-lo, pensou.
Raspou a unha crescida do mindinho por trás da orelha esquerda, arrancando milhares de células epiteliais há muito tempo mortas e esquecidas. Arreganhou o maxilar inferior, e com as presas afiadas libertou a unha do seu fardo.
Puxou de um cigarro. A chama do isqueiro bruxuleava à frente dos seus olhos, hipnotizando-o e levando a sua mente simples até outras paragens. Quem faria arder a chama? Não queria acreditar nos jeovás, nem nessa corja de manás e universais dum cabrão, que passavam a vida a besuntar-se com óleo de fritar e a mugir como se tivessem os pelos do cu a arder. Mas quem faria arder a chama, e onde iriam buscar tanta gaja boa a falar inglês tão bem para fazer as Marés Vivas? Doía-lhe a cabeça, fechou o isqueiro, deu uma passa que o encheu até à bexiga e continuou o seu caminho.
Abriu a porta da oficina com uma patada seca no sítio secreto que só ele e o Canina conheciam. Depois tropeçou na lata dos pregos, caíu em cima de uma cavilha e morreu. Sic transit gloria mundi.
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