11.1.05

Soap Days from Hell, versão Qué me Pongo

(nunca publiquei este, não acho que valha a pena, mas não sou capaz de o deixar por ver a luz do dia, pronto, neguei três vezes, acho que é seguro fazer paste, and now for something completely different)


Amor Bastardo

Nascia o Sol sobre o pequeno aglomerado de barracas na encosta do monte. Onde as auto-estradas se entrecruzavam, carregadas de pólen gasocarbónico, ali se despertava para mais um dia de labuta e competição agreste.
Nacho recostou-se no colchão azul, seminu no calor latino, a marca do corpo estampada na espuma descoberta, fios de saúde a olear-lhe o corpo após mais uma noite estremunhada. Movimentou as gengivas em círculos apertados, reunindo as secreções nocturnas num escarro maciço que projectou, ousado, de chapa contra a parede da frente, remendada o mês passado com as tábuas que tinham sobrado do caixão do avô. A coberto do estalido aquoso, soltou o ar acumulado no tripame onde ainda dormiam os restos da mariscada da noite anterior, bem regada com a aguardente de batata que a mãe fazia tão boa. Os vapores fétidos pairaram durante fracções de segundo na sua vizinhança, depois deslocaram-se, como que animados de vida própria, na direcção da janela, passando ao largo das narinas do irmão Angel, que jazia rotundo numa lagoa de bílis e camarão mal digerido. Levantou-se e raspou as virilhas, em sincronia perfeita com o escarro que acabara de chegar ao chão de terra batida.
Bailou até à cozinha improvisada, mirando a prima Rocío, pubescente, ali espraiada a exalar um convite ao tabu. As cuecas manchadas de castanho afundavam-se entre as suas nádegas, fazendo-as sobressair à luz da alvorada. “Qué coño, putanita, um destes dias vais acordar con esa cosa hecha en dos gomos, ah si lo vas, coño, hombre, joder que lo digo, hija de puta madre”, entre dois goles de vinho branco que verteu dum jarro após coar a horda de mosquitos que ali se instalara durante a noite. “Cojones, hombre, parecem perros, animais de cabrón, bêbados do mi sangrito, e agora queriam el viño, eh hombre puta vida”. Arrotou virilmente, benzendo-se em frente ao crucifixo pendurado no frigorífico em sinal de respeito. Lá em casa eram todos bons católicos, pensou, “todos menos esse porco do Sebi que nem à missa é capaz de ir, drogado de mierda, cerdo, que só aqui vem quando a fome aperta”.
Estava a falar em voz alta, sem se aperceber, e acordou a prima Rocío, que se aproximava da cozinha com passos curtos, sonolenta e cambaleante.
Tudo aconteceu de repente. O ímpeto gitano que herdara dos seus ancestrais ferveu-lhe o sangue de um momento para o outro, alterando-o de gentil calceteiro em macho de cobrição transfigurado, um caldeirão de suor e sémen. Esgazeado, agarrou Rocío pelas ancas, erguendo-a vários metros no ar, não lhe dando tempo sequer para esboçar uma reacção. Tomado pela luxúria, entalou a jovem entre o seu corpo e o lava-louça, enquanto se debatia desajeitadamente com a sua genitália entumescida. Cascas de camarão e tremoços entupiam a respiração de Rocío, que asfixiava, apavorada, encomendando a virtude ao Criador. Nacho ofegava, “cariño, cariño meu, no tenhas medo, que te quiero, poner-me en tu coñito como tu queres, putanita, fica tudo en familia, es la vontade dos céus”.
Antes, porém, que Nacho pudesse consumar o pecado, um urro selvagem dominou a manhã quente de Agosto. Apavorante e hirsuto, Angel assomava simiescamente à porta da cozinha, manchas de vómito na camisola de alças e fios de baba translúcida a escorrer pelo peito.
“CABRÓN!!!”, vociferou projectando a sua massa obesa na direcção do cenário de paixão maldita. O impacto levantou os pés de Nacho, que foi arremessado como um meteoro ao longo de três metros, batendo com as costas na janela e estilhaçando o vidro opaco de gordura e poeira. Rocío fugia desvairada, soluçando entre cuspidelas de restos de marisco. Nacho ouviu-a regurgitar em seco do outro lado da parede, enquanto fitava cautelosamente o irmão enfurecido.

Continua. (15-11-2001)

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