1.2.07

O post que se segue é uma manta de retalhos tecida com matéria-prima deste e daquele, blogs e amigos, temperada com o meu vinagre para enchimento à laia de trolha.



O argumento de que a lei não deve punir uma determinada conduta porque tal conduta não é moralmente sancionada pela maioria da comunidade é um bom argumento jurídico, mas totalmente irrelevante neste momento.

A comunidade também produziu um largo consenso acerca da necessidade de a questão se resolver mediante referendo (já que, em grande medida, o que se pretende é averiguar da vigência social da consulta anterior). Logo, a "consciência social maioritária" acha que a "consciência social maioritária" só será efectivamente conhecida com os resultados de dia 11.

O que dirão os defensores do "sim" que remetem para este argumento se o "não" vencer? Que o povo, estúpido como sempre, não sabe sequer que aquilo que pensa não é aquilo que pensa? Que a "consciência social maioritária" não sabe qual é a "consciência social maioritária"? Que mais valia que o povo descansasse e deixasse os destinos do país nas engenhosas e cuidadosas mãos do Daniel Oliveira?

Se o feto de 10 semanas é uma coisa, como diz Lídia Jorge, uma das sumidades intelectuais do Sim, e não um ser humano desde o momento da concepção, quando ocorre o momento mágico em que ele se transforma em vida humana? Que sinais podemos ter desse momento? Por exemplo, o ex-feto, olhar para o ecógrafo, esticar o polegar, e dizer, entre bolhas de líquido amniótico, «Já tenho sistema nervoso central»? E já agora, sendo coisa, será a ela que os poetas se referem quando falam na «coisa amada»?

Foi confrangedor ouvir os argumentos pelo SIM de Rui Rio ontem, na SIC - Notícias.
Rui Rio considera que a mãe aborta a pensar nos interesses do filho abortado. É um favor que a mãe lhe faz, portanto, a mãe defende o filho abortando-o e não o pondo neste mundo. E ele nem precisa de lhe agradecer.

Rui Rio afirmou até que diria à sua própria mãe que preferiria que ela tivesse abortado, acaso ela não o quisesse ter tido.

O que Rui Rio não compreende é que ele só poderia dizer isso à sua mãe se esta não o tivesse abortado pois se ela o tivesse abortado, Rui Rio não tinha possibilidade de lhe dizer coisa alguma, nem sequer lhe poderia agradecer a original defesa dos seus - de Rui Rio - interesses.

É por haver pessoas que pensam como Rui Rio, é por haver pessoas que não têm pudor de afirmar que estão a defender os interesses das crianças, ou dos embriões, eliminando-as, que o aborto a pedido NÃO pode passar. Com pessoas assim isto NÃO pode passar!

A pergunta do referendo no fundo engloba várias questões, o que a meu ver é grave porque baralha as coisas: 1 a despenalização das mulheres; 2 a despenalização de quem se dedica ao negócio (deste modo o aborto clandestino vai continuar e até aumentar porque muitas continuam sem querer dar o nome no Serviço Nacional de Saúde); 3 a liberalização total e absoluta do aborto até às 10 semanas sem necessidade de invocar quaisquer razões (o que torna as mulheres muito mais vulneráveis às pressões dos familiares e entidades patronais); 4 a obrigatoriedade do estado em financiar o aborto (em detrimento de outros tratamentos médicos à população em geral, que como sabemos já é muito mal servida).

Porque é que estou contra ? A questão fundamental é porque desde a concepção que está ali uma pessoa, seja ela perfeita ou não, seja ela desejada ou não. Não temos o direito de a matar em qualquer circunstância, no meu entender nem mesmo no caso de violação. Para mim o aborto só se devia praticar em caso de risco de vida para a mãe. O aborto também não é um método de contracepção. Não acredito que haja alguém que não saiba, hoje em dia, que pode engravidar se tiver relações sexuais. As pessoas arriscam e pensam que não vai acontecer com elas e assim continua a desresponsabilização.

No entanto sei que é impossível impor esta posição, que seria a ideal, pois a maioria das pessoas vê as coisas do ponto de vista imediato.

O que acontece se o Não ganhar ? Mantém-se a lei actual que, embora como já disse, não seja para mim a lei ideal, é uma lei equilibrada.

Em primeiro lugar o que acontece às mulheres ? A lei actual prevê para as mulheres que praticam aborto a pena máxima de 3 anos. No entanto, apresenta várias excepcões: mal-formação do feto, violação, risco de vida para a mãe e risco de saúde incluindo a saúde psíquica, o que permite invocar um leque muito grande de razões. Uma mulher que neste quadro jurídico se proponha abortar falará do seu problema com os técnicos de saúde que na situação desejável a tentarão ajudar a ponderar. Nao tenho a certeza que isto funcione da melhor forma mas pelo menos é melhor do que fazer as coisas a despachar e sem qualquer reflexão.
O que tem acontecido às mulheres que praticam aborto clandestino ? À portuguesa, muito poucas foram julgadas e tanto quanto sei nenhuma foi incriminada. Portanto todo esse alarido à volta das mulheres é desproporcionado. A lei actual confere assim maior protecção ao feto.

O que acontece a quem se dedica ao negócio ? Aqui a lei actual tem mão pesada e a meu ver muito bem. Pois se as razões para provocar aborto legal são bastante abrangentes não se justifica o aborto ilegal. E as parteiras, essas sim, põem de facto em grande risco, se não a vida, pelo menos a saúde física e psíquica das mulheres.

Também não concordo que o Estado pague a quem fazer o aborto só porque sim.

A nossa lei actual é semelhante à que existe pelo menos em Espanha e Alemanha. A que se pretende aprovar que eu saiba não tem paralelo na Europa.

Eu também não consigo julgar uma mulher que pratique aborto. Se alguém viesse ter comigo com esse problema, tentaria demovê-la de fazê-lo e tentaria ajudá-la o mais possível. Se mesmo assim persistisse e o fizesse, nem por isso deixaria de lhe oferecer apoio e amizade. Esse caso nunca se me apresentou directamente. Provavelmente conheço algumas que o escondem de tudo e de todos porque particar aborto é mesmo uma coisa traumática. Por outro lado, conheço várias mães solteiras que tiveram a coragem de continuar com as suas gravidezes e nenhuma se arrependeu, por mais difícil que tenha sido a situação. Todas estão contentes com as suas crianças, mesmo que actualmente a vida lhes seja difícil. Uma parte delas casou com outros homens que perfilharam as crianças como suas.

A vida tem muito mais saídas que a morte, que é irremediável.



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